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As eleições mais importantes para a Alemanha e para o futuro da Europa

Há um antes e um depois na União Europeia, marcado pelo dia em que Donald Trump assumiu pela segunda vez a presidência dos Estados Unidos. A Alemanha, o motor da Europa entretanto gripado, pode ser a alavanca para uma Europa que há muito deixou de ser ativa para ser meramente reativa. Mas a ‘ventania’ interna poderá não ajudar.
epa11908228 ATTENTION EDITORS – EMBARGOED FOR PUBLICATION UNTIL 19 FEBRUARY 2025 AT 20:15 CET German Chancellor Olaf Scholz (L) of the Social Democratic Party (SPD) and his conservative rival, Leader of the Christian Democratic Union (CDU) Friedrich Merz (R) are pictured in a WELT TV studio ahead of a TV debate prior to early federal elections in Berlin, Germany, 19 February 2025. EPA/FABRIZIO BENSCH / POOL
22 Fevereiro 2025, 10h00

Nada indica, em termos de sondagens, que os democratas-cristãos da CDU venham a perder as eleições alemãs que acontecem neste domingo – e que são o primeiro grande teste do ano à resiliência e uma das mais importantes forças de alavancagem da Europa desde o final de II Guerra: os conservadores. Mas o certo é que, nesta reta final da campanha, o partido agora liderado por Friedrich Merz tem mostrado dificuldades em manter a vantagem que conseguiu há muitos meses em termos de intenções de voto: a dois dias da votação, a mediana das sondagens coloca a CDU nos 29%, sendo a primeira vez em um ano que está abaixo da fasquia dos 30%.

Com os social-democratas do SPD a registarem uma variação residual (sempre entre os 15% e os 16%), quem parece tirar vantagem da perda de ‘gás’ dos democratas-cristãos é a extrema-direita da Alternativa para a Alemanha (AfD), que já está no patamar dos 21% – o melhor registo de intenções de voto na série longa a um ano. Importante em termos de eventuais coligações pós-eleitorais é o facto de os Verdes estarem a conseguir manter uma posição sempre entre os 13% e os 14%, demonstrando que não perderam tração social com o colapso da coligação com o SPD e os liberais do FDP. Ao contrário, estes, os liberais, sentiram pesadamente a sua passagem pela referida coligação: têm intenções de voto de 4%, o que, a confirmar-se, pode deixar o partido fora do parlamento alemão, o que aconteceria pela segunda vez na história do partido – formado em 1948, não conseguiu eleger deputados nas eleições de 2013.

 

Coligação em perspetiva

Com as intenções de voto a sugerirem fortemente a necessidade de coligações para a formação de um governo estável, as contas são muito simples de fazer, num quadro em que a AfD não faz parte, vamos acreditar (no que tem sido dito), do perímetro de entendimento nem da CDU nem do SPD: democratas-cristãos e social-democratas juntos – uma geometria recorrente no contexto germânico – conseguem um governo de maioria, mas esta só será absoluta com o concurso dos Verdes. E se o ‘conluio’ entre CDU (mais a CSU bávara, evidentemente) e SPD parece estar nas intenções dos dois partidos, já o ‘acréscimo’ dos Verdes pode merecer alguma reserva do partido, o mais afastado do centro (pela esquerda) dos três.

De qualquer modo, os dois líderes centristas, Merz pela CDU e o ainda chanceler Olaf Scholz pelo SPD, têm tido o maior cuidado em deixarem de lado o que os separa, para relevarem aquilo que eventualmente os pode aproximar a partir da próxima segunda-feira. Convém recordar que uma das alavancas para este eventual entendimento entre social-democratas e democratas-cristãos reside no facto de ambos entenderem que o apoio externo que tem sido dado à AfD é, no mínimo, um escândalo. De facto, os extremistas têm recebido manifestações de apoio inesperadamente vincadas de Donald Trump, de Elon Musk e do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán. E os germânicos com certeza terão dificuldade em esquecer que o vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, convidado a estar presente na Conferência de Segurança de Munique, ocorrida na passada semana, conseguiu arranjar tempo para visitar pessoalmente os seus amigos da AfD, que se auto-afirmam (pelo menos alguns deles) neonazis.

