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Rafah: 76 anos depois, os palestinianos continuam a fugir de casa

Mais de 450 mil palestinianos estão a tentar escapar de Rafah, cidade que é um objetivo militar para Israel – lembrando que é êxodo que o Dia do Nakba pretende recordar. Entretanto, o extremista Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional israelita, quer novos colonatos em Gaza.
15 Maio 2024, 07h30

Desde o início desta terça-feira, cerca de 450 mil palestinianos estão a deixar a região e a cidade de Rafah na tentativa de escaparem às forças militares de Israel, que às primeiras horas da manhã avançavam sobre o oeste da cidade que faz fronteira com o Egipto. “As ruas estão vazias em Rafah e as famílias fogem em busca de segurança. As pessoas enfrentam constante exaustão, fome e medo. Nenhum lugar é seguro. Um cessar-fogo imediato é a única esperança”, disse a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente, a UNRWA.

Os palestinianos estão em fuga há pelo menos 76 anos. O dia 15 de maio é comemorado na Palestina como o dia do Nakba, palavra árabe que significa ‘catástrofe’ ou ‘desastre’ e assinala o êxodo palestino de 1948, quando mais de 710 mil palestinianos (segundo dados das Nações Unidas), fugiram ou foram expulsos das suas casas na sequência do início da guerra israelo-palestiniana – que basicamente começou no dia anterior, o primeiro do resto da vida de Israel enquanto nação com um território. O êxodo mantém-se até hoje. Em fevereiro de 2010, o Knesset (parlamento israelita) aprovou uma lei que proíbe manifestações públicas em Israel no dia 15 de maio.

Rafah está sob ameaça de ataque há bem mais de um mês – período durante o qual a comunidade internacional tentou, sem sucesso, convencer o governo israelita a suspender aquela iniciativa militar, tendo escalado os ataques na última semana ali, mas também no centro e norte da Faixa – mas esta terça-feira o ministro das Relações Exteriores de Israel disse que o Egito é o responsável pelo fecho da fronteira ali instalada. Israel Katz afirmou que o país vizinho deve ser “persuadido” a reabrir a passagem fronteiriça de Rafah com Gaza, para “permitir a entrega contínua de ajuda humanitária internacional”.

O ministro disse ainda, em comunicado, que “a chave para evitar uma crise humanitária na Faixa de Gaza está agora nas mãos de nossos amigos egípcios”, acrescentando que os críticos estrangeiros que culpam Israel pela situação humanitária na faixa estão equivocados. Nesta espécie de batalha de Israel contra o mundo (ou então é mero cinismo), Katz acrescentou que Israel não permitirá que o Hamas controle a travessia de Rafah: “é uma necessidade de segurança sobre a qual não vamos abrir mão”, disse – no que parece ser uma contradição. As forças de Israel tomaram e fecharam a travessia, o principal ponto de entrada de ajuda para o enclave, há uma semana – quando começou a ofensiva na cidade de Rafah.

Os atos parecem desmentir o ministro: os motoristas dos camiões que tentam chegar onde estão os refugiados palestinianos disseram, citados por vários jornais, que temem pela segurança dos comboios de ajuda a Gaza, um dia depois de colonos israelitas terem destruído viaturas pesadas que transportavam suprimentos humanitários com destino ao enclave. Imagens que circularam nas redes sociais mostraram pelo menos um camião em chamas, enquanto outras mostraram veículos destruídos e despojados da sua carga, espalhada pela estrada perto do posto de controlo militar israelita de Tarqumiyah, nos arredores de Hebron, na Cisjordânia. “Segunda-feira houve coordenação para 70 camiões de ajuda irem para a Faixa de Gaza”, disse Waseem al-Jabari, chefe da Associação de Comércio de Alimentos de Hebron, citado pela Reuters. “Enquanto os camiões eram carregados, os colonos atacaram e destruíram os produtos e incendiaram os veículos”, disse, afirmando que soldados israelitas assistiam aos acontecimentos.

Já esta terça-feira, o cenário repetiu-se: membros dos colonatos instalados (ilegalmente, segundo a lei internacional) na Cisjordânia voltaram a atacar um comboio de ajuda perto de Hebron. Atiçando a clivagem, dois ministros e vários deputados pediram a reconstrução de colonatos judaicos em Gaza: numa marcha ultranacionalista na cidade de Sderot, perto da fronteira com Gaza, esta terça-feira, o ministro da Segurança Nacional, o extremista Itamar Ben Gvir, declarou que a “emigração voluntária” de palestinianos de Gaza deveria ser promovida, enquanto o ministro das Comunicações, Shlomo Karhi, insistia que novos colonatos em Gaza (que deixaram de existir em 2005) será a única forma de garantir a segurança israelita.

Os organizadores afirmaram que cerca de 50 mil pessoas compareceram à marcha do Dia da Independência, promovida sob a bandeira da construção de colonatos judaicos, em Gaza, de onde cerca de 15 colonatos e cerca de 8.500 colonos foram evacuados em 2005. O Movimento dos Colonos Nacala, uma organização com um histórico radical de atividade ilegal, organizou o evento juntamente com outros grupos religiosos-sionistas e ultranacionalistas de linha-dura. Durante a marcha, e segundo relata a imprensa israelita, grupos palestinianos dispararam desde Gaza pelo menos três rockets contra Sderot, forçando os participantes a dispersarem. Os foguetes foram intercetados pelos sistemas de defesa aérea.

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