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Marcelo ouve os três grandes após eleição que mudou sistema partidário

Presidente da República recebe, esta terça-feira em Belém, os três partidos mais votados, nas eleições de domingo, para começar a desenhar as condições de estabilidade que o país precisa. Com Pedro Nuno a sair de cena, Marcelo quer saber com que PS poderá contar, mas “à primeira vista” está confiante que os partidos colaborem numa solução de governabilidade. Constitucionalistas sublinham ao Jornal Económico alteração do sistema partidário e o facto “inédito” de a direita poder vir a ser “dona” da Constituição.
Marcelo
António Pedro Santos/Lusa
20 Maio 2025, 07h00

O Presidente da República vai ouvir esta terça-feira os três partidos mais votados nas eleições de domingo: o PSD, como principal partido da coligação vencedora, o Partido Socialista (PS) e o Chega. A missão do chefe de Estado é procurar condições de estabilidade e governabilidade, que acredita “à primeira vista” existirem, esperando que um novo governo seja formado até ao dia 10 de junho.

Apesar de ter saído reforçada ao eleger 86 deputados, a coligação que junta o PSD e o CDS manteve-se praticamente na mesma posição em termos de governabilidade e, ao contrário do que se especulou durante a campanha, o resultado da Iniciativa Liberal não foi suficiente para apoiar Luís Montenegro. No seu discurso de vitória, o presidente do PSD pediu às “oposições”, sem especificar quais, um sentido de responsabilidade e de Estado, sustentando que o povo quer o seu governo e não outro, assim como o deseja a ele como primeiro-ministro.

Com o PS e o Chega empatados em número de mandatos (58), numa altura em que ainda faltam apurar os resultados da emigração, mantém-se o “não é não” do líder social-democrata. Resta clarificar qual será o posicionamento dos socialistas em relação ao governo. Pedro Nuno Santos, que deixará a liderança do partido oficialmente no sábado, para não ser um “estorvo” na decisão que o PS tomar. O ex-ministro José Luís Carneiro, que disputou as eleições internas há um ano e meio, poderá ser o sucessor.

Ainda durante a campanha eleitoral, Marcelo disse que queria nomear um governo com a certeza de que o respetivo programa será viabilizado no Parlamento, o que considerou ser “a questão fundamental” nesta matéria. “O Presidente está à vontade para nomear um governo, tendo a certeza de que este não será rejeitado imediatamente. Não está à vontade para o nomear sem essa certeza”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas na ocasião.

A partir de hoje, começará a ‘esculpir’ essas condições, com os dados já lançados. O Presidente ouvirá o PSD às 11h00, o PS às 15h00 e o Chega às 17h00. Admite voltar a receber estas forças partidárias para uma segunda ronda, já com os resultados dos círculos da Europa e fora da Europa, que podem desempatar o PS e o Chega.

A Constituição estabelece que o Programa do Governo deve ser submetido à apreciação da Assembleia da República “no prazo máximo de dez dias após a sua nomeação”, e qualquer grupo parlamentar pode “propor a rejeição do programa ou o Governo solicitar a aprovação de um voto de confiança”. Nas declarações feitas esta segunda-feira aos jornalistas, Marcelo apontou para a indigitação do novo executivo algures perto do dia 10 de junho. “Se for possível ter [o governo] pronto antes dos feriados, se não for possível, ficará para logo a seguir aos feriados”, disse o chefe de Estado.

Questionado sobre as condições de governabilidade, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: “Eu só posso saber depois de ouvir os partidos, mas à primeira vista não há razões para considerar que eles não queiram colaborar na governabilidade”. “Porque o mundo está como está, a Europa está como está e, portanto, é do interesse português que haja um esforço de todos no sentido da governabilidade”, argumentou.

Mudança “Radical” no Sistema Partidário

As eleições legislativas de domingo não apenas não ditaram uma solução de estabilidade e governabilidade para o país, como muitos previram, mas também consumaram um facto inédito no Portugal democrático: a Aliança Democrática (PSD/CDS), Chega e Iniciativa Liberal, juntos, formam uma maioria de dois terços dos deputados do Parlamento, o que permite, por exemplo, fazer alterações à Constituição sem o apoio do PS.

É uma “alteração estrutural do sistema partidário português e, simultaneamente, um facto único desde o 25 de Abril de 1974: a direita tem no Parlamento uma maioria de dois terços dos deputados e, por isso, pode fazer a revisão constitucional que entender. Pode tornar-se dona da Constituição”, afirma ao Jornal Económico o constitucionalista Paulo Otero.

O professor catedrático destaca ainda que, pela primeira vez, o líder da oposição pode não ser um dos partidos tradicionais que, nos últimos 50 anos, têm estado no Governo ou na oposição — ou o PS ou o PSD. “É uma mudança radical. Isto significa que o Chega terá de se moderar e terá todas as condições para aproveitar quatro anos como líder da oposição”, analisa Otero.

