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Presidente do Eurocommerce diz que “precisamos de um verdadeiro mercado único”

“Precisamos de um verdadeiro mercado único. Estamos a queixar-nos muito das tarifas, as quais não são obviamente positivas para a economia, nem para a economia europeia”, afirma Juan Morales em entrevista à Lusa.
26 Maio 2025, 15h08

O presidente da Eurocommerce, organização europeia que representa os setores retalhista e grossista, defende a necessidade de um “verdadeiro mercado único” e que a sua inexistência tem impacto “muito maior” do que as tarifas.

“Precisamos de um verdadeiro mercado único. Estamos a queixar-nos muito das tarifas, as quais não são obviamente positivas para a economia, nem para a economia europeia”, afirma Juan Morales em entrevista à Lusa.

“Não podemos controlar” as decisões que são tomadas pela Administração norte-americana sobre as tarifas, mas podemos “controlar sempre os trabalhos de casa que ainda estão a ser feitos”, aponta o responsável.

Primeiro, “os governos dos Estados-membros têm de pensar verdadeiramente em criar uma aliança e criar uma verdadeira união europeia em todos os aspetos” e, em segundo, “a União Europeia tem de facilitar os setores económicos” para a competitividade e esta está muitas vezes ligada a “uma menor regulação”, argumenta Juan Morales.

“O impacto de não ter um verdadeiro mercado único é muito maior que os impactos das tarifas, que ainda não sabemos quais são, mas vai ser sem dúvida menor que o facto de não ter um mercado único” e “para nós essa é a primeira prioridade”, salienta.

A Eurocommerce abrange associações nacionais em 28 países, associações setoriais e empresas internacionais.

“Temos regulação no prazo de pagamento onde pelo facto de ser uma empresa europeia, até as mais pequenas, está a ser prejudicada por empresas que vêm de fora da Europa”, exemplifica, referindo que no setor alimentar, na agricultura, “é a mesma coisa”, têm de cumprir aquilo que outras geografias não precisam.

Sobre o principal desafio, Juan Morales aponta o reconhecimento do setor como “essencial e estratégico” e a “simplificação da regulação” para ser capaz de ser competitivo.

“As empresas estão a ter relativamente menos lucro que em 2019, especialmente no setor alimentar. As margens são muito baixas, as empresas que ganham dinheiro não ganham mais de dois cêntimos por cada euro que vendem”, aponta o responsável, o que “implica uma dificuldade enorme para investir”.

O investimento, prossegue, é um desafio que “as empresas de retalho têm”.

Contudo, existe uma perceção que o retalho ganha muito dinheiro, não só em Portugal como também em Espanha: “Já tivemos a oportunidade de contradizer isso com números, com dados, com factos”, dispara.

“Basicamente, o lucro líquido das empresas do setor de retalho alimentar está entre 1% ou 2%. Portanto, por cada euro que se vende apenas se ganha dois cêntimos”, insiste o presidente da Eurocommerce.

O setor do retalho alimentar “é capaz de ser um dos setores com margens mais baixas de qualquer setor económico”, enfatiza Juan Morales.

Sobre o que pode ser feito para contornar esta situação, o responsável contextualiza o setor.

“Tem havido uma crise de inflação que tem sido provocada fundamentalmente a partir do conflito na Ucrânia, que criou uma crise energética e, com isso isto, uma subida de custos” o que leva os consumidores a terem dificuldades económicas.

Neste momento os consumidores “querem mais por menos”, “há uma pressão enorme sobre os retalhistas” para serem capazes de gerir os resultados.

“Acima disto há tudo o que são custos de regulação, é por isso que o que podemos pedir às autoridades europeias como nacionais, é facilitar e não sobrerregular, incrementar com isto os custos das empresas que neste momento estão a viver com um decréscimo do volume 4% abaixo de 2019”, aponta.

As empresas “não estão a vender mais”, o único aumento que se produziu nos últimos anos “tem a ver com inflação, que obviamente deve ser repercutida nos preços”, sublinha, referindo que o setor alimentar “é um setor essencial”.

Não se trata apenas de fornecer serviços e bens essenciais, “mas também temos um papel social muito importante”, o de proximidade, recordando que o retalho alimentar foi importante no tempo da pandemia, “mas a memória é curta”.

“Quero passar uma mensagem muito importante para nós: o setor começa a estar no limite”, adverte Juan Morales.

“Às vezes pensamos que mesmo nos apagões o setor responde sempre e que podemos com tudo, mas pode chegar um momento em que a situação torna-se dificilmente controlável. Não porque as empresas não estão preparadas, mas porque as companhias começam a ter dificuldades em termos económicos, em termos de regulação, em termos de influência negativa que esta regulação cria nas operações”, argumenta.

Até agora “respondemos sempre bem, mas acho que é um erro da parte da sociedade e dos reguladores, em particular, acreditar que isto vai ser para sempre ter uma resposta infalível”.

O presidente da Eurocommerce diz que o talento é neste momento “uma preocupação e prioridade” do setor do retalho e que, numa perspetiva europeia, este é “o momento oportuno para tornar a Europa grande novamente”.

A área do talento “é neste momento uma preocupação e prioridade fundamental do setor”, afirma Juan Morales.

“Empregamos 26 milhões de pessoas, estimamos que precisaremos de requalificar, ‘reskilling’ ou ‘upskilling’ metade delas, 13 milhões de pessoas, e precisaremos recrutar 1,5 milhões de pessoas até 2030”, explica.

Portanto, “é muito trabalho a ser feito num setor que não tem tanta atratividade como outros setores”, prossegue.

Por isso, diria que este “pode ser um dos desafios mais relevantes” do setor.

Questionado como é que vê o setor nos próximos dois a três anos, diz que este vai continuar a “evoluir tal como evoluiu nestes últimos 100 anos”.

Será uma “evolução contínua, o que implica que a tecnologia vai ser fundamental”, não só em termos de comércio eletrónico, mas também perceber o impacto que a automatização vai ter no retalho, acrescenta.

“Como é óbvio, as lojas físicas vão continuar, as pessoas precisam de proximidade, sobretudo não apenas física, mas emocional”, diz Juan Morales.

Aliás, “digo sempre que os algoritmos nunca vão introduzir proximidade emocional nas pessoas, mas é óbvio que a inteligência artificial e tudo o que está relacionado com ela vai mudar muitas coisas”.

Neste momento, “diria que o mais importante, de uma perspetiva europeia, é sabermos que vivemos tempos incertos, o que é complicado”.

Mas “é o momento mais oportuno para tornar a Europa grande novamente e aproveitar as ameaças e dificuldades que obviamente existem para fazer o trabalho de casa e nos tornarmos mais competitivos do que éramos e focar mais na competitividade do que na regulamentação, o que criou, do meu ponto de vista, uma falta de competitividade há muitos anos que agora temos que recuperar”, defende.

E “espero sinceramente que a Comissão Europeia esteja consciente disso”, rematou o presidente da Eurocommerce.

Juan Morales esteve em Lisboa nas comemorações dos 50 anos da ADIPA – Associação dos Distribuidores de Produtos Alimentares.

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