O Governo não quis esperar pela campanha eleitoral para lançar o tema da imigração para cima da mesa. Fê-lo já esta segunda-feira, um dia antes da assinatura do protocolo para a criação da chamada via verde para a contratação de migrantes, numa reunião com o Conselho Nacional para as Migrações e Asilo propondo um conjunto de “soluções” para tornar mais célere o processo de retorno ou afastamento de cidadãos em situação ilegal em Portugal. Em causa está, por exemplo, a eliminação de fases que atrasam e “eternizam” o processo de retorno desses estrangeiros e a criação de uma unidade de estrangeiros e fronteiras na PSP, explicou o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, em declarações à margem da reunião.
No caso das etapas a eliminar, a Aliança Democrática (PSD/CDS) entende que a notificação de abandono voluntário é “puramente redundante” e quer acabar com as segundas e terceiras possibilidades de recursos com efeitos suspensivos. “É tempo que se gasta a mais e depois as coisas nunca acontecem”, defendeu Leitão Amaro, criticando a “eternização” de recursos que é feita no atual regime que “não funciona”. Na proposta do Governo, mantêm-se apenas duas etapas: a fase administrativa do processo de notificação de abandono coercivo, que tem uma parte voluntária também, e a fase do primeiro recurso com efeito suspensivo.
Ainda sem um tempo “mágico” para propor para o afastamento dos cidadãos ilegais, porque isso vai depender da decisão final de cada fase, o Governo está apostado em encurtar todo o processo, embora o Diário de Notícias tenha antecipado 10 dias para o retorno destes estrangeiros.
Outra das intenções do Governo é a criação de uma unidade de fronteiras e asilo na Polícia de Segurança Pública (PSP), prevendo-se que isso seja acompanhado de um reforço de meios.
Tanto a eliminação das fases para encurtar os prazos do retorno de ilegais aos países de origem (ou em trânsito) como a criação desta unidade específica na PSP foram chumbadas no Parlamento, com os votos contra do PS e do Chega. O Governo volta agora ao tema para lançar a discussão porque, diz Leitão Amaro, as “eleições também vão servir para julgar a mudança de política de imigração”. “O povo falará”, acentuou o ministro, cabeça de lista da AD por Viseu.
“Não há dúvida de que hoje já teríamos uma unidade de estrangeiros e fronteiras na PSP e já teríamos mudanças no sistema de afastamento de cidadãos ilegais se o PS e o Chega não tivessem votado contra no Parlamento”, disse o governante, culpando diretamente os dois principais partidos da oposição pelo fato de Portugal ter uma das mais baixas taxas de afastamento de ilegais na União Europeia.
Clarificando que, ao apresentar as propostas mencionadas, o Governo está apenas a “fazer um debate com a sociedade civil”, seguindo o caminho que está a ser trilhado na Europa, o ministro da Presidência insistiu que Portugal tem de dar passos no mesmo sentido para que o Parlamento e o Governo que resultarem das eleições de 18 de maio possam legislar.
Leitão Amaro sustentou, nas declarações feitas após a reunião com o Conselho Nacional para as Migrações e Asilo, que qualquer regime e sistema de imigração precisa de regras reguladas para acolher bem quem chega, “mas precisa também que, quando há uma violação dessas regras, haja consequências”, devendo apenas “ficar em território nacional aqueles que cumprem as regras”. “É uma justiça para com aqueles que cumprem as regras, é uma condição de tranquilidade e de apoio social ao sistema”, disse.
“Portugal tem de rever o seu regime de retorno que não funciona. Somos um dos três que menos executa o retorno de pessoas que tiveram decisões de abandono por violarem as regras, incluindo por razões de segurança”, continuou o ministro da Presidência, observando que o processo não funciona porque “o SEF foi desmantelado” e foram criadas “regras cheias de processos burocráticos”.
“Ser moderado em política de imigração é isto.”
Leitão Amaro procurou distanciar as propostas da AD daquelas que têm sido apresentadas em países “com pulsões securitárias agressivas”, colocando inclusive Portugal como “exemplo de moderação”. “Estamos a propor um sistema que é equilibrado, mas que funciona, em particular quando os cidadãos ilegais colocam ameaças à segurança. Isto significa aceleração de prazos, aceleração de recursos, significa concentrar na PSP todo o processo e as decisões, significa construir os centros de retenção temporária para cidadãos até serem afastados”, defendeu, assinalando também a necessidade de investir em sistemas tecnológicos.
Ter um sistema equilibrado significa também, continuou o governante, respeitar os direitos humanos e os direitos processuais, o direito a ser ouvido, a ter aconselhamento e proteção especial aos cidadãos vulneráveis, sobretudo os mais jovens, assim como àqueles que fogem de países onde são perseguidos. “Naturalmente, não há afastamento para situações em que as pessoas são tratadas de forma indigna”, garantiu.
“O Governo tem tido sempre uma política moderada. Tratou da regularização. Fechou as portas escancaradas. Está a apoiar a integração, desde as escolas às comunidades, e tem também de pôr o sistema de retorno de cidadãos ilegais a funcionar. Não há sistema de imigração que possa ser regulado se, quando se violam as regras, isso não tiver consequências”, reforçou.
O ministro da Presidência não deixou de enfatizar que a visão de Portugal sobre imigração é “moderada” quando comparada com a de outros governos europeus. E deu vários exemplos que, na sua ótica, o demonstram. “Temo-nos oposto a que haja financiamento europeu à construção de return hubs, um outsourcing de centros de detenção [construídos] noutros países. Não deve ser esse o caminho; Portugal tem sido um exemplo na moderação europeia quando queremos um regime a funcionar respeitando os direitos humanos. E somos um exemplo de moderação quando nos opomos à instrumentalização da política comercial para sancionar países.”
Acrescentou ainda que Portugal foi exemplo quando, na mudança de regime da Síria, alguns países quiseram “imediatamente iniciar a deportação de cidadãos sírios”. “Ser moderado em política de imigração é isto”, atirou.
Nenhuma das propostas transmitidas esta segunda-feira ao organismo presidido por António Vitorino será executada antes da realização de eleições legislativas antecipadas, porque carecem de aprovação na Assembleia da República. Das medidas referidas, apenas a construção dos dois centros de retenção temporária, cuja despesa foi aprovada no final de janeiro, poderá “continuar a sua execução”.
O ‘anúncio’ destas soluções para a imigração acontece na véspera da assinatura do protocolo com as associações e confederações patronais que estabelece uma via verde para a contratação de mão de obra no estrangeiro, que está marcada para as 11 horas esta terça-feira. Um mecanismo que tem vindo a ser negociado desde meados de dezembro depois de o Governo ter terminado com as “manifestações de interesse” para terminar com aquilo que classificava como uma política de “portas escancaradas”.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com