O Bloco de Esquerda quer ter acesso ao relatório interno que avaliou a atuação do supervisor no caso BES, para confrontar o governador do Banco de Portugal (BdP) na nova comissão parlamentar de inquérito (CPI) à gestão da Caixa, que pretende ir mais longe do que a anterior no apuramento dos factos que provocaram perdas de milhões de euros no banco público. O documento contou com o apoio técnico da consultora Boston Consulting Group (BCG) e tem mais de 600 páginas, mas as suas conclusões, apontadas como muito críticas à atuação de Carlos Costa, nunca foram reveladas. A nova Lei da Transparência Bancária deve afastar nova recusa de envio do documento à Assembleia da República.
“Este documento permite avaliar a atuação do supervisor e as falhas encontradas nos mecanismos de supervisão. É do interesse da nova CPI à Caixa compreender como o supervisor funciona e quais são as suas fragilidades, que também podem ser aplicadas à CGD”, revelou ao Jornal Económico Mariana Mortágua, deputada bloquista, realçando que a nova Lei de Transparência Bancária “dá mais poderes às CPI para conseguir chegar a informação importante como esta”.
O presidente da segunda CPI à gestão da CGD, Luís Leite Ramos, avançou, por seu turno, ao JE que a auditoria interna do BdP pode ser solicitada no âmbito da audição de Carlos Costa como regulador, já que este deverá ser chamado ao Parlamento também na condição de ex-administrador da CGD (entre 2004 e 2006).
Em causa está um relatório elaborado pela comissão de avaliação às decisões e à actuação do Banco de Portugal na supervisão do BES, nos três anos que antecederam a aplicação da medida de resolução para “apurar eventuais deficiências e oportunidades de melhoria na organização e nos processos de supervisão”. Um documento que contou com o apoio técnico da consultora Boston Consulting Group (BCG). E que nunca viu a luz do dia.
Carlos Costa recusou duas vezes entrega de documento
Este relatório foi solicitado pela comissão parlamentar de inquérito ao BES que o supervisor não quis entregar em 2015. E foi novamente pedido, no ano seguinte, pelos deputados de esquerda na comissão de inquérito ao caso Banif. O BdP defendeu, na altura, que não tem de disponibilizar “informações ou documentos cujo conteúdo não tenham conexão com a medida de resolução”, pelo que os considerou sujeitos a “segredo profissional”.
Um argumento que será agora mais difícil de utilizar face à nova lei de transparência bancária que vai obrigar os bancos a enviarem informação sob sigilo bancário e profissional para as comissões de inquérito e deverá ser útil à nova comissão de inquérito à gestão da CGD, criada após a divulgação do relatório de auditoria da EY à gestão da Caixa, entre 2000 e 2015, que concluiu por perdas de 1.647 milhões de euros em créditos ruinosos.
Recorde-se que a lei que determina a divulgação de grandes devedores da banca e reforço do controlo parlamentar no acesso a informação bancária e de supervisão prevê o “acesso a informação” sobre “transparência sobre operações de capitalização de instituições de crédito com recurso a fundos públicos” e “recolha e comunicação à Assembleia da República da informação relevante”.
A autoavaliação feita pelo BdP no caso BES deixou críticas à atuação do supervisor e aponta falhas no acompanhamento feito ao banco, revelou ao JE fonte próxima ao processo, dando conta que só existem duas cópias do relatório que estão apenas nas mãos do governador e do presidente da comissão de avaliação interna, João Costa Pinto. A mesma fonte confirma, assim, os alertas deixados por esta comissão, noticiados pelo ‘Jornal de Negócios’ a 23 de março de 2016, que deu conta que as críticas à atuação da supervisão vão até ao início da década passada, abrangendo o mandato de Vítor Constâncio como governador.
Só as recomendações foram divulgadas
Com os resultados da auditoria interna há quatro anos na gaveta, Carlos Costa apenas tornou público, no verão de 2015, que a comissão formulou 19 recomendações para uma melhor ação do próprio BdP, tendo o supervisor reconhecido falhas, ainda que de forma implícita, na sua atuação no caso BES. Em comunicado, avançou, na altura, com apenas nove, entre as quais ser mais vigilante, ter uma aplicação mais restrita, ser menos tolerante e ter maior capacidade de decisão.
Sem nunca ter divulgado o relatório, o BdP apenas assumiu, após a sua conclusão, que deverá no futuro ter uma especial preocupação em tomar “decisões de supervisão de forma mais tempestiva e determinada, mesmo que tal implique um maior risco de litigância”. Uma lição tirada pelo supervisor no âmbito da sua atuação no caso BES.
Membro foi uma das vítimas das decisões de idoneidade
A comissão de avaliação, liderada por Costa Pinto, integrou os consultores do supervisor Maximiano Pinheiro e Norberto Rosa. Recorde-se que este último antigo consultor do BdP foi também administrador da CGD (entre 2005 e 2010) e protagonizou o caso mais recente de um ex-gestor da Caixa que precisava do aval do BCE para desempenhar funções bancárias. Este ex-gestor do banco público esteve recentemente seis meses à espera de luz verde do BCE para integrar a equipa do BCP, na qual estava apontado para o cargo de presidente da comissão de auditoria do BCP, e acabou por desistir.
O BCE não chegou a pronunciar-se sobre a entrada de Norberto Rosa na equipa de Miguel Maya, após o ex-gestor da Caixa ter optado por aceitar o convite para ser secretário geral da Associação Portuguesa de Bancos (APB). Mas o JE sabe que acabou por ser barrado pelo BdP e BCE, por ter participado em conselhos de crédito da CGD que aprovaram créditos que se revelaram ruinosos, ainda que este ex-gestor não tivesse, na altura, os pelouros de risco e comerciais.
Artigo publicado na edição nº1978 de 1 de março do Jornal Económico
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