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Michel Temer: o Presidente fantasma

É presidente do Brasil sem ter ido às urnas e nunca se livrou de sucessivas suspeições sobre corrupção. Chegou a ponderar concorrer às presidenciais de domingo, mas os avatares da sua própria carreira política tê-lo-ão aconselhado a desistir.
Reuters
6 Outubro 2018, 10h00

Quando em julho de 2017 o presidente do Brasil Michel Temer abandonou prematuramente a cimeira do G20 em Hamburgo, na Alemanha, deixou a descoberto todo o drama político que o país vivia por esses dias – e que de então para cá não se atenuou um milímetro. Temer saiu de Hamburgo sem ter participado de qualquer encontro bilateral com outros chefes de Estado e praticamente não falou com ninguém – apesar de já estar na presidência há mais de um ano, desde maio de 2016.

O espanto que a sua prestação, ou a falta dela, causou na altura não admirou em excesso os comentadores autóctones: Tremer sentia uma espécie de vergonha por estar a ocupar o lugar de Presidente. Porquê? As razões apontadas para tão estranho estado de alma eram duas: a inexistência do benefício da certificação de uma vitória nas urnas para ascender ao lugar que ainda ocupa; e a enorme carga de suspeição que sobre a sua figura caía (e de que não se livrou ainda) no movediço processo Lava-Jato, entre outros – de que estava longe de poder apresentar, dizia-se, as mãos devidamente limpas.

Ora, como a primeira explicação não faz sentido – a Constituição brasileira prevê que a destituição de um Presidente da República implica a sua substituição pelo vice-Presidente – resta a segunda. E, nesse particular, Michel Temer parecia ter todos os motivos para tentar passar despercebido na foto de grupo do G20.

Filho de imigrantes libaneses e nascido em setembro de 1940, Temer debutou na vida político-partidária em 1981, quando se filiou no então recém-fundado Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Passou por vários lugares até que, em 1997, ascendeu à condição de presidente da Câmara dos Deputados. Mal se sentou na cadeira, decidiu triplicar o financiamento das despesas dos gabinetes – o que lhe terá valido de imediato muitas amizades duradouras.

Muitos anos mais tarde, (em 2002) e depois da vitória de Inácio Lula da Silva na segunda volta das presidenciais, Michel Temer apressou-se a oferecer os seus préstimos (e os do seu partido) ao novo Presidente – que desgraçadamente se absteve de os aceitar. Segundo os analistas, Lula da Silva teve sempre reservas (que não apenas políticas) em relação ao presidente da Câmara de Deputados e não quis contar com ele para formar a maioria necessária a governar com estabilidade.

Mas as coisas em política são o que têm de ser, e em 2009 Temer voltou a ser eleito presidente da Câmara dos Deputados com o apoio do PT – um entre 15 partidos que o apoiaram. Esse foi também o ano em que o seu nome passou a estar cada vez mais ligado aos escândalos de corrupção e participação em negócio, que haveriam de espantar o mundo por muito que ele, o mundo, esteja habituado a estes avatares.

O chamado ‘escândalo das passagens aéreas’ foi o primeiro apeadeiro da viagem de Temer, que passou depois pela ‘Operação Castelo de Areia’, mais tarde pelo ‘escândalo do Mensalão’, até desembocar no sítio do costume, o Lava-Jato.

No meio disso – e num quadro em que aparentemente o Lava-Jato chegava a todos os mais recônditos cantos de todos os partidos que velejavam nas águas do poder – Lula da Silva, que entretanto preparava uma malograda carreira de ex-presidente mais amado do país, considerou que o PMDB deveria ser um dos candidatos à vice-presidência de Dilma Rousseff, a agora presidente da República. Temer não se deixou intimidar pela concorrência e, para mal dos pecados de Rousseff, acabou por tomar conta do lugar.

Segundo o próprio, ao longo desse mandato foi pouco mais que figura de corpo presente. Não decidia nada, não lhe perguntavam a opinião para nada – todo o palco era de Rousseff e a ex-militante daquela espécie de guerrilha que assolou alguns territórios urbanos nos idos dos anos de 1970 não dava lugar a mais ninguém. Talvez isso tenha sido um dos maiores erros da Presidente: Rousseff ganhou rapidamente a fama de não dominar os dossiês mais importantes, de ter pouco ‘calo’ político e de ter pouca mão nos que lhe estavam subordinados. Para usar uma frase antiga, Lula tinha mesmo feito eleger um poste de eletricidade (frase que deriva do facto de, no Brasil, se dizer que o povo elegeria até um poste de eletricidade se Lula da Silva o apoiasse).

Entretanto, tudo continuava na mesma: Temer era suspeito de estar no rol de implicados em diversos escândalos, no que era acompanhado pelos nomes mais sonantes da praça.

Dilma e Temer tomaram posse para um segundo mandato em janeiro de 2015, sem saberem que ele não chegaria ao fim. Ou talvez não, talvez Michel Temer suspeitasse de qualquer coisa: quando se colocou a hipótese do impeachment de Dilma Rousseff, dizem os cronistas que o seu vice-presidente foi das fontes mais ativas no desenvolvimento do processo – completamente rocambolesco e que afundaria a emergente mas pouco sustentada economia do país – que haveria de culminar com a saída de Rousseff.

Verdade ou não, o certo é que Michel Temer chegou mesmo à presidência do Brasil, no meio do aplauso de alguns e do protesto de muitos – o que não o coibiu de afirmar em pouco tempo que estaria preparado para a corrida presidencial seguinte, fosse ela quando fosse (na altura ainda se discutia a hipótese de eleições antecipadas, que Temer nunca apoiou).

Por razões que não são claras – mas talvez a prestação de Temer em Hamburgo ajude a explicar – essa vontade de concorrer às urnas acabou por passar-lhe e, depois de novembro ou por aí, quando der posse ao novo presidente, Michel Temer iniciará a sua caminhada para uma mais que provável irrelevância histórica.

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