O programa Mais Habitação continua a gerar discórdia. Muito se falou na possibilidade de transferir propriedades do Alojamento Local (AL) para o arrendamento tradicional, mas o sector veio dar publicamente a sua resposta, contrariando um dos objetivos do Governo de incentivar o arrendamento a estudantes ou de longa duração através de isenções fiscais sobre as rendas. Caso tenham de desistir do AL, a maioria dos proprietários prefere arrendar a médio prazo a estrangeiros ou utilizar a casa “só nas férias” e de segunda habitação.
A conclusão consta do estudo ‘Avaliação de Impacto do Alojamento Local em Portugal’ realizado pelos economistas e investigadores Pedro Brinca, João Bernardo Duarte e João Pedro Ferreira, da Nova SBE a pedido da ALEP. É aqui evidenciado que a grande maioria dos proprietários de Alojamento Local não considera colocar o imóvel novamente no arrendamento de longa duração [contratos de três anos ou mais].
De acordo com o estudo, ontem apresentado, “um aspeto central a salientar é que a maioria dos titulares de AL não considera colocar a sua propriedade no mercado de arrendamento tradicional (apenas 13% dos titulares consideram essa possibilidade), caso o seu imóvel deixe de servir a atividade de AL”.
No fundo, apenas 13% dos proprietários admite voltar a colocar a sua propriedade no mercado de arrendamento tradicional caso as novas regras avancem. Os autores destacam que como solução alternativa consideram tanto o arrendamento de médio prazo a estrangeiros (57%) como a manutenção do imóvel apenas como casa de férias e de segunda habitação (50%).
Quase 60% dos inquiridos notam que existe um risco de encerrar atividade com a entrada em vigor do Mais Habitação, algo que pode ser preocupante dado que 73% dos proprietários tem mais de 45 anos de idade, o que traz uma dificuldade acrescida quando o tópico é voltar a ingressar no mercado de trabalho.
Pedro Brinca, economista e um dos autores do estudo, lembra precisamente o impacto ao nível do emprego, ao apontar a necessidade de construir 1.030 hotéis, assumindo a mesma taxa de ocupação, para suprimir o papel do AL no alojamento de turistas. Tal “sugere que uma diminuição forte da atividade do AL poderá ter uma repercussão forte a nível de emprego, principalmente no sector do turismo, mas não só”: além de ser uma atividade geradora de riqueza, serve de complemento ao rendimento de portugueses mais velhos, muitos deles já reformados.
“O perfil típico do inquirido sugere que explora apenas um estabelecimento, tem escolaridade acima da média, com rendimentos de AL que não ultrapassam os 12 mil euros, mas que, ainda assim, representam uma parte importante do rendimento do agregado”, expõe, ao contrário da noção pública de um sector dominado por multinacionais abundantes em capital.
O estudo ganha assim uma importância acrescida, ao suprir em parte a falta de informação fidedigna e disponível sobre um ramo tão importante da economia portuguesa, cada vez mais assente no turismo. Recorde-se que os dados oficiais apenas contabilizam alojamentos com dez dormidas ou mais.
“Ora, 80% dos alojamentos locais tem precisamente menos de dez camas. Uma vez contabilizados esses estabelecimentos, as dormidas em AL mais do quadruplicam. Nesse sentido, políticas que possam ter sido pensadas com base nas estatísticas oficiais nacionais poderão não ser as mais adequadas”, alerta Pedro Brinca.
Caso a legislação avance, depois de ir novamente ao Parlamento a 21 de setembro, um número considerável de proprietários admite manter a atividade aberta, mas “reduzir os custos com o trabalho e com novos investimentos” como modernização ou renovação do imóvel, sendo que existem proprietários que também devem reduzir em outros custos.
E qual o destino do alojamento se esteve deixar de estar disponível para AL? A resposta que reuniu o maior consenso não vai agradar a todos: cerca de 57% dos inquiridos prefere arrendar o imóvel a estrangeiros por um período máximo de um ano ou 50% dos inquiridos assegura que vai manter o imóvel como uma casa de férias ou “segunda habitação, mas vai ficar fechada a maior parte do ano”.
A grande maioria dos inquiridos nega o arrendamento a estudantes como solução viável, preferindo mesmo vender o imóvel, uma situação que fica quase empatada a 50% entre aqueles que escolhem ou não vender.
Por que não voltar ao arrendamento tradicional?
Ainda que não exista uma resposta concreta, os números apresentados falam por si. “Os proprietários de AL investiram quantias avultadas nos seus imóveis”, lê-se no estudo, podendo ajudar a explicar a decisão de não regressar ao tradicional.
“O investimento por titular de AL correspondeu a mais de 100 mil euros na aquisição em mais de 70% dos casos, enquanto que 50% dos titulares investiram mais de 50 mil euros na reabilitação dos seus imóveis”. Isto significa que os proprietários investiram na reconversão do edificado português que se encontrava maioritariamente devoluto ou em muito mau estado de preservação, o que os faz negar regressar ao mercado tradicional de arrendamento.
Os dados indicam que apenas 9% dos imóveis que deram entrada no AL correspondiam a construção nova, sendo que “mais de 40% estavam devolutos ou em mau estado de conservação, outros 18% precisavam reabilitação”. Cerca de 36% dos proprietários contraíram empréstimos para pagar o imóvel, o que pode indicar que muitos ainda o estão a pagar.
O que previa o Mais Habitação?
Segundo o Governo, benefícios significativos que compensariam a saída do mercado temporário.
O Executivo promete dar isenção de IRS ou IRC sobre as rendas até ao final de 2029 caso os proprietários retirem as casas do AL até ao final do próximo ano. Apesar de ser uma medida que compromete poupança, os proprietários não a aceitam. Mas para beneficiar desta isenção, os estabelecimentos têm de estar registados antes de 31 de dezembro de 2022 e o contrato de arrendamento tem de ser celebrado até ao último dia de 2024.
Na especialidade foi alterada a taxa autónoma dos rendimentos prediais, passando de 28% para 25%. Esta redução especial é aplicável aos contratos de arrendamento com uma duração inferior a cinco anos, sendo que nos contratos entre cinco e dez anos é aplicada uma redução de dez pontos percentuais da respetiva taxa autónoma. Quando os contratos têm uma duração superior a 20 anos – algo raramente visto nos dias de hoje -, é aplicada uma redução de 20 pontos percentuais da taxa respeitante ao pagamento da prestação dos rendimentos prediais.
Caso os contratos sejam terminados antes do tempo previsto, o senhorio é chamado a repor o valor da diferença entre o que pagou e o que teria a pagar sem o benefício, ao qual será acrescentado os juros compensatórias.
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