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Carlos Costa passou férias em Vale do Lobo após aprovação de crédito ruinoso

Governador arrendou casa em resort de luxo, em 2013 e 2014, quando o empreendimento já estava a falhar crédito da CGD que contou com a aprovação do próprio quando foi administrador do banco.
3 Março 2019, 09h00

O governador do Banco de Portugal (BdP) passou férias no resort turístico de luxo Vale do Lobo, onde arrendou casa em 2013 e 2014, depois de ter votado favoravelmente enquanto administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) o empréstimo de 194 milhões ao projeto imobiliário, onde o banco público ficou ainda com uma participação de 25%. O arrendamento ocorreu numa altura em que sociedade gestora do resort já estava a falhar, há quatro anos, o pagamento do empréstimo ao banco do Estado.

O financiamento a Vale do Lobo é apontado como um dos créditos ruinosos no relatório de auditoria da EY à gestão da Caixa entre 2000 e 2015, período em que este investimento gerou perdas de 228 milhões de euros.  E ganha agora relevância na opção de  férias de Carlos Costa naquele resort face a críticas de altos quadros do BdP por questões de natureza “ética e de imagem”. O presidente da Transparência e Integridade – Associação Cívica (TIAC) aponta também as baterias ao governador, defendendo que  “não teve zelo suficiente para ter o mínimo de distanciamento na relação com os atores que foram beneficiários dos erros cometidos por si próprio” (ver texto ao lado).

O arrendamento de casa em Vale do Lobo por Carlos Costa foi confirmado ao Jornal Económico pelo ex-diretor executivo do empreendimento, Diogo Gaspar Ferreira. “Confirmo que passou férias uma ou duas vezes em Vale do Lobo. Pagou a totalidade”, afirmou, acrescentando, sem que tenha sido questionado sobre eventuais abatimentos de preço, que Carlos Costa “não teve qualquer tipo de desconto”.

O governador do Banco de Portugal adiantou, por seu turno, ao JE que “arrendou casa de férias em 2013 e 2014, uma semana em cada ano”. Quanto questionada sobre as datas de pagamentos e se os valores foram liquidados na totalidade, fonte oficial do BdP assegurou que Carlos Costa “pagou os valores praticados pela empresa em cada ano, ou seja, não beneficiou de descontos”.

Os valores não foram avançados, mas o arrendamento de uma casa neste resort de luxo no Algarve pode oscilar entre os 117 euros e os  500 euros por dia, consoante a tipologia.

O JE perguntou também ao governador do Banco de Portugal se considera que existiu conflito de interesses quando arrendou a casa,  dado que anos antes de passar férias em Vale do Lobo participou da reunião de conselho de crédito da CGD, a 27 de julho de 2006, que votou favoravelmente o crédito para a compra do empreendimento turístico no Algarve,  segundo a revista “Sábado”. A resposta de Carlos Costa, que foi administrador da Caixa entre abril de 2004 e setembro de 2006, foi sucinta: “Não.” Esclareceu ainda que “as marcações de férias não foram feitas com o senhor Diogo Gaspar Ferreira”.

Escolha de empreendimento  tóxico para férias criticada

Um alto quadro do BdP critica, contudo, a atuação de Carlos Costa ao arrendar casa em Vale do Lobo, que teve um empréstimo da CGD que consta da lista dos mais ruinosos para o banco público e do processo “Operação Marquês”.

“É evidente que é um empreendimento tóxico. Teria sido mais prudente manter-se afastado até porque gerou perdas para a Caixa”, afirmou ao JE esse alto quadro. E recorda que a gestora de Vale do Lobo acumulou prejuízos ao longo dos últimos 12 anos, tem capital próprio negativo e dívidas vencidas à banca e ao Estado, tendo mesmo recorrido ao PERES (Programa de Extraordinário de Redução do Endividamento ao Estado).  A mesma fonte salienta que para continuar a operar, a empresa está completamente dependente do principal financiador, o banco do Estado, que também é seu accionista.

A 4 de janeiro de 2018, a CGD confirmou que vendeu 223 milhões de euros em créditos do empreendimento de Vale do Lobo ao fundo gerido pela  ECS Capital. Contudo, o banco público continua exposto à operação, já que ficou com unidades de participação do fundo comprador, cuja missão é recuperar o ativo turístico e imobiliário.

Já outro ex-banqueiro do sector privado, que pediu o anonimato, alerta que “quando há negócios de financiamento, não é o problema de ser, mas de parecer”. E acrescenta: “nunca aceitaria ter algum tipo de relação com empreendimentos que tivessem contado com a minha aprovação no financiamento”.

Na mesma esteira, um ex-administrador da CGD, que também solicitou o anonimato, defende que “era da mais elevada prudência o governador não ir passar férias para Vale do Lobo, mesmo que o crédito a este empreendimento não se tivesse revelado ruinoso”.  Este antigo gestor vai ainda mais longe ao afirmar: “Quero que o país tenha vergonha de si próprio. Os contribuintes vão pagar milhões pelos atos de indivíduos que são altamente protegidos pelo poder político”.

Vale do Lobo gerou perdas de 228 milhões de euros

Segundo os relatórios e contas da sociedade gestora do resort, esta começou a falhar o pagamento de empréstimos ao banco do Estado em 2009 (quatro anos antes de Carlos Costa arrendar casa em Vale do Lobo) entre juros e capital. Face a este incumprimento, a Caixa poderia ter exigido o reembolso total dos financiamentos ou executado as garantias sobre as ações da sociedade gestora e o património imobiliário e terrenos de Vale do Lobo. Mas tal não aconteceu.

Sobre o empréstimo a Vale do Lobo, o relatório de auditoria da EY conclui que foram concedidos com “deficiente análise de risco” ou “com garantias claramente insuficientes”. O documento dá ainda conta de que, entre 2000 e 2015, este investimento gerou perdas de 228 milhões de euros que resultam não só da participação financeira, mas também dos suprimentos (empréstimos) concedidos pela Caixa enquanto acionista. E assinala esta operação como apresentando “riscos elevados”, para os quais contribui também a circunstância de a CGD ser um credor subordinado, dado que era acionista.

Recorde-se que foi com este financiamento  que se iniciou o processo de entrada da CGD no empreendimento turístico. Com a entrada de novos acionistas (os promotores eram Diogo Gaspar Ferreira, Rui Horta e Costa e um grupo liderado por Helder Bataglia), o banco público pagou ainda quase 30 milhões para ficar com 25% do capital do Vale do Lobo – Resort Turístico de Luxo, através da Wolfpart, além do financiamento de 194 milhões.

A Caixa terá exigido aos investidores, como requisito para a concessão do crédito, que tivessem capitais próprios de 36 milhões de euros. Mas “como estes avançaram apenas com seis milhões, a CGD acabou por entrar no capital da Resortpart com dois milhões de euros e deu também 28 milhões de euros em suprimentos”.

Artigo publicado na edição nº1976 de 15 de fevereiro, do Jornal Económico

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