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João Leão pede prudência no aumento permanente da despesa e corte da receita

A incerteza continua a dominar apesar do cessar-fogo israelita-iraniano, pelo que o Governo deve optar pela cautela orçamental. Implicações na política monetária preocupam, mas tarifas continuam a ser a maior ameaça à zona euro.
29 Junho 2025, 23h07

A escalada da cotação internacional do barril de petróleo acalmou com o cessar-fogo entre Israel e o Irão, mas o risco de novo disparo deve levar o Governo a optar pela prudência nas medidas permanentes de aumento da despesa ou corte da receita, defende o antigo ministro das Finanças João Leão.

A situação parece contida por enquanto, havendo outros riscos ao exercício orçamental, e há margem para medidas de contenção como no passado recente.

O fim da ‘Guerra dos 12 Dias’, como apelidou Trump, levou à reversão do disparo de 15% registado na cotação do barril de petróleo nos mercados, mas os medos de nova crise energética dominaram a discussão económica durante o fim-de-semana, enquanto o mundo aguardava a resposta iraniana. Apesar desta estabilização com o fim das hostilidades, João Leão advoga uma postura cautelosa, sobretudo no que toca a medidas de carácter permanente.

Para o ex-ministro, caso ocorra “um choque petrolífero com impacto significativo na economia”, é expectável uma redução das receitas do Estado e um agravamento das contas públicas. “Este cenário recomendaria maior prudência na adoção de medidas permanentes com impacto negativo nas contas públicas, como de redução de receita ou de aumento de despesa, privilegiando, em vez disso, intervenções de caráter temporário para apoiar a economia”, explica. Exemplifica aqui com a redução temporária do ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos), acompanhada por um mecanismo de compensação que devolvesse ao consumidor o excesso de receita obtida através do IVA, resultante do aumento do preço do petróleo.

João Leão considera que “persiste uma forte incerteza quanto à evolução do conflito no Médio Oriente”. Caso as hostilidades ressurjam, o estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 25% da produção mundial de petróleo, voltará a estar no foco. Sendo um país completamente dependente do exterior neste capítulo, este cenário, frisa o ex-governante, “teria efeitos negativos sobre a economia europeia e portuguesa e pressionaria a inflação em alta”.

“Nessa conjuntura, o Banco Central Europeu (BCE) poderá ser forçado a rever a sua política e aumentar as taxas de juro”, alerta, convergindo com a visão de Pedro Brinca, economista e professor universitário, que coloca esta possibilidade no topo das preocupações relacionadas com um possível choque petrolífero.

Novo disparo não parece ser o cenário base para o economista, que considera “um suicídio” para Teerão fechar Ormuz: por um lado, as receitas energéticas são o grosso da entrada de verbas para o Estado iraniano; por outro, esta estratégia prejudicaria sobretudo a China, um dos (poucos) aliados do regime persa; finalmente, porque uma subida da cotação internacional é um incentivo a que outros países aumentem a produção, limitando a escalada de preços.

Em teoria, considera, o banco central “não devia responder aos choques petrolíferos”, dado que ocorrem do lado da oferta e não da procura. Ainda assim, “há a questão das expectativas”, pelo que o BCE se poderá ver obrigado a agir. Caso a Fed não prossiga com as descidas nos EUA, a Europa arrisca um cenário mais adverso, com inflação importada.

 

Tarifas são ameaça maior

Ainda assim, a valorização recente da moeda única face ao dólar criou um escudo na zona euro perante as subidas recentes, lembra Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade. Ao mesmo tempo, “neste momento falamos de umas décimas até ao referencial” de 2% para o indicador de preços, pelo que não será este o principal problema para a economia europeia, nem para a portuguesa.

A maior preocupação internacional cai assim sobre a questão das tarifas, em que Portugal se pode ver bastante afetado, dados os impactos nas cadeias de valor internacionais. Em termos internos, a margem para agir “existe sempre”, tanto pelo excedente orçamental projetado, como pela política de cativações, lembra Pedro Brinca.

“Cria-se espaço orçamental, tem sido essa a ferramenta. Passamos uma vida a discutir o Orçamento do Estado (OE), mas depois não é aquele OE que é executado”, resume.

Por outro lado, uma subida do preço dos combustíveis resultaria numa maior arrecadação de receita para o Estado, acrescenta Pedro Braz Teixeira. Para João Leão, uma das soluções pode passar por mecanismos como os já encetados no passado, com “uma redução temporária do ISP acompanhada por um mecanismo de compensação que devolvesse ao consumidor o excesso de receita obtida através do IVA, resultante do aumento do preço do petróleo”.

Edição do Jornal Económico de 27 de junho

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