Apesar de Portugal ter excelentes condições de ensino na área da engenharia, o sector enfrenta um grave problema em manter os jovens formados nesta vertente dentro do país. As duas principais razões prendem-se com as questão salarial e uma melhor perspetiva de progressão na carreira. Consciente desta realidade, a Ordem dos Engenheiros da Região Sul tem vindo a realizar várias iniciavas com o principal objetivo de apoiar e promover o talento dos jovens, como por exemplo, o Prémio Inovação Jovem Engenheiro (PIJE).
Em entrevista ao Jornal Económico (JE), António Carias de Sousa, presidente da Ordem dos Engenheiros da Região Sul, destaca as dificuldades e desafios que o sector tem pela frente, bem como a estratégia que deve ser adotada para trazer de volta os jovens engenheiros para Portugal.
Em que consiste o Prémio PIJE?
É um reconhecimento que temos na Ordem dos Engenheiros da Região Sul há 34 anos. Temos o maior número de membros inscritos, qualquer coisa como 32 mil e a Ordem tem 61 mil membros. Este prémio não se restringe à região sul. Nós abrimos este prémio à participação das outras regiões.
Consideramos que isto também serve para unir o território e dar aqui o máximo denominador comum a toda esta abrangência. É um prémio que permite aos jovens uma grande visibilidade e networking. O PIJE abre sempre portas às novas oportunidades, aproxima os jovens das empresas e das universidades.
Também permite um desenvolvimento profissional e uma entrada, digamos, no mercado de trabalho aos mais novos. Este prémio neste momento atribui ao primeiro lugar 10 mil euros, ao segundo cinco mil euros e ao terceiro 2.500 euros. Com estas 33 edições já realizadas atribuímos perto de meio milhão de euros.
Quais são os requisitos para participar?
Qualquer engenheiro até 35 anos, que esteja inscrito na Ordem dos Engenheiros. Podem ser engenheiros, estagiários ou já membros efetivos, mesmo que o seu local seja a Madeira, os Açores, do norte ao centro.
Não existe nenhum limite de inscrições. Quantas mais melhor. A principal dificuldade que temos, às vezes, é fazer chegar a mensagem de que existe este prémio à sociedade civil, em particular aos mais jovens de algumas áreas da engenharia. Geralmente, temos cerca de 20 candidatos a este prémio, porque também não é fácil concorrer do ponto de vista técnico. A fasquia é elevada porque tem que ser um trabalho de inovação, com aplicabilidade na indústria e na sociedade.
Tem ideia de quantos engenheiros conseguiram a partir deste prémio entrar no mercado de trabalho?
O desemprego na área da engenharia, neste momento, é praticamente nulo. Todos estão empregados, muitos deles até com carreiras internacionais. Todos se valorizam através deste prémio.
Apesar desse demprego nulo, é difícil manter os jovens no país?
Estamos a atravessar um período áureo para Portugal, porque temos uma oportunidade enorme com a chegada de verbas comunitárias, cerca de 22 mil milhões de euros. Temos grandes projetos do mercado a arrancar: o futuro aeroporto, o reforço do parque hospitalar, a questão da habitação que é preciso pôr a andar rapidamente. Temos a sustentabilidade ligada às alterações climáticas, os desafios da indústria 5.0, ou seja, uma panóplia enorme de desafios pela frente e Portugal precisa de estar em todos.
Quais são então as grandes dificuldades?
Existe uma carência brutal e essa vai ser uma das dificuldades da aplicação, como todos sabemos, do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] e do cumprimento de todas estas metas. O desemprego é zero, aliás é negativo algebricamente e precisamos de formar como de pão para a boca. Mas o problema é que os jovens também não querem engenharia. Também temos um problema em cativar os alunos do secundário para as áreas de engenharia.
Os engenheiros têm perdido um bocadinho de posições de decisão. Posso dizer que a Ordem dos Engenheiros organiza e vai com várias empresas nacionais ao estrangeiro, nomeadamente ao Brasil e outros países da América Latina, participar em feiras de emprego para cativar engenheiros para virem trabalhar para as empresas portuguesas.
Felizmente, temos excelentes universidades, que estão sempre na linha da frente. O curso de engenharia civil, no Instituto Superior Técnico, poucos sabem, mas o ano passado foi considerado o segundo melhor curso de engenharia civil na Europa. Mas somos um país que damos poucas boas notícias.
Estes jovens que aparecem muito bem preparados têm logo desafios na fase final da formação e cerca de 50% dos jovens formados em engenharia são desafiados a ir para o estrangeiro trabalhar em multinacionais, em que encontram lá uma motivação completamente diferente daquela que existe cá, quanto mais não seja porque têm outras condições remuneratórias.
É uma dificuldade que nós temos. Têm outra ascensão da carreira dentro dessas empresas e diria que até são mais reconhecidos. A engenharia é mais reconhecida do que propriamente em Portugal.
Que papel pode desempenhar a Ordem dos Engenheiros?
