António Nogueira Leite é Sénior Advisor da Hipoges e Presidente do Conselho Fiscal da Finpro Capital, gestora de fundos detida maioritariamente pela Hipoges e que tem como CEO Ricardo Pereira. Nessa qualidade fala dos projetos da Hipoges e mais concretamente dos projetos da gestora de fundos do grupo, a Finprop.
O economista tem ainda dois outros cargos não executivos, pois é presidente da Sociedade Ponto Verde e da Mapfre em Portugal.
Fundada em 2008, a Hipoges é uma das principais plataformas de gestão de ativos distressed do Sul da Europa e tem uma estratégia de expansão para novas geografias e de crescimento vertical na cadeia de valor. Assim, a Hipoges detém a maioria (dois terços) da Finprop Capital; a KPI Hotel Management Services, que é a empresa do grupo responsável pela gestão de ativos turísticos; a Cobo, especialista em adequação, reabilitação integral e gestão de instalações para edifícios; a Domus (operador especializado na concepção e marketing de projetos de Real Estate); e a Finanwin, uma intermediária de crédito que teve recentemente autorização do Banco de Portugal para operar.
Mas a Hipoges não se fica por aqui, pois segundo o seu Sénior Advisor, pois está interessada em comprar empresas de promoção imobiliária, em Portugal e Espanha. “Ainda não temos nada em concreto, mas é um negócio para o qual estamos a olhar”, disse em entrevista António Nogueira Leite.
Nesta entrevista revela também a estratégia da gestora de fundos Finprop, que acaba de lançar um Fundo de Crédito de 25 milhões de euros e que será a alternativa à banca em Portugal para financiar a promoção imobiliária e a construção. O que é especialmente relevante numa altura em que os bancos por questões regulatórias estão condicionados no financiamento ao setor, e em que o País precisa urgentemente de mais construção para equilibrar a oferta e a procura de habitação.
O que são Fundos de Crédito?
Fundos de Crédito são fundos que concedem empréstimos às empresas, estão regulados pela CMVM e em Portugal arrancaram há relativamente pouco tempo porque só em março do ano passado é que se criou um regime fiscal alinhado com os outros países e outros fundos. Estes fundos são importantes em várias áreas e por isso estamo-nos a posicionar e arrancamos com a Finprop um pouco antes da pandemia.
Os fundos de crédito são importantes, nomeadamente, porque com a entrada em vigor das regras do Basileia IV e com as exigências do BCE, os bancos ficam bastante condicionados no crédito à promoção imobiliária, uma vez que são muito penalizados em termos de capital e ainda vão ser mais quando entrar em vigor pleno as regras de Basileia IV.
Não é uma realidade exclusivamente portuguesa. No Reino Unido e na Irlanda a maioria do crédito à promoção imobiliária já é concedido pelos Fundos de Crédito. Na Irlanda, os bancos já não dão crédito à promoção imobiliária e construção.
Na Europa, e em Portugal em concreto, existe uma falta enorme de construção e de nova habitação e por isso olhamos com atenção para esta atividade, nomeadamente através do financiamento.
Neste momento temos [a Finprop] três fundos sob gestão. Temos um fundo de Private Equity em Hospitality, que é um fundo relativamente recente de 140 milhões de euros. Temos um Property Fund que está agora a arrancar e temos um primeiro Fundo de Crédito de 25 milhões de euros onde temos cerca de 200 investidores.
É o primeiro fundo de crédito em Portugal?
Havia várias iniciativas nesse sentido, mas Portugal tinha uma situação fiscal pior que Espanha, pior que França, pior que a generalidade dos países e portanto os investidores não quiseram vir para Portugal. Mas uma das pré-condições do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] era o Estado avançar com um regime fiscal destes fundos de crédito em linha com o regime fiscal dos nossos concorrentes diretos, isto é quer dos outros fundos de investimento, quer dos outros países do euro e por isso avançou em março de 2024 com essa uniformização fiscal (foi uma das últimas coisas feitas pelo Governo de António Costa).
