O Presidente, Recep Erdogan, não vai a votos, mas o seu poder sim. 57 milhões de turcos votam este domingo, 31 de março, nas 81 províncias, para elegerem os autarcas de 30 áreas metropolitanas e 1351 distritos municipais.
No dia das eleições publicamos online o artigo publicado na edição nº 1980 do Jornal Económico, escrito por António Freitas de Sousa há cerca de duas semanas.
O presidente do país tem pela frente um desafio bem maior que a simples escolha dos novos governos urbanos: Recep Tayyip Erdogan precisa de estender às grandes cidades a mensagem política que os seus habitantes insistem em observar com alguma reserva – e que passa desde logo pelo aprofundamento do regime presidencial.
De facto, a oposição quer ao governo do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento), o partido de Erdogan, quer à transformação constitucional do regime de um registo parlamentar para uma postura presidencialista (maioritariamente aceite pelo país em geral no referendo do ano passado, mas não nas grandes cidades) continua muito ativa nas cidades, com destaque para Istambul (onde vivem mais de 15 milhões de pessoas, quase 20% da população), Ancara (5 milhões) e Esmirna (3,5 milhões), os três maiores aglomerados populacionais da Turquia.
“As três grandes cidades do país são tradicionalmente contrárias a Erdogan”, disse ao Jornal Económico um oposicionista, para explicar a verdadeira barragem panfletária que está presente em Istambul por estes dias: enormes cartazes sitiam a cidade por todos os lados, onde pode ver-se Erdogan a acompanhar os candidatos do AKP ao governo da cidade. Nas regiões mais afastadas do centro, acontece o mesmo: os candidatos do partido surgem acompanhados pelo presidente da Turquia numa profusão de cartazes – ao mesmo tempo que barulhentas carrinhas ostentando as cores do partido vão circulando pela cidade, tanto no lado europeu como no lado asiático.
Sendo claro que Erdogan tem tentado substituir o poder não confessional herdado de Mustafa Kemal Atatürk – o fundador da República em outubro de 1923, depois do desaparecimento do Império Otomano – por um regime ‘colado’ ao Islão, essa vertente tem estado muito presente na vida das grandes cidades turcas.
A 8 de março foi inaugurada em Istambul aquela que passou a ser a maior mesquita do país: tomou o nome de Mesquita Çamlica e tem capacidade para acolher ao mesmo tempo cerca de 63 mil crentes – ofuscando de algum modo a Mesquita Azul, até agora um dos ex-libris da cidade. Erdogan não esteve presente, mas fez saber que ali se dirigirá aquando das cerimónias oficiais de inauguração do enorme complexo, cuja construção se iniciou em 2013.
Mas o mais emblemático de todos os monumentos da cidade, Hagia Sophia, está também envolvido em acesa polémica. O imponente edifício foi uma catedral da Igreja Ortodoxa durante 916 anos (e também da Igreja Católica Romana, entre 1204 e 1261), para, em 1453 – na sequência da conquista da cidade pelas forças do Islão – passar a ser uma mesquita. Até 1931, altura em que Atatürk, sensível à grandiosidade do edifício e apostando numa política clara de secularização do regime, converteu Hagia Sophia num museu. Mas Erdogan está a ponderar fazer regressar o edifício à condição de mesquita, num gesto que tem tudo a ver com a aproximação entre o Estado e a religião islâmica, e que os istambulenses parecem observar com bastante reserva.
Manifestações não, SFF
Na tarde do mesmo dia da abertura da mesquita de Çamlica, o regime deu à cidade uma amostra do seu endurecimento político, ao impedir a realização de uma manifestação de mulheres que pretendia comemorar o Dia Internacional da Mulher em plena Praça Taksim, a mais emblemática de Istambul – palco de grandes manifestações da oposição em anteriores ocasiões. As centenas de polícias que circulavam nas vias de acesso à praça acabaram, cerca das três da tarde, por fechar todos os acessos a Taksim, dirigindo os milhares de transeuntes para as ruas perpendiculares e obrigando-os a voltar para trás. Como o Jornal Económico pôde constatar, os polícias recusavam fornecer qualquer explicação sobre as suas movimentações e não foi possível encontrar nenhum elemento das forças de segurança que desse mostras de entender qualquer pergunta feita em língua inglesa, por mais básica que fosse!
Artigo publicado na edição nº 1980 do Jornal Económico
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