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Desvalorização do euro face ao dólar pode travar descida de juros do BCE e provocar crise cambial

Os motivos que explicam a desvalorização do euro, que caiu 7%, em dois meses, são vários. Analistas consultados pelo JE alertam que a aproximação da paridade entre o euro e o dólar “pode travar os ímpetos” do BCE na descida das taxas de juro, provocar uma crise cambial, e com isso prejudicar a competitividade da zona Euro. Já as exportações europeias “vão tornar-se mais baratas”.
2 Dezembro 2024, 07h00

O euro tem estado em “queda livre” desde o máximo de 1,12 dólares, de setembro. A partir daí começou a desvalorização que se foi acentuando até novembro, fixando-se atualmente em 1,04 dólares (mínimo de dois anos), acumulando uma perda de 7% em dois meses.

Existem vários motivos que explicam a desvalorização do euro, como a eleição de Donald Trump e as suas políticas económicas, a expectativa de cortes mais rápidos nas taxas de juro pelo Banco Central Europeu (BCE), a política monetária, o desempenho económico, o comércio internacional, e a geopolítica.

No meio disto surge um outro cenário, de acordo com o economista do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, que alerta: a aproximação da paridade entre o euro e o dólar “pode travar os ímpetos” do BCE na descida das taxas de juro, provocar uma crise cambial, e com isso prejudicar a competitividade da zona Euro. Por outro lado, as exportações europeias “vão tornar-se mais baratas”, diz o analista da XTB, Vítor Madeira, contudo a Europa pode sofrer um aumento na inflação tendo em conta a sua dependência das energias fósseis, que estão em dólares.

O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, retrata aquela que tem sido a trajetória de desvalorização do euro face ao dólar. “O atual câmbio é o mínimo dos últimos dois anos da moeda única face ao dólar americano, situando-se em 1,045 dólares por euro. A depreciação do euro face ao dólar intensificou-se desde a eleição de Donald Trump, com a moeda única a perder mais de 4% face à moeda norte-americana desde 5 de novembro. […] O euro já havia depreciado cerca de 3% face ao dólar desde o máximo registado no final de setembro, em 1,12 dólares por euro, até ao final de outubro. Assim, em apenas dois meses, a moeda única acumulou uma perda de 7%”, referiu o economista.

E os fatores que têm contribuído para essa desvalorização são vários, como explicam Paulo Monteiro Rosa e Vítor Madeira.

Paulo Monteiro Rosa refere ao JE que a depreciação do euro face ao dólar “intensificou-se” desde a eleição de Donald Trump, como novo presidente dos Estados Unidos, o que levou a que a moeda europeia perde-se mais de 4% face à moeda norte-americana desde 5 de novembro.

Outro fator que explica a desvalorização do euro está ligado às políticas económicas propostas no programa de Donald Trump que desempenharam um “papel central” nesta evolução, como refere o economista do Banco Carregosa.

“O aumento das tarifas alfandegárias tende a ser inflacionista, mantendo as taxas de juro elevadas por mais tempo”, diz Paulo Monteiro Rosa. “Paralelamente, a proposta de redução de impostos agrava ainda mais o já elevado défice orçamental dos Estados Unidos, atualmente em 6,3% no ano fiscal de 2024, pressionando adicionalmente as taxas de juro de longo prazo, como os rendimentos do Tesouro. Juros mais elevados sustentam a valorização do dólar, explicando parte da depreciação do euro desde a eleição de Donald Trump”, acrescenta o economista do Banco Carregosa.

O economista do Banco Carregosa diz que a possibilidade de vitória de Donald Trump, que começou a desenhar-se ao longo de outubro, “também deu suporte” ao dólar.

“As suas políticas protecionistas e a expectativa de redução de impostos reforçaram a perceção de taxas de juro elevadas por mais tempo nos Estados Unidos, favorecendo a apreciação da moeda norte-americana”, refere Paulo Monteiro Rosa.

O analista da XTB, Vítor Madeira, refere ao JE que um dos motivos que explicam a desvalorização do euro, passa pela geopolítica, destacando-se a eleição de Donald Trump e o conflito entre o Irão e Israel.

