Desde há uns anos que sempre que há eleições em países ocidentais de relevância planetária, surgem indicações de que os inimigos das democracias – normalmente os russos mas agora também os chineses – desatam a enviar mails com notícias falsas que confundem o eleitorado e mistificam os resultados. Nunca ninguém explicou os contornos do processo, como nunca ninguém disse que uma sociedade informada tende a ser impermeável à desinformação. Ou que, partindo-se do princípio da desconfiança, a desinformação tem efeitos muito reduzidos. Seja como for, o próprio Parlamento Europeu apelou aos dirigentes políticos da União e dos Estados-membros “para que combatam urgente e vigorosamente as tentativas de interferência russa”.
Assim, há cerca de um mês, e “na sequência de várias revelações recentes de tentativas apoiadas pelo Kremlin de interferir e minar os processos democráticos europeus, os eurodeputados aprovaram uma resolução que denuncia firmemente esses esforços. Qualquer tática desse tipo, dizem, deve ter consequências”.
O Parlamento colocou ênfase no outro lado do problema: alegações credíveis de que alguns eurodeputados foram pagos para divulgar propaganda russa e vários participaram nas atividades do meio de comunicação social pró-russo “Voz da Europa”. Há, argumenta o Parlamento comum, “um sentido de urgência e determinação para isso, tendo em conta a aproximação das eleições europeias de 6 a 9 de junho de 2024”.
Para reforçar as defesas do próprio Parlamento, foi aprovada uma resolução que sugere o reforço da cultura de segurança interna, incluindo investigações aprofundadas para avaliar possíveis casos de interferência estrangeira e a plena aplicação do seu quadro de sanções internas. Os eurodeputados também querem formação de segurança obrigatória para os deputados e funcionários, autorização de segurança adequada e reforço do rastreio do pessoal.
A resolução sugere ao Conselho que “inclua os meios de comunicação social apoiados pelo Kremlin, outras organizações de radiodifusão e de comunicação social e indivíduos responsáveis por campanhas de propaganda e desinformação na UE no próximo 14.º pacote de sanções russas”.
Entretanto, e segundo a imprensa, a interferência continua. De acordo com Rolf Nijmeijer, assistente de investigação e perito em desinformação russa do Observatório Europeu dos Meios de Comunicação Digitais (EDMO), a interferência externa russa não é nova, mas a guerra na Ucrânia sim – refere uma reportagem da Euronews. “Temos uma Europa mais ansiosa devido aos conflitos que a rodeiam neste momento e à perceção de que o mundo é atualmente caótico e irrealista”, afirmou. Já há muitos exemplos públicos de interferência estrangeira liderada pela Rússia: interferência de sinais de GPS, subornos pró-Kremlin a políticos em Bruxelas e um site falso a pedir aos soldados franceses para se alistarem na invasão ucraniana em curso.
O Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) descreve a interferência estrangeira como um padrão de comportamento manipulador e coordenado por parte de Estados ou atores não estatais que “ameaça ou tem o potencial de afetar negativamente valores, procedimentos e processos políticos”. Mas as interferências de sinais GPS – que, por exemplo, provocaram uma avaria que obrigou um avião da Finnair a regressar a Helsínquia – são pirataria. Ao mesmo tempo, o pagamento de subornos é corrupção. Fica ainda a questão do site: pedir aos soldados franceses para se alistarem? Para a Ucrânia? Alguém subscreveu?
De acordo com Jakub Kalensky, diretor-adjunto do Centro Europeu de Excelência para o Combate às Ameaças Híbridas (Hybrid CoE), os russos não intensificaram a sua interferência apenas nestas eleições. Só em 2016, há provas de que os russos interferiram nas eleições norte-americanas, na votação do Brexit no Reino Unido e nos referendos nos Países Baixos e em Itália, afirmou Kalensky, citado ainda pela Euronews.
Mas Jamie Shea, membro sénior da Friends of Europe e funcionário reformado da NATO, disse que não há “provas conclusivas” de que a interferência russa altera o resultado de uma eleição. “Será que só ela explica porque é que o [ex-presidente dos EUA Donald] Trump foi eleito em 2016? Não”, disse Shea. Ou seja, ainda falta explicar muita coisa.
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