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“Prefiro acreditar nas entidades reguladoras do que em estudos pagos pelas empresas”

Hugo Costa, coordenador do PS na Comissão de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade defende que “se se provar que existem, rendas excessivas devem ser devolvidas aos consumidores”.
17 Março 2019, 09h00

O que destaca da audição do presidente executivo da EDP, António Mexia, na comissão parlamentar de inquérito?

A audição de António Mexia durou sete horas, foi a audição mais longa da comissão de inquérito, como já era expectável. Destaco que existe um padrão de comportamento da EDP, colaborando ou influenciando a feitura de legislação, quer no decreto-lei dos CMEC em 2004, quer no processo de extensão do domínio hídrico em 2007, quer no decreto-lei do regime remuneratório aos eletroprodutores em 2013. Ficou claro nesta audição que, da parte da EDP, existiu sempre uma colaboração nessa legislação. Também ficou claro que a extensão do domínio hídrico já estava prevista desde 2004. E ficou claro que existe um conjunto de temas que ainda devem ser debatidos, nomeadamente a história dos 285 milhões de euros que o Estado pede de sobrecustos à EDP em relação aos CMEC, os quais foram retirados a mais aos consumidores. Obviamente que o Grupo Parlamentar do PS concorda e defendeu o Governo nessa matéria. Quanto aos 510 milhões de euros que a ERSE sinaliza de custos a mais, na passagem dos CAE para os CMEC, a par de outros estudos, diria que prefiro acreditar numa entidade reguladora do que em estudos que podem ser feitos pelas pessoas mais credenciadas, mas são estudos pagos pelas empresas.

Concorda com a argumentação de que a EDP foi vendida com as alegadas “rendas excessivas” integradas no valor pago pelos investidores, pelo que não poderão ser anuladas depois da privatização?

É um argumento que certamente também constará do relatório, mas não deixa de ser verdade que existiram logo pareceres da entidade reguladora muito duros sobre um conjunto de rendas. E não deixa de ser verdade que, em relação a outras matérias, também se retiraram expectativas. Diz-se que não se podia aplicar a CESE porque existiam expectativas que iam ser goradas face a determinadas pessoas, também não deixa de ser verdade que no mesmo período existiram cortes nos salários que também eram expectativas goradas. Compreendo o argumento do investidor privado, mas julgo que se se provar que existiam rendas excessivas, essas rendas devem ser devolvidas aos consumidores.

O trabalho desta comissão de inquérito poderá ser um contributo nesse sentido?

Foram mais de 50 audições, mais de 200 horas, e esta comissão parlamentar de inquérito tem uma grande vantagem: colocou na agenda um conjunto de temas. E obviamente que há temas muito técnicos, dos CAE aos CMEC, garantia de potência, rentabilidade, mas a verdade é que também colocou na esfera pública essa matéria mais técnica. Portanto. julgo que o trabalho da comissão de inquérito é importante. E certamente que poderá também permitir encontrar soluções, quer no quadro regulatório, quer no quadro das políticas públicas, para que, no futuro, os custos possam ser minorados.

O debate central da comissão tem incidido sobre a existência ou não de “rendas excessivas”, com argumentos antagónicos. O relatório final da comissão vai esclarecer essa dúvida?

O relatório terá que chegar a um conjunto de conclusões sobre a existência ou não de “rendas excessivas”. É esse aliás o objeto da comissão e terá que chegar a uma conclusão. Sobre essa matéria, eu digo que prefiro acreditar nos reguladores, porque são entidades independentes. Estamos a falar da ERSE em 2004, da ERSE em 2017 e da Autoridade da Concorrência, também em dois períodos, em 2004 e 2016. Ou seja, prefiro acreditar nas entidades independentes.

Referiu-se ao padrão de colaboração da EDP no processo legislativo, em três momentos participou na concepção de decretos-lei. Essa colaboração mantém-se com o atual Governo? Mexia descreveua colaboração como normal e recorrente…

Não estou no Governo, não posso responder a isso. Mas acho que é normal existirem contributos de todas as empresas do setor. Não é normal se se vier a provar que a EDP fez os decretos-lei. Está provado que esteve envolvida mas não que os elaborou…

Na audição, Mexia confirmou que a EDP preparou um esboço do decreto-lei em 2006, a pedido do Governo…

Sim, mas uma coisa é contributos da EDP, ou de qualquer empresa de qualquer setor. Outra coisa é a legislação ser feita “tout court” [sem mais] por uma empresa e ser assim aplicada. Acho que se existirem contributos, é natural, até porque o Governo, qualquer que seja, deve ouvir as pessoas abrangidas por determinada legislação. Em todas as áreas, seja na energia, na banca, no comércio. Outra coisa completamente diferente é uma aplicação “tout court” de legislação que foi enviada por uma empresa privada. É uma empresa privada a substituir-se ao Estado. Não existem dados que indiquem que continue a acontecer.

Artigo publicado na edição nº1978 de 1 de março do Jornal Económico

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