“Os posicionamentos em questões geopolíticas, estabilidade política e matéria de fronteiras têm impacto nos pares cambiais. Neste momento, os dois acontecimentos mais importantes para a alteração do valor no dólar foram a eleição de Donald Trump e os conflitos do Irão com Israel. Donald Trump pretende cessar-fogo no conflito do Irão com Israel, no entanto, caso o conflito aumente e o presidente dos Estados Unidos avance com as suas promessas de suporte a Israel, isto poderá aumentar a volatilidade nos mercados cambiais e a insegurança por parte dos investidores. Ao mesmo tempo, poderá fazer com que investidores “apostem” no dólar como uma moeda de refúgio, afetando negativamente o euro e outros pares cambiais”, diz Vítor Madeira.

E ainda há que considerar a questão do protecionismo e das tarifas comerciais.

“O protecionismo e as tarifas comerciais, podem fortalecer inicialmente a moeda de um país, mas também criam incertezas, aumentando os preços dos produtos domésticos e estrangeiros, o que poderá afetar o comércio local e o crescimento económico. Além disso, as políticas fiscais e o crescimento nos Estados Unidos podem ser diferentes em relação à União Europeia, criando desafios para acordos e prejudicando o comércio internacional, o que iria acabar por beneficiar o dólar em detrimento da economia europeia”, salienta o analista da XTB.

Política monetária influenciou dinâmica entre euro e dólar

Outro factor de relevo, de acordo com Paulo Monteiro Rosa, foi a expectativa de cortes mais rápidos nas taxas de juro pelo BCE, o que “penalizou” a moeda europeia.

“Assim, perspetivas de taxas de juro mais altas por mais tempo do dólar norte-americano e a antecipação de um corte mais acelerado das taxas de juro do euro, ampliaram o diferencial das taxas de juro, tendo impulsionado a moeda norte-americana. A tendência de descida do euro começou a acentuar-se no final de setembro, acompanhada por indicadores económicos fracos na Europa, sobretudo na Alemanha, que aumentaram os receios relativamente ao crescimento económico da zona Euro. Simultaneamente, os membros do BCE começaram a sinalizar cortes de juros mais rápidos, política que retira ainda mais o suporte ao euro”, explica Paulo Monteiro Rosa.

O analista da XTB, Vítor Madeira, destaca também a política monetária que tem sido levada a cabo pelos respetivos Bancos Centrais, neste caso BCE e Reserva Federal norte-americana (Fed), como outro fator a ter influência na desvalorização e valorização do euro e dólar.

“Temos de olhar para a política monetária de ambos os bancos centrais e tentar entender qual é a perspetiva do mercado monetário em relação aos cortes nas taxas de juro. Vejamos que a taxa de juro nos Estados Unidos está superior à taxa de juro da zona Euro, o que por si só aumenta a procura por dólares face aos euros numa perspetiva de depósitos com melhores remunerações”, salienta o analista da XTB.

Vítor Madeira acrescenta que a perspetiva de cortes de taxas de juro por parte da Fed é “substancialmente menor”, comparada com a perspetiva de cortes por parte do Banco Central Europeu, o que origina uma “divergência nas taxas forward” para o par cambial e, neste caso, “penaliza o euro” pelo facto de a perspetiva de cortes até ao final do ano de 2025 ser muito superior em relação ao dólar.

“Adicionalmente, não podemos esquecer a variação do balanço dos bancos centrais como medida da transmissão monetária, uma vez que o aumento dos balanços dos bancos centrais, com ativos como dívida dos países ou empresas, são mecanismo para injetar moeda na economia, fazendo desvalorizar a moeda local e aumentando a inflação doméstica”, refere Vítor Madeira.

Indicadores económicos influenciaram euro e dólar

O analista da XTB refere que outro ponto que contribuiu para o desempenho do euro e dólar passa não só pelo crescimento económico do bloco norte-americano face à zona Euro bem como o desempenho destes mesmos blocos ao nível de vários indicadores económicos, o que faz com que os Estados Unidos levem a vantagem e com isso se provoque uma valorização do dólar face ao euro.

Vítor Madeira sublinha que o crescimento económico é “um ponto favorável” para as economias dos países e, atrativo para os investidores estrangeiros, uma vez que “haverá uma procura” pela moeda estrangeira.

“Adicionalmente, indicadores económicos como o PIB, PMIs, inflação, emprego, confiança do consumidor e investimento, são métricas que influenciam as flutuações cambiais entre os diversos pares. Deste modo, o crescimento da economia americana foi bastante superior ao da economia da zona Euro, proporcionando uma maior procura por investimento e por sua vez, por dólares”, explica Vítor Madeira.

Outro fator a ter em consideração passa pelo desempenho ao nível do comércio internacional.

