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A quadratura do círculo do OE2026: incerteza, PIB, PRR e impostos

Contexto internacional já era adverso e ficou mais difícil com os avanços e recuos tarifários de Trump, mas, por cá, o cenário também é desafiante. O PRR continua com atrasos e irá pesar nas contas públicas de 2026, Bruxelas prevê um crescimento abaixo do objetivo do Governo e, só do IRS, haverá já 500 milhões de euros que não entrarão nos cofres públicos.
23 Maio 2025, 10h44

As eleições legislativas mostraram um vencedor claro, mas novamente sem maioria absoluta, o que obrigará a entendimentos com partidos da oposição, à semelhança do que sucedeu no ano passado, para aprovar o Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano. Este exercício já se afigurava complicado pela incerteza que envolve a economia global, que vai desde a questão comercial às guerras em curso, e forçará o Governo a incluir uma série de riscos no seu planeamento – sendo que as contas certas continuarão a ser prioritárias, mesmo com os três mil milhões de euros previstos em descidas de impostos ou com a possibilidade de o crescimento desiludir.

A AD venceu as legislativas do passado fim-de-semana, mas novamente com um desenho parlamentar que obriga a entendimentos com a oposição. A situação política interna junta-se assim a uma lista de riscos, a maioria externos, ao exercício orçamental para o próximo ano, que tem uma exigência redobrada devido à necessidade de começar a reembolsar os empréstimos ao abrigo do PRR.

Em entrevista à RTP3 esta quarta-feira, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, reforçou a confiança num crescimento este ano em linha com a previsão constante no programa eleitoral da AD, ou seja, de 2,4% – embora reconhecendo que este objetivo é agora “mais exigente”. “Em todo o caso, os números que temos apontam para um crescimento acima de 2%, mesmo com toda a incerteza que existe”, reforçou.

Ouvidos pelo JE, vários economistas apontam para a dificuldade em obter estes números, embora haja divergência quanto ao seu realismo. Óscar Afonso, diretor e professor na Faculdade de Economia do Porto (FEP), sublinha que esta previsão do ministro “é compatível” com a inscrita no OE2025, ou seja, 2,1%. No entanto, Bruxelas atualizou recentemente as suas projeções macro, relembra, incluindo os impactos previstos da guerra comercial de Trump e a queda abrupta do PIB no primeiro trimestre, quando recuou 0,5% em cadeia.

“Se a Comissão vier a ter razão e a economia crescer apenas 1,8% em 2025, provavelmente será o investimento público a ser sacrificado, como habitualmente, para compor as contas e manter um ligeiro excedente”, considera. E sinaliza a prioridade: “elevar o potencial de crescimento económico do país, o que requer reformas estruturais”.

Também Susana Peralta, professora na NOVASBE, argumenta que, após a leitura do PIB nos primeiros três meses, “o cenário macro que a AD apresentou torna-se ainda mais irrealista”. Reconhecendo o seu ceticismo quanto ao “impacto desmesurado de uma baixa de impostos na atividade económica”, a economista alerta que, num “contexto de contração ou, pelo menos, abrandamento económico, é muito arriscado baixar impostos”.

Ainda assim, o défice não é o cenário base, até porque a “economia tem-se comportado acima das previsões” nos últimos tempos, muito pela interligação com Espanha, que tem dominado o crescimento europeu.

Por sua vez, Óscar Afonso gostaria de ver “a retoma do acordo de 2014 entre PSD e PS para a redução gradual da taxa de IRC até 17%”, em linha com o programa eleitoral da AD. “Entendo que a eliminação da progressividade do IRC é mais prioritária para a atração de investimento estruturante, mas ainda mais importante é a previsibilidade e confiança dos investidores na não reversão do desagravamento fiscal.”

Superavit é para manter
Também no capítulo do saldo orçamental Miranda Sarmento procurou transmitir confiança, reforçando que o Governo continua a esperar superavits este ano e no próximo – ainda que 2026 seja “mais exigente”. O ministro lembrou os cerca de 3 mil milhões de euros (cerca de 1% do PIB) de empréstimos do PRR que pesarão no exercício do próximo ano, mas reiterando que as contas públicas se manterão no verde, mesmo contabilizando este efeito. Caso excluíssemos esta componente, o saldo orçamental “ficaria em torno de 1%” em ambos os anos, continuou.

Os avisos quanto a um possível défice surgiram de várias instituições (Banco de Portugal, Comissão, Conselho de Finanças Públicas), mas os economistas ouvidos pelo JE duvidam que o país regresse aos saldos negativos. Ricardo Ferraz, professor no ISEG e na Universidade Lusófona, acredita em novo superavit, até porque “nenhum ministro neste momento gostaria de estar à frente da pasta das Finanças e passar de um excedente orçamental para um défice”.

“É uma questão de credibilidade também, não é só uma questão de solvência”, acrescenta, lembrando o impacto destes números nos custos de financiamento para o Estado.

No entanto, a questão do PRR não pode ser ignorada. O prazo para a conclusão do plano está a aproximar-se e o ritmo de execução tem deixado a desejar, levando mesmo a uma reprogramação recente que retirou alguns dos projetos mais ambiciosos e menos exequíveis no momento. Para Susana Peralta, o plano não irá, por si só, “colmatar as necessidades de investimento do país” e, dados os atrasos, o impacto efetivo deverá ser ainda menor do que previsto pelo Governo.

Oposição irá viabilizar
Independente dos aspetos económicos, a geometria parlamentar obrigará igualmente a negociações intensas entre os três partidos mais votados, embora os especialistas ouvidos pelo JE se mostrem confiantes que o OE será aprovado.

Susana Peralta identifica “um seguro de vida para o OE”, dado que “o PS está numa situação muito frágil”; Ricardo Ferraz aponta até uma data para o arranque das conversações, a segunda quinzena de julho, com a AD a “tentar incluir um conjunto de propostas do Chega e do PS”, que irão ambos lutar para “serem líderes da oposição”.

“O PS não vai ter uma grande margem para romper com a AD e para votar contra” o OE, acrescenta, pelo que será “o principal parceiro negocial”.
Também Paulo Trigo Pereira, professor no ISEG e redator principal do Budget Watch do Instituto de Políticas Públicas (projeto do qual fazem parte ainda Susana Peralta e Óscar Afonso), acredita que a estabilidade cresceu com este resultado eleitoral, visto que, “ao contrário do que sucedia há um ano, a AD tem mais votos do que todos os partidos de esquerda”. Coligações negativas estão, portanto, fora de hipótese.
“Com o PS enfraquecido, obviamente que vai negociar essa viabilização, espero, mas vai certamente aprovar este orçamento”, remata.
Já ÓscarAfonso avisa: “É mais do que o próximo OE que está em jogo, é o futuro do nosso sistema político e do país”, considerando que o OE2026 será apenas uma consequência do desenrolar desse jogo.

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