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Agricultura precisa de dois mil milhões para evitar colapso na água

Estudo da FENAREG, a apresentar esta terça-feira, contabiliza em 2,049 mil milhões de euros o investimento necessário para modernizar infraestruturas e sistemas que garantam a prosperidade da agricultura de regadio.
26 Novembro 2024, 07h30

Cerca de um terço da área dos regadios públicos estão em aproveitamentos hidroagrícolas com mais de 40 anos e para modernizar as infraestruturas e os sistemas de regadio, Portugal carece de investimentos de 2,049 mil milhões de euros até 2030.

As necessidades de investimento estão contabilizadas num estudo a que o Jornal Económico teve acesso, que vai ser apresentado esta terça-feira, 26 de novembro, nas Jornadas da FENAREG – Federação Nacional de Regantes de Portugal.

“A modernização destes sistemas é vital, porque persistem situações em que as perdas de água (diferença entre a água captada e a água fornecida aos agricultores regantes) atingem os 40%. Um claro contraste com os aproveitamentos hidroagrícolas mais modernos onde as perdas ficam nos 10%”, afirma José Núncio, presidente da FENAREG, ao JE.

Além disso, adianta: “Será preciso proceder a um aumento da capacidade de armazenamento de água, para ultrapassarmos a situação atual em que estamos, com as albufeiras existentes no nosso país, com capacidade para armazenar apenas 20% das afluências médias anuais”.

A solução proposta pela FENAREG para modernizar o regadio até 2030 passa por uma abordagem multifundos, com recurso a múltiplas origens de financiamento: Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), Fundo Europeu de Desenvolvimento Rural (FEADER), Banco Europeu de Investimento (BEI), Fundo de Coesão, Fundo de Desenvolvimento Regional (FEDER) e Fundo Ambiental.

“Com recurso a esses fundos seria possível cobrir, pelo menos, 75% do valor total de investimento necessário. Ou seja, 1.534 milhões de euros dos 2.049 milhões de euros do valor total do investimento até 2030”, adianta José Núncio.

Segundo o presidente da FENAREG, as verbas previstas do programa comunitário até 2030 são muito reduzidas. “É o valor mais baixo de sempre programado para a medida de investimento em regadios coletivos – um decréscimo de 66% face ao valor anteriormente previsto no anterior quadro comunitário”, salienta.

Na perspetiva da FENAREG, o regadio é uma peça chave em matéria de sustentabilidade e resiliência hídrica e alimentar, pois, só desta forma se poderá otimizar e tornar sustentável o consumo de água na agricultura em Portugal – onde 60% da produção agrícola e mais de metade das explorações agrícolas dependem dele. No entanto, apenas 16% (620 mil hectares) dos 3,7 milhões de hectares de superfície agrícola utilizável estão equipados para regadio.

O estudo foi dado a conhecer ao ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, em setembro.

A que se destina o investimento de 2 mil milhões? Que regiões? Que ligações? Que equipamentos?

Identificamos três grandes eixos estratégicos de desenvolvimento até 2030:

Modernizar as infraestruturas públicas de rega: com intervenções prioritárias em construções anteriores a 1990. A maioria das infraestruturas foram construídas há mais de 50 anos. O objetivo é reduzir as perdas de água e melhorar a garantia do serviço de água com qualidade aos agricultores.

Expandir a área infraestruturada para rega: dotar mais explorações agrícolas com sistemas coletivos de abastecimento de água para regadio e criar áreas novas de regadio, em 50.000 hectares de terrenos agrícolas. O objetivo é tornar as explorações agrícolas mais resilientes e beneficiar de infraestrutura pública coletiva, com uma rede hídrica nacional, e assim obtermos ganhos significativos na gestão da água e aumentarmos a eficiência hídrica.

Aumentar a capacidade de armazenamento de água e de regularização interanual: com alteamento de algumas barragens e construção de outras nas bacias hidrográficas com potencial, numa abordagem sustentada de fins múltiplos e de ligação em rede entre bacias hidrográficas. O objetivo é aumentar a capacidade de armazenamento de água, de forma a compensar, em volume idêntico, a redução das afluências prevista até 2070.

As intervenções são por todo o território nacional, mas existem ao nível da escassez hídrica, casos críticos, como as situações do Algarve e do Sudoeste Alentejano, onde a precipitação registada nos últimos dez anos é inferior à média, o que ocasiona problemas. Necessitamos de investir na interligação entre bacias hidrográficas, ligando reservatórios para aproveitar a disponibilidade deste recurso, como é o caso da ligação de Alqueva às bacias do Sado e da captação no Pomarão para o Algarve.

É necessário investir no aumento da capacidade de armazenamento, com a construção, por exemplo, das barragens de Alportel e da Foupana (ambas no Algarve), a barragem do Alvito no rio Ocreza (Tejo), ou completar a regularização do Mondego, com a construção da barragem de Girabolhos. Também em Trás-os-Montes existe um Plano de Eficiência Hídrica, ainda em desenvolvimento, e que sinaliza situações importantes para esta região.

O aumento do armazenamento pode ser também realizado nas infraestruturas já existentes, através do alteamento de barragens, como é o caso na barragem do Lucefecit, cujos estudos estão numa fase mais avançada, ou nas barragens do Maranhão, de Montargil e em várias outras, que têm um histórico de encher até ao limite da sua capacidade total.

Além de novos projetos, há que olhar também para as infraestruturas já existentes, rever as suas concessões e regimes de utilização, e começar a passar de uma única utilização (hidroelétrica) para um modelo de fins múltiplos. É o caso das barragens do Cabril, de Belver e do Fratel. Como medida transversal de eficiência, precisamos de reabilitar e modernizar as infraestruturas de regadio já existentes e de criar áreas novas, recorrendo às tecnologias mais atuais e potenciando novas soluções.

 

Qual a meta em termos do regadio? Quantos mais hectares?

A nossa proposta, no eixo de desenvolvimento estratégico da resiliência, é expandir a área infraestruturada para a rega de modo a beneficiar zonas onde o regadio poderá estimular a coesão social e territorial, criando emprego e oportunidades para as populações, e beneficiando áreas com elevada aptidão para o regadio, em particular em zonas mais desfavorecidas do país.

A meta que definimos de novas áreas de regadio é beneficiar mais 250.000 ha até 2050, mas até 2030 a meta é de 50.000 ha de novas áreas de regadio. Inscrevemos também no âmbito desta meta áreas que atualmente já são regadas com águas subterrâneas, mas que poderiam transitar para um sistema de abastecimento coletivo com origem na água superficial, salvaguardando os nossos aquíferos como uma reserva estratégica.

Consideramos como prioritários: a resiliência hídrica das regiões, e que o país disponha de um regadio mais sustentável no futuro. Só tornando a construção de novas infraestruturas de regadio mais sustentáveis e modernizando as que já existem, apetrechando-as com as tecnologias mais recentes, será possível trazer a agricultura nacional para o patamar 4.0 e introduzir níveis mais elevados de sustentabilidade, absolutamente essenciais para o futuro do país, das suas regiões e das suas gentes. Equiparmos novas áreas com rega de precisão, criando uma agricultura mais resiliente e eficiente, contribuindo para uma gestão mais sustentável dos recursos hídricos, é um objetivo que só será atingido quando articulado com o aumento da capacidade de armazenamento e de ligação em rede das diversas infraestruturas.

 

 

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