“O comércio internacional tem impacto direto na procura e oferta das moedas; os indicadores como: a balança comercial, a balança corrente, o nível de abertura da economia, as indústrias exportadoras, as matérias-primas produzidas e o turismo, levam a flutuações cambiais. Neste contexto, o facto de os Estados se terem tornado o maior exportador de petróleo do mundo, tem uma influência positiva sobre o dólar e consequentemente negativa sobre o euro. Para além disso, a Europa vê-se obrigada também a recorrer ao fornecimento de Gás Natural Liquefeito (GNL) por parte da economia norte-americana; por outro lado, agora que o euro está mais fraco, isto poderá ter um impacto positivo sobre as exportações europeias”, refere Vítor Madeira.

Desvalorização da moeda pode travar descida nos juros

Relativamente às repercussões que a dinâmica entre o euro e o dólar podem ter o economista do Banco Carregosa alerta que a aproximação da paridade entre o euro e o dólar “pode travar os ímpetos” do BCE na descida das taxas de juro, que visa suportar a economia da zona Euro, especialmente a economia alemã, que enfrenta o seu segundo ano consecutivo de recessão.

“Este cenário levou o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, a juntar-se às vozes dentro do BCE que defendem uma redução das taxas de juro para valores próximos dos 2%, consideradas como taxas de juro neutras, que não penalizam a economia. Para recuperar novamente o crescimento, alguns membros argumentam que os juros deveriam descer ainda mais”, explica Paulo Monteiro Rosa.

O economista do Banco Carregosa salienta que a “depreciação contínua do euro prejudica a competitividade” da zona Euro, sobretudo no que toca às exportações.

“Além disso, existe o risco de uma crise cambial, que poderia limitar a margem de manobra do BCE para reduzir os juros. Um exemplo disso aconteceu em outubro de 2022, quando o euro caiu abaixo da paridade e chegou a valer apenas 0,95 dólares, num contexto em que o diferencial das taxas de juro entre o euro e o dólar se alargava significativamente”, lembra o economista.

Paulo Monteiro Rosa refere que nessa altura a Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) “aumentou energicamente” as suas taxas de juro para travar a elevada inflação, enquanto o BCE hesitou, “tendo apenas iniciado” os cortes em julho, quatro meses após a Fed ter dado início ao seu ciclo de subida em março.

“Este atraso contribuiu para a pressão sobre o euro, situação que pode repetir-se se o BCE não equilibrar a necessidade de apoiar a economia da zona Euro com a gestão dos efeitos da taxa de câmbio”, salienta o economista do Banco Carregosa.

O economista recorda que as perspetivas para a evolução das taxas de juro do BCE vão no sentido de existir uma queda de 150 pontos base nos próximos 12 meses, até ao final de outubro de 2025, “ou seja, uma taxa de juro dos depósitos do BCE entre os 1,50% a 1,75%”.

O analista da XTB, Vítor Madeira, considera que a desvalorizarão do euro, face do dólar, pode trazer várias repercussões.

Uma delas estará ligada ao comércio internacional tendo em conta que as exportações europeias “vão tornar-se mais baratas” o que “afetará de forma positiva” as exportações europeias e por sua vez terá um “impacto positivo” na balança comercial.

“Por sua vez, a desvalorização do euro terá um impacto negativo no que toca à dívida visto que uma grande parte da dívida europeia se encontra em dólares e, como tal os encargos com juros serão mais pesados”, alerta Vítor Madeira.

O analista da XTB diz ainda que as importações para a Europa “ficarão mais caras” o que “desincentiva os países a consumir produtos” vindos dos Estados Unidos.

“Deste modo, isto também terá um impacto na inflação visto que há um decréscimo nas margens das empresas que utilizam produtos, oriundos dos Estados Unidos, que servem para ser transformados. Adicionalmente, não devemos esquecer que a Europa é dependente das energias fósseis, o que também pode ter impacto negativo pelo custo destas matérias-primas estarem em dólares, que mais uma vez podem causar inflação na Europa”, explica o analista da XTB.

Vítor Madeira refere, no que diz respeito às obrigações dos países da zona euro, que o facto da expectativa da política monetária “estar desalinhada” entre ambos os países “causou um gap maior” entre as yields das obrigações governamentais europeias (Alemanha) e as obrigações norte-americanas, que nesta altura o spread “está em 2.13 em valor absoluto, sendo que as taxas de juro das obrigações europeias são mais baixas” do que as dos Estados Unidos.

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