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Luís Todo Bom: “Se o Banco de Fomento fizesse 100 operações por ano seria fantástico”

Com um tecido empresarial heterogéneo, em que as empresas mais inovadoras conseguem conquistar quota de mercado internacional enquanto as mais pequenas e tradicionais enfrentam maiores dificuldades, importa apoiar as operações que permitam ganhos de escala, defende o gestor Luís Todo Bom. No entanto, realidade continua a ser bem distinta.
6 Agosto 2023, 08h50

Continuam a faltar incentivos para as empresas buscarem operações de concentração, sobretudo fiscais, o que contribui para um tecido empresarial pouco produtivo e competitivo. Luís Todo Bom, engenheiro e gestor, defende maior foco nas empresas de média dimensão, e não nas PME, e quer ver o Banco de Fomento mais ágil no apoio à capitalização de forma a dinamizar a economia portuguesa.

Com um tecido empresarial heterogéneo, em que as empresas mais inovadoras conseguem conquistar quota de mercado internacional enquanto as mais pequenas e tradicionais enfrentam maiores dificuldades, importa apoiar as operações que permitam ganhos de escala, defende o gestor Luís Todo Bom. No entanto, realidade continua a ser bem distinta.

Esperava ver maior necessidade de operações de M&A e reestruturação decorrente da subida de custos que afeta as empresas nacionais?
As reestruturações não devem acontecer só nas situações limite. As reestruturações devem ser devem acontecer quando as empresas ainda estão bem. Defendo há muito tempo que devemos ter um processo de evolução do nosso tecido empresarial em que fazemos crescer a dimensão das nossas empresas, que são muito pequenas, com fusões e aquisições. Depois, essas empresas maiores terão uma capacidade de inovação maior, produtos com maior valor acrescentado e mais capacidade exportadora. Os incentivos públicos, nomeadamente os que vêm da UE, deviam-se concentrar nessas ações. Ou seja, em empresas de média dimensão que querem crescer, que se vão internacionalizar e empresas que vão inovar. Se fizermos isso, alteramos significativamente o perfil do nosso tecido empresarial e vivemos com mais tranquilidade. Nós vivemos angustiados, em crise após crise, isto é dramático. Portanto, eu tenho vindo a defender um sistema seletivo de incentivos aplicado às médias empresas, não às PME, às médias que querem crescer. Uma empresa que não quer crescer vive pequenina, mas não tem incentivos. Tem vindo também dizer que o Banco Português de Fomento (BPF) devia-se concentrar, digamos assim, em reforçar os balanços dessas empresas que apostam em inovação e na internacionalização, no sentido de ter bases de autonomia financeira e solvabilidade mais robustos e que permitisse captar mercados internacionais com mais facilidade. Agora estamos a distribuir o mal pelas aldeias, que é uma expressão muito portuguesa, mas o que se distribui é o mal, não é o bem.

Que avaliação faz das operações recentes em Portugal? Apesar de pequena, é uma área que tem crescido nos últimos anos.
As operações de M&A que têm ocorrido são sobretudo na área imobiliária e dos serviços e bens não-transacionáveis, a esmagadora maioria. Precisamos de operações de M&A da indústria, e aí temos pouquíssimas. Teremos agora nos seguros uma grande operação de concentração, mas, lá está, novamente nos serviços e bens não-transacionáveis. Precisamos de exportar bens transacionáveis. Mais: cada vez que o Governo fala em balança comercial e em aumento das exportações, devia especificar que tipo de exportações está a falar. Nós exportamos claramente serviços. Temos uma fragilidade na nossa economia que temos de combater e ultrapassar e não vejo nenhum movimento nesse sentido. Dizem que os empresários são egoístas – não é verdade, regem-se é por incentivos. Eu estou muito ligado à gestão de empresas familiares – a quantidade de empresas familiares com problemas na sucessão e que, portanto, estão disponíveis para vender, serem compradas e integrarem processos de fusão cresce todos os dias. Não estamos a assistir a esse movimento com dimensão adequada em Portugal.