Estamos a ir às escolas do ensino secundário para explicar o que é a engenharia, o que os engenheiros fazem, que é uma profissão engraçada, que há engenharia em tudo. Não há nada que a gente olhe à nossa volta que não tenha qualquer coisa feita por um engenheiro. Depois é mantê-los na universidade e que eles não desistam a meio por causa da dificuldade da formação.
Costumo dizer que é mais fácil entrar no curso de engenharia, é muito mais difícil sair, mas quando saem têm emprego. Felizmente, agora está a subir um bocadinho a remuneração, mas não há comparação possível com o que se paga por hora nos países estrangeiros. Estamos a exportar uma coisa que é essencial para o país, a inteligência.
E Portugal está a exportar para onde?
Para os Países Baixos, fortemente os países nórdicos, a Suíça, a Alemanha, um bocadinho menos para a Inglaterra por causa do Brexit, mas todos os países do centro e norte da Europa reconhecem muito a engenharia nacional. Já para não falar dos que vão para os Estados Unidos ou Médio Oriente.
Quais são as áreas de engenharia mais procuradas no estrangeiro?
É muito transversal, mas diria que há formações em que a maior parte deles se vão se embora ou até vão para áreas que depois não têm nada a ver com engenharia. O exemplo mais simples é a engenharia aeroespacial que ouvimos como sendo uma das que tem um top nas médias nacionais. Ora, qual é a indústria aeronáutica que nós temos em Portugal? Temos em Évora a Embraer, que hoje em dia já não é a Embraer.
Temos algumas empresas que andam ali nesse círculo, ligadas à aviação, mas os alunos querem ir para as Boeing, para as multinacionais. E, portanto, quem tira uma formação dessas ou vai para o estrangeiro e se calhar aí a média não é 50%, é muito mais ou vão para as consultoras. Isso aplica-se muito às formações em engenharia industrial.
A biomédica tem muita saída para as farmacêuticas e para as empresas de consultoria. Temos uma coisa que é estranhíssima, a engenharia naval. Nós somos um país de mar. Só há uma formação em engenharia naval em Portugal, no Instituto Superior Técnico, e é um curso que se debate com uma falta de candidatos gigante. Penso que o ano passado não conseguiu cativar um aluno.
Os engenheiros civis, diria que 30% a 40% vão para fora. As grandes empresas de engenharia vêm ter connosco constantemente a pedir engenheiros civis, mecânicos, eletrotécnicos. Se nós tivéssemos aqui uma bolsa de candidatos, ela não durava 24 horas.
Ou seja, não há desemprego porque os engenheiros vão para fora.
Exatamente. A Ordem dos Engenheiros da região Sul deve ter mais ou menos três mil engenheiros inscritos oriundos do Brasil. Muitos são bons e excelentes técnicos. Mas o que é que isto faz ao país? Como nós perdemos os portugueses que são cá formados e temos de ir buscar a outros países em que o nível remuneratório é menor, ao trazermos esses engenheiros para cá, também aceitam valores mais reduzidos e isso faz com que, digamos, o nível salarial na engenharia não cresça.
Um salário menor para um português é atrativo para quem vem fora?
É exatamente isso. Isto é uma dificuldade com que o país está a debater-se. Está a exportar pessoas muito bem qualificadas e está a importar outras pessoas, que não permitem muitas vezes que os salários aumentem e isso serviria para reter aqueles que hoje em dia se vão embora. É uma contradição gigante.
Qual a estratégia para trazer de volta os engenheiros portugueses?
A resposta poderia ser muito simples. Paguem-lhes mais, ofereçam-lhes mais, mas não é só isso. Há uma coisa muito importante que são as condições de progressão e o reconhecimento da profissão. É eles poderem ter alguém que aposte neles para desenvolverem as suas ideias e serem reconhecidas por este país. Antigamente olhávamos para uma simples fábrica, e tínhamos à frente dessa fábrica um engenheiro que tinha feito uma carreira de longos anos. Chegava a diretor de fábrica e depois à administração.
Hoje em dia quantas empresas que praticam atos de engenharia que oferecem engenharia, seja ela qual for, têm nos seus quadros superiores, engenheiros a liderá-las?
Falou nas novas infraestruturas que estão a surgir no mercado. Como viu a escolha de Alcochete para o novo aeroporto?
Há duas respostas que eu posso dar. A Ordem dos Engenheiros pronunciou-se na altura sobre o que pretendia para a localização do aeroporto. E a Ordem de Engenheiros veio a público dizer que o novo aeroporto não deve constituir uma parte de uma solução dual. Deve no futuro, ser um hub e funcionar sozinho.
Posto isto restavam poucas localizações. Restava Santarém, Vendas Novas e Alcochete. Dentro destes três aeroportos, a Ordem dos Engenheiros não se pronunciou se é este ou outro o melhor. O que sempre dissemos é que está constituída uma comissão técnica independente que teve a oportunidade de estudar e é quem percebe do assunto.
Se nós, Ordem, quiséssemos fazer uma escolha direta e propor um aeroporto, nós recorríamos aos nossos engenheiros, para nos aconselharem ou fazerem os estudos necessários a aconselhar. Quando se escolhe uma comissão técnica independente é exatamente o mesmo.
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