Se há alguém que pode afirmar com plena razão que uma viagem lhe mudou a vida, essa pessoa é a antropóloga francesa Nastassja Martin.
Nascida em 1986, em Grenoble, apaixonou-se pela ciência que viria a estudar depois de, aos 16 anos, ler “Tristres Trópicos”, de Claude Lévi-Strauss. Tendo-se especializado em populações do Ártico, não é de estranhar que Nastassja Martin tenha viajado para os confins da Sibéria, mais precisamente para a península de Camecháteca, no extremo oriental da Rússia, onde viveu com o povo Eveno, cujo estilo de vida está ameaçado pela exploração dos recursos naturais, tendo ainda aprendido a sua língua.
Em 2015, durante um trabalho de campo, encontrando-se momentaneamente sozinha, é atacada por um urso, animal que não é conhecido por deixar as suas vítimas com vida.
Mas Nastassja sobrevive, ainda que gravemente ferida. “Acreditar nas Feras”, editado pela Antígona, com tradução de Luís Leitão, é o relato deste acidente, das múltiplas operações que se lhe seguiram, quer ainda na Rússia, quer já em França, dos inquéritos da FSB (os serviços de segurança russos), da recuperação psicológica e da forma como interioriza este embate brutal que a tornou, segundo os Evenos, numa criatura habitada pelo espírito do urso e que vive entre dois mundos cujas fronteiras se estilhaçaram.
Por muito impressionantes que sejam as descrições dos ferimentos e das cirurgias, este é um livro que merece mesmo ser lido. Entre outras razões, por nos recordar da nossa inicial ligação à natureza e ao mundo selvagem e de como a estamos a malbaratar. Feroz e tocante, como o mundo natural.
Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.
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