Durante anos não percebíamos porque tínhamos um regime fiscal pior que o dos outros fundos em matéria de imposto sobre o rendimento e pior do que o regime dos países europeus à nossa volta.
Estes fundos capitalizam-se junto de investidores de vários países, não só em Portugal e o regime fiscal desfavorável não atraia esses investidores. A partir do momento em que o regime se tornou idêntico aos dos outros países da UE e ao dos outros fundos de investimento, passámos a ter condições e a verdade é que já levantámos 25 milhões de euros num primeiro fundo e estamos a pensar num outro fundo de dimensão semelhante.
Este fundo de crédito já está fechado?
Sim, tem 25 milhões. Agora vamos aplicar esse dinheiro em operações de crédito essencialmente na promoção imobiliária e na construção, que é uma área onde há escassez de crédito porque os bancos portugueses estão muito limitados e vão estar cada vez mais, com Basileia IV. Há muitos promotores imobiliários, não só os grandes, mas muitos de média dimensão que já estão com dificuldade de acesso ao crédito bancário. Embora as pré-vendas sejam uma boa forma de financiamento para developers, há oportunidades a serem preenchidas. A limitação do crédito bancário não é culpa dos bancos, são as exigências regulatórias.
De que forma é que os fundos de créditos se tornaram mais atrativos fiscalmente?
Antes da uniformização com os outros fundos, o imposto pago pelos detentores das unidades de participação era pago à cabeça e passou a ser pago só quando recebem os retornos do fundo e não quando os fundos são constituídos. Isto é, não se tributa o investimento, mas sim o resultado do fundo. Antes não era assim e por isso é que os fundos de crédito tardaram a arrancar em Portugal. O que o Governo fez foi dar um regime fiscal aos fundos de crédito igual ao dos outros fundos.
Como é que funcionam os fundos de crédito? Qual a rentabilidade esperada nos fundos de crédito?
Os investidores investem neste fundo com base numa expetativa de rentabilidade, mas nós é que gerimos o fundo. A rentabilidade nestes fundos de crédito é, muitas vezes, abaixo dos fundos de private equity, anda nos single digits ou “low teens”.
Qual a maturidade destes fundos normalmente?
Este é um fundo fechado, os nossos 200 investidores ficam até à maturidade do fundo. Em regras são fundos com maturidades de cinco, sete anos. Este fundo de crédito tem 10 anos.
Já os dois fundos de private equity têm maturidades de 12 e 10 anos – o Hospitality de 140 milhões, que já está lançado, e o Property, que é o novo, de 100 milhões e que está em lançamento.
A Finprop vai ficar por estes três fundos?
Vamos lançar mais dois, sendo que um deles vai ser um novo fundo de Property (habitação) e estamos a pensar lançar um segundo fundo de crédito, com outros investidores.
Este fundo de crédito é ibérico?
A Finpro foi lançada em Portugal e o fundo de crédito que lançamos está registado e é regulado pela CMVM, mas vai também operar em Espanha. Estamos a olhar para o mercado ibérico, para oportunidades em Espanha, não só de investimento, como também de novos fundos.
Olham para Espanha para darem crédito a empresas espanholas ou para levantarem capital junto de investidores espanhóis para o fundo?
As duas coisas. Mas levantamos capital também fora da Pensínsula Ibérica. Para já o fundo só vai aplicar o dinheiro em financiamento em projetos imobiliários em Portugal e Espanha, mas como a Hipoges está em quatro países e há oportunidades de expansão, a nossa ideia é, quando surgirem oportunidades, olhar para Itália, para a Grécia e outros países do espaço europeu, onde a Hipoges possa entrar.
O financiamento dos fundos de crédito é feito contra garantias reais?
Sim, é parecido com a banca. Funciona com a gestão dos fluxos financeiros e das correspondentes garantias. Há sempre garantias reais. Os fundos de crédito estão é disponíveis para correr determinados tipos de riscos que os bancos, por questões regulatórias, não podem correr.
Os fundos de crédito, como o dinheiro é institucional e não de depositantes, não têm as mesmas limitações regulatórias.