 

Os travões à coligação

Ao longo das últimas semanas, a aproximação de ambos os dirigentes tem sido substantiva. Desde logo no que tem a ver com a suspensão do travão constitucional ao aumento do défice federal – que já ocorreu, por exemplo, como resposta à pandemia de Covid-19. Por princípio, Friedrich Merz é contrário à suspensão. Mas sabe que há uma ‘bondade’ objetiva nisso: a tentativa de reverter o crescimento negativo do PIB, que é uma das maiores aflições atuais dos alemães. Como também sabe que a recusa em aceitar essa suspensão foi um dos temas que determinou a ‘morte’ política do antigo o ministro das Finanças Christian Lindner, também líder do FDP, que entendia que o aumento da despesa do Estado não devia ser a resposta à crise da economia. Lindner foi à vida dele, o partido está como está e Merz passou rapidamente a admitir a suspensão desde que, repetiu por diversas vezes, o aumento da despesa fosse no sentido de relançar a economia. Por outras palavras: mais despesa para criar mais emprego e não para aumentar salários. Scholz está de acordo.

Os dois líderes convergiram também no tema mais ‘quente’ do momento: o reforço da despesa no setor da defesa. A Alemanha, tradicionalmente poupada nesta área, decidiu que está chegado o tempo de mudar e os dois políticos não têm um desentendimento de fundo sobre a matéria. Aliás, ambos consideram que a necessidade existe para além de qualquer ideia entretanto surgida do outro lado do Atlântico: quando questionado sobre se entender ser necessário acompanhar a vontade de Donald Trump em colocar os países da NATO a gastar 5% do PIB em defesa, o democrata-cristão disse que considerava necessário um aumento, mas que “não está nas minhas prioridades fazer o Sr. Trump feliz”.

Já na frente europeia, o líder democrata-cristão parece ser menos solidário que o seu homólogo social-democrata. Para já, continua a ser contrário à criação de mecanismos comuns (leia-se eurobonds) de financiamento da despesa em defesa e segurança e parece pouco interessado em colocar a ‘tesouraria alemã’ ao serviço de países que não cumpram as suas obrigações macro em termos de défices e dívidas. Desta vez não estará a pensar na ‘tempestuosa’ Europa do Sul, mas com certeza na ‘imperial’ França – de qualquer modo, assume-se, nesta matéria, como um disciplinado discípulo do antigo ministro Wolfgang Schäuble, desaparecido em 2023. Convém recordar que, apesar do seu liberalismo, o foco nacional tempera-lhe qualquer ousadia: para além da questão da suspensão do travão constitucional, Merz foi também contra a venda do germânico Commerzbank ao UniCredit. o maior banco de Itália. Também aqui há uma clara convergência com Scholz.

 

Imigração: no fundo, um não-problema

Como a há, cada vez mais, na questão da imigração. Convém recordar que a Alemanha é historicamente capaz de integrar as suas minorias imigradas de uma forma aceitável para todas as partes. Já na década de 70 do século passado, as páginas internacionais dos jornais davam conta de problemas entre as autoridades de segurança interna francesa e as comunidades africanas que se instalaram no país. Ora, na mesma altura, nada constava da parte da Alemanha – que abrigava a maior comunidade turca fora da Turquia, nos apropriadamente chamados ‘bairros turcos’.
Quando pequenos focos de tensão foram registados na Alemanha, o SPD rapidamente assumiu preocupações na matéria, tendo mesmo chegado a fechar duas fronteiras. Os germânicos entenderam isso como uma decisão fundamental em termos de segurança, e não como uma apropriação por parte dos social-democratas de uma parte da agenda extremista da AfD. Mais ainda, o novo partido Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), declaradamente de esquerda, é a favor de uma aceitação de novos imigrantes ‘a conta gotas’. Ou seja, a gestão da imigração nem sequer é, na Alemanha, um tema fraturante entre esquerda e direita – o que torna o problema mais fácil de resolver.

 

O motor gripado

Neste contexto, o que está em causa nestas eleições é a capacidade de a Alemanha voltar a ser o motor económico da Europa. Começa mal: as dificuldades da indústria germânica, com o setor automóvel à frente, compaginam mal com as novas tarifas aduaneiras propostas pela administração Trump – como também compaginam mal com as reservas que a União Europeia colocou ao desenvolvimento do comércio bilateral com a China. Tudo isto num quadro em que o problema de início foi a dependência alemã do gás natural russo, que não vai ter uma solução nem a curto nem a médio prazos – mesmo que a guerra na Ucrânia acabe nas próximas 24 horas.

E, para alguns comentadores, a chave pode estar precisamente aqui: se os Estados Unidos não querem saber da Europa (e da Alemanha) para nada, a que propósito é que a Europa (e a Alemanha) devem manter reservas para com a China? Do seu lado, o governo de Xi Jinping vai fazendo a sua parte: não hostiliza em nenhuma circunstância os países europeus e não se esqueceu de emitir um comunicado oficial em que dizia ser incompreensível que a Europa não fizesse parte das negociações entre Rússia e Estados Unidos para colocar um fim na guerra da Ucrânia. Ou seja, no próximo domingo, as urnas alemãs abrem-se para algo muito maior que umas meras eleições federais num país europeu.

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