Por outro lado, acrescenta o constitucionalista, o PS “tem uma votação que o obrigará a refletir sobre tudo”. “O suicídio com a cultura ‘woke’ que o PS acolheu nos últimos anos conduziu a isto”, aponta Paulo Otero, sublinhando que a hecatombe eleitoral dos socialistas obrigará o partido a “fazer uma longa travessia no deserto” e a um “repensar ideológico”. “Há uma mudança no clima da história social e os partidos de esquerda não se aperceberam disso”, conclui o professor, lembrando que o mesmo tem ocorrido em outras democracias ocidentais.

As implicações de uma maioria de dois terços na Assembleia da República comportam outras consequências além da revisão da Lei Fundamental. O resultado de domingo, que poderá, contados os votos dos círculos da Europa e Fora da Europa, colocar o Chega com mais mandatos do que o PS, terá também reflexos nas nomeações de alguns dos principais cargos eletivos, começando pelos juízes do Tribunal Constitucional, o provedor de Justiça, o presidente do Conselho Económico e Social e vogais do Conselho Superior da Magistratura, entre outros órgãos.

Luís Montenegro, no discurso de vitória, não quis abordar o cenário de uma “hipotética” revisão constitucional, mas, do lado do Chega, Pacheco Amorim disse à TSF durante a noite eleitoral que estará “disponível” para isso, caso exista no Parlamento uma frente de direita. Na última legislatura, o partido liderado por André Ventura voltou a insistir na alteração da Constituição com o objetivo fundamental de reduzir de 230 para 150 o número de deputados do Parlamento.

O socialista Vitalino Canas também sublinha o facto “inédito” que resultou das legislativas de domingo. “Desde 1975, desde a Constituinte, as únicas maiorias possíveis para fazer a revisão da Constituição sempre foram do PS e do PSD. No fundo, a Constituição que existe é a elaborada por PS e PSD, às vezes com contributos de outros partidos, mas no essencial por esses dois”, mas considera “difícil” que Luís Montenegro e André Ventura cheguem a acordo sobre uma questão “tão estrutural” como é a revisão da Lei Fundamental, uma vez que, “pelos vistos, não chegam a acordo sequer em relação à formação de um governo. A revisão da Constituição é uma coisa muito mais estruturante”. “Vou ver com curiosidade isso”, diz o também constitucionalista.

O antigo secretário de Estado do PS antevê que o Chega poderá vir a ter mais mandatos do que os socialistas, uma vez apurados os resultados da emigração. “E no contexto parlamentar, é isso que conta para a definição de todas as questões internas, designadamente as eleições internas, as designações para órgãos externos, para organizações internacionais, entre outras. Se o Chega ficar em segundo lugar a esse nível, será isso que contará na Assembleia da República”.

Quanto à governabilidade, Vitalino Canas salienta que o Presidente da República, que vai começar esta terça-feira a ouvir os três partidos mais votados, “não pode deixar de fazer aquilo que já fez em abril de 2024”, ou seja, convocar o líder da coligação mais votada para formar governo. “Não estou a ver que o Presidente da República obrigue Luís Montenegro a procurar apoio parlamentar quer do Chega ou do PS para ter governo. Não estou a ver o Presidente a sequer ter margem para isso”.

O socialista acrescenta ainda ser “inevitável” que o PS “tenha uma postura de responsabilidade e que viabilize o funcionamento do governo, não vote a favor de moções de rejeição do programa do governo, não vote a favor de moções de censura e, já agora, não deveria ter votado contra a moção de confiança, mas isso não foi ouvido”.

Essa votação no Parlamento, que levou à queda do governo, “foi um erro de cálculo”, diz Vitalino Canas, considerando um “absurdo” que se esteja a ir sucessivamente a eleições até que haja uma maioria absoluta. Defendendo ser cedo para definir o perfil do próximo líder, o socialista sustenta que “deve ser, seguramente, alguém que retome o curso normal e clássico do PS, à esquerda do centro moderado, e capaz de captar o centro político”. “E, naturalmente, deverá estar aberto a criar condições de estabilidade durante um período razoável”, frisa.

Perante o atual quadro político, o constitucionalista Vital Moreira defende um pacto estável entre os dois tradicionais partidos de governo, PS e PSD. “Um acordo desta natureza era obviamente inviável para o PS sob a liderança de Pedro Nuno Santos — refém daquilo que eu chamo a ‘ala bloquista’ do PS —, mas não vejo como pode deixar de ser equacionado por uma nova direção, necessariamente menos radical e mais racional”, defende o antigo eurodeputado do PS e ex-juiz do TC num artigo de opinião no blogue Causa Nossa.

Para o constitucionalista, um pacto entre PS e PSD, além de garantir estabilidade governativa, “torna-se neste momento essencial para assegurar ao PS um seguro contra o risco de tentação do PSD de utilizar a maioria de dois terços dos deputados que a nova Assembleia da República confere ao conjunto dos partidos de direita, para aprovar contra o PS, não apenas alterações às leis que requerem essa maioria (entre as quais a lei eleitoral) e a designação de cargos públicos de topo (como os juízes do Tribunal Constitucional), mas também a própria revisão constitucional”.

“Ou seja, além da estabilidade governativa, o que está em causa é também a própria estabilidade do regime constitucional vigente, o que, nas vésperas da celebração dos seus 50 anos, deveria estar entre as prioridades políticas de ambos os partidos, e em especial do PS”, conclui.

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