É um empréstimo? Não entram no capital?
Nos fundos de crédito não entramos no capital, somos só financiadores. Podem ser mútuos com garantias ou outros formatos, como mezzanines, por exemplo. Mas no fundo de crédito é só empréstimos ficando com o colateral como garantia.
Noutro tipo de fundos, como o fundo de Private Equity em Hospitality, podemos entrar no capital dos hotéis, ou empreendimentos imobiliários que integrem hotéis.
Estamos também a preparar um outro fundo para a área de habitação (Property), através do qual podemos entrar no capital dos projetos.
Esse fundo para a área de habitação que estão a pensar criar vai investir em habitação acessível?
Nós queremos concentrarmo-nos em boas oportunidades, mas temos a noção que é importante ir para a habitação para a classe média. Não é exclusivamente dedicado à habitação acessível, mas havendo condições para ter rentabilidades aceitáveis no investimento em habitação para a classe média, estamos interessados.
No fundo de crédito, podemos financiar um promotor, ou um construtor que faça habitação acessível, desde que tenha um business plan que nos convença, e garantias adequadas à exposição creditícia. Nós não excluímos habitação para os diferentes segmentos. Não vamos só financiar projetos imobiliários de luxo, longe disso.
Nós olhamos sempre é para o binómio rentabilidade e risco.
Como é que medem o risco?
Avaliamos o risco da mesma maneira que os bancos, temos pessoas dedicadas à análise de risco, numa equipa com muita experiência, o nosso CEO da Finprop, Ricardo Pereira, fazia isto na Grã-Bretanha e, portanto, tem muitos anos de experiência de conceder crédito à promoção imobiliária.
O regulamento da CMVM dos fundos de crédito é de 2020 e estabelece requisitos de composição do património, as regras de exposição e de análise do risco de crédito, bem como, os deveres a cumprir pelos fundos de créditos na sua relação com os mutuários, quer comentar?
Nós seguimos as regras do Regulamento de Gestão de Ativos da CMVM, mas nos fundos de crédito não há uma composição determinada.
Um fundo de crédito de outro Estado-membro da União Europeia pode conceder empréstimos a empresas portuguesas?
Pode. Um fundo de crédito tem de ser supervisionado por um país da UE e tem de ter autorização para operar nos países. A Revolut é um banco da zona euro, da Lituânia, que opera cá através de um passaporte europeu.
O vosso fundo de crédito já tem créditos concedidos?
Ainda não. Vamos começar a qualquer momento.
Os juros como são calculados?
Depende das condições do empréstimo, das garantias patrimoniais que podem ser dadas, do risco. O mercado e as condições concretas de cada caso vão determinar as rentabilidades.
Os fundos de crédito podem financiar-se com empréstimos ou é só com o investimento dos investidores em unidades de participação? Há algum limite ao financiamento?
Os fundos podem financiar-se com empréstimos também. O nosso é só equity.
Os fundos de crédito só financiam empresas?
Sim exclusivamente empresas, mas podem ser de vários setores, no entanto as grandes oportunidades agora estão no setor imobiliário.
Há algum limite máximo de crédito por entidade?
Isso há, está no regulamento da CMVM.
Qual é a estratégia da Hipoges?
Nós temos uma estratégia na Hipoges de crescimento em novas geografias e crescimento vertical na nossa cadeia de valor. A Hipoges tem a Finpro e a KPI Hotel Management Services, que é a empresa do grupo Hipoges, responsável pela gestão de ativos turísticos.
Na atividade de compra de carteiras de créditos improdutivos chegam-nos muitas vezes hotéis e por isso comprámos uma empresa de gestão hoteleira, a KPI, e a ideia é operar nos quatro países. Para já temos uma oportunidade em Portugal porque neste momento estamos a gerir a Herdade da Barrosinha, em Alcácer do Sal. Já gerimos – quando o Novobanco precisou de tornar rentável – o Hotel de Montargil para vender. Foi a Hipoges que fez o turnaround do Hotel Montargil através desta empresa.