Quais lhe parecem ser os principais motivos para isso?
É, antes de mais, um problema fiscal. Não só não há incentivos, como há desincentivos fiscais: quem vende é penalizado nas mais-valias, quem compra é penalizado porque não pode amortizar esta diferença. Enquanto esse problema não for resolvido as M&A serão muito reduzidas. Este é o primeiro problema. O segundo é que a grande maioria das empresas portuguesas tem balanços frágeis. Esse deveria ser o principal objetivo do BdF, entrar com quase-capital ou com capital, eventualmente até 20%, acompanhar a gestão e melhorá-las para ter empresas mais robustas, mais bem geridas. Se não se fizer nada ou continuar a insistir na necessidade de apoiar as PME, na visão de que são o futuro e o tecido, isso não vai dar em nada.

O BPF, tal como realça, tem sido alvo de críticas frequentes de várias instituições. Que expectativa teria para este organismo no próximo ano?
Vai depender. Tenho uma teoria: muitas pessoas a fazerem muitas coisas bem é difícil. Se o BPF fizer uma única coisa bem é fantástico. Isso poderia ser melhorar os rácios de capital e os balanços das empresas que querem crescer, inovar e internacionalizar. Se tivesse esse objetivo e dissesse, no final do ano, ter conseguido fazer 100 operações, fantástico. Imagine uma empresa que vendia 20 milhões de euros, comprou outra que vendia 20 milhões, passou a ter 40 milhões de euros e com esses 40 milhões já pôde fazer produção de bens inovadores para vender no mercado americano. É destas mensagens que a economia portuguesa precisa. Quantas operações e histórias destas há por ano? Não é uma ou duas, isso não é nada; se tivéssemos 100 operações destas por ano, em três anos são 300. Aí a economia portuguesa daria um salto qualitativo fundamental. Agora, eu não vejo esse movimento, antes pelo contrário; é sempre o pequenino, o pobrezinho, o apoio social… a economia é outra coisa.

A execução do PRR tem deixado muita margem para críticas. Existe um papel real do plano para dinamizar estas operações? Que avaliação faz da sua execução?
Tenho duas críticas ao PRR. A primeira é a afetação de verbas e recursos significativos a projetos de experimentação. Nós somos um país pobre, os pobres não experimentam – fazem. Quem experimenta são os ricos. Nós estamos a experimentar no hidrogénio verde, plataformas móveis, etc. Muito dinheiro para experimentação, que eu acho um erro. Uma coisa seria ter pequenas verbas para investigação; isto não. Segunda: investimentos públicos não reprodutivos, ou seja, não ligados à atividade empresarial e económica. No fundo, despesa corrente. Todo o dinheiro que se gasta nisso é desviado da melhoria da economia portuguesa. Devíamos apostar mais nos processos de automação, digitalização, robotização das nossas empresas, de moldes, metalomecânica ligeira, dos sectores tradicionais, que precisam imenso disso. Na melhoria da eficiência energética dessas empresas, até para reduzir o seu custo energético. Nalgumas infraestruturas públicas, nomeadamente centros de logística e distribuição, tudo bem – tudo o que seja investimento público que promova a melhoria das empresas e do seu funcionamento é ótimo, o resto não. Tenho expectativas baixas para o PRR. Vai entrar dinheiro na economia portuguesa, isso aumenta logo o PIB automaticamente por força do consumo, mas não é esse o caminho.

Parece-lhe que o impacto será limitado, portanto.
Não se vê alterações estruturais na economia. Mas vamos lá ver, nós somos muito críticos para com o Governo, mas a sociedade civil não se indigna. Não se vê esse movimento na comunidade empresarial. Eu faço parte da direção do Fórum para a Competitividade, liderado por Pedro Ferraz da Costa, e ele é quase uma voz isolada nisso. Se houvesse uma pressão real nisto o Governo ouviria, tem de ser sensível; mas não há. A culpa não é só do Governo, eles gerem as expectativas eleitorais do povo português.

Se pudesse sugerir uma medida para o Orçamento do Estado para 2023 nesta área qual seria?
Redução fiscal. Já propus algo: o ministro das Finanças acha mau mexer na fiscalidade das M&A é mau, porque as receitas que daí vêm são poucas. Não querem autorizar a amortização do goodwill na totalidade? Autorizem de 80%, já é fantástico. Não querem isentar de impostos as mais-valias das transações associadas a processos de MA e reestruturações – porque, repare, a uma M&A segue-se sempre uma reestruturação. Não querem isentar? Criem uma taxa de 5%, justa, amiga do investimento. A grande medida seria esta, a redução da carga fiscal destas operações.

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