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Em três meses, quase 60 mil utentes foram triadas na Linha SNS Grávida (maioria seguiu para urgência)

Modelo que obriga as mulheres grávidas ou com queixas ginecológicas a ligarem para Linha SNS 24 antes de recorrerem às urgências entrou em vigor em meados de dezembro. Até 18 de março, esta pré-triagem encaminhou 12.800 utentes para os cuidados primários. Objetivo é evitar “mais pressão” sobre as urgências hospitalares. Associação considera a medida inconstitucional e manifesta-se “preocupada com a sua vigência por tempo indeterminado”.
9 Abril 2025, 07h00

Foram quase 60 mil (59.900) as utentes triadas pela linha SNS Grávida desde que o novo modelo de urgências em Obstetrícia e Ginecologia entrou em funcionamento, há três meses, a maioria das quais (41.200) foram encaminhadas para serviços de urgência, o correspondente a 68.8% de todas as triagens, segundo os dados fornecidos ao Jornal Económico (JE) pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).

De acordo com os números avançados, das 59.900 triagens feitas entre 16 de dezembro e 18 de março deste ano, cerca de 12.800 utentes grávidas ou com queixas ginecológicas foram encaminhadas para cuidados de saúde primários (conhecidos como centros de saúde), 3.100 para o INEM e 2.500 para autocuidados. Houve ainda 300 situações com referenciação para consulta aberta de especialidade hospitalar de ginecologia/obstetrícia, possibilidade que apenas está em funcionamento desde o passado dia 12 de fevereiro, sublinha a SPMS na resposta enviada ao JE.

Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde lembram que o projeto SNS Grávida/Ginecologia “tem como prioridade diferenciar as urgências graves e situações agudas face às urgências sem gravidade clínica, como são os casos triados com as pulseiras azuis ou verdes, que podem ter acompanhamento nas consultas de cuidados primários ou mesmo da especialidade no hospital, e que evitam mais pressão sobre as urgências hospitalares”.

Nas entidades aderentes ao projeto-piloto, que arrancou na região de Lisboa e Vale do Tejo e no hospital de Leiria, a pré-triagem para grávidas ou utentes com queixas ginecológicas é feita através da Linha SNS 24, ou seja, as utentes devem ligar para o número 808 24 24 24 antes de se dirigirem ao hospital. “Deste modo”, recorda o SPMS, a Linha SNS 24 “tria as utentes e efetua o aconselhamento e encaminhamento que melhor se adequa à sua situação clínica”.  As exceções são as situações em que há “forte suspeita de poderem representar risco iminente de vida, designadamente a perda de consciência, convulsões, dificuldade respiratória, hemorragia abundante, traumatismo grave ou dores muito intensas”.

Além das urgências abrangidas pelo projeto-piloto, outras há que aderiram voluntariamente, como é o caso das Unidades Locais de Saúde de Gaia/Espinho (hospital de Gaia), do Alto Alentejo (hospital de Portalegre) e Santo António (Centro Materno Infantil do Norte). O Ministério da Saúde comprometeu-se a fazer uma avaliação da medida ao fim de três meses, antes de a estender a todo o país. Questionada pelo JE sobre essa análise, a tutela não se pronunciou.

“Preocupada” com a vigência do modelo de urgências de obstetrícia e ginecologia “por tempo indeterminado”, a Associação Portuguesa Pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto pediu, junto da Provedora de Justiça, a inconstitucionalidade da portaria que obriga as grávidas a ligarem para a linha SNS 24 antes de recorrerem às urgências.

A associação sustenta que a medida corresponde a “uma vedação clara do direito de acesso a cuidados de saúde direito fundamental das mulheres, previsto no artigo 64º da Constituição da República Portuguesa [CPR] e no artigo 12.º da Convenção CEDAW [Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher]”. E que, na prática, se traduz  em maternidades de “portas fechadas”.

“Não houve nenhuma medida de reversão a não ser a manutenção da linha”, queixou-se ao JE a dirigente Vânia Simões. A esta preocupação, acrescenta a responsável, há “a instabilidade governamental”. Isto numa altura em que se prevê que a crise obstétrica, com os fechos de urgências, se agrave à medida que os médicos atinjam o limite das 150 horas extraordinárias, a partir de abril/maio, e que alcance particular complexidade no verão, época de férias.

“De facto, não sabemos o que esperar”, afirma, dando conta que a associação vai tentar marcar uma audiência com caráter de urgência com a comissão de saúde “para saber em que ponto vai ficar a linha” que, recorda Vânia Simões, chegou a encaminhar utentes para urgências onde não havia vagas. “Houve, por vezes, uma errada referenciação para determinados locais que não eram assim tão perto”, aponta.

A Linha SNS Grávida, que entrou em funcionamento mesmo antes do projeto piloto (antes de ser obrigatório ligar), fez mais de 125 mil triagens desde o dia 1 de junho de 2024 até ao dia 18 de março, ainda de acordo com os dados dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde.

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