Agora a KPI já está a fazer gestão para terceiros, neste momento está com a gestão de um hotel muito grande em Albufeira, que é o Ondamar.
Também já temos dois projetos em desenvolvimento, dois hotéis em Cabo Verde, e estamos na fase final de processo em Espanha, apartamentos turísticos e um hotel em Madrid; e um hotel em Marbella. Estamos a olhar para oportunidades quer no Algarve, quer na Grécia.
Como é que que é o organigrama do grupo?
A Hipoges é a empresa mãe (atua em quatro países) e faz a gestão de créditos, advisory e compra de carteiras, gestão de carteiras, gestão dos colaterais das carteiras (Real Estate e Hotéis) dos ativos que são dos nossos investidores.
Mas, em vez de subcontratar outras entidades decidimos criar nós as valências que nos permitem gerir melhor o nosso core business.
Somos líder em Portugal e Espanha em fazer o servicing para bancos, ou seja, os bancos cada vez mais estão a fazer eles próprios a gestão dos seus créditos NPL, recorrendo ao outsourcing. Esta é uma área que está a crescer em Portugal. Os bancos fazem a supervisão mas delegam em outsourcing a gestão desses créditos, em vez de estarem a contratar pessoas para esta gestão. Trabalhamos para o CaixaBank, para o Santander, para o BBVA, para a UniCaja, para os maiores, e cá também trabalhamos para o Santander Totta, para Caixa, para o Montepio entre outros.
Já quanto às novas atividades da Hipoges são as que fomos comprando para integrar toda a cadeia de valor. Avançámos primeiro com a compra de duas empresas em Espanha, uma que é especializada em análise, desenvolvimento, marketing de projetos imobiliários complexos e que se chama Domus (operador especializado na concepção e marketing de projetos de Real Estate). A Hipoges tem dois terços da Domus. A outra é a Cobo. Compramos dois terços desta empresa em Espanha que se chama Cobo especialista em adequação, reabilitação integral e gestão de instalações para edifícios. Ou seja, são especialistas na intervenção interior dos edifícios, começa paulatinamente a trabalha edifícios portugueses. Para já nos nossos projetos, mas não impede que trabalhem para fora. A Cobo em Espanha trabalha também para fora do universo Hipoges.
Em regra a Hipoges compra dois terços das empresas e mantêm a gestão e gere com os fundadores.
Temos outra empresa que já opera em Espanha e teve recentemente autorização do Banco de Portugal para operar cá, que é Finanwin, que faz intermediação de crédito hipotecário.
Nós temos mais de 50 mil imóveis em Portugal e Espanha em carteira, ter uma entidade que ajuda os nossos clientes a terem acesso a crédito facilita a atividade.
A Finanwin também trabalha para outras entidades fora da Hipoges.
A Hipoges, na área core, de gestão de NPL, está também a olhar para o Brasil e para França. Aqui, para além da compra e gestão de carteiras para investidores estamos também a olhar para a área de servicing direto para os bancos. Os bancos franceses já externalizam muito esta atividade de servicing.
O presidente da APB disse uma vez que o shadow banking, os fundos de crédito, etc, representam risco sistémico. Concorda?
Não considero os fundos de crédito na Europa criem um problema sistémico. Acho que os bancos não devem estar preocupados com a concorrência destas entidades, porque são entidades reguladas. Os fundos de crédito levantam capital muitas vezes junto de investidores institucionais como fundos de pensões, que fazem avaliações rigorosas. Por outro lado, proporcionam formas de liquidez estruturada que os bancos têm dificuldade em proporcionar e que são importantes para o mercado.
Acho que todas as oportunidades para financiar a habitação são positivas, se quisermos ter expetativa de equilibrar a oferta e a procura.
Posso avançar que estamos também interessados em comprar empresas de promoção imobiliária, em Portugal e Espanha, ainda não temos nada em concreto, mas é um negócio para o qual estamos a olhar.
Vão comprar também dois terços nas promotoras imobiliárias?
É o modelo que seguimos em todos os investimentos.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com