Prudência, incerteza, dependência dos dados: estes foram os pontos mais reforçados pelos governadores dos bancos centrais europeu, americano e britânico no painel de política monetária do Fórum do BCE desta terça-feira, que procuraram não abrir o jogo quanto ao futuro imediato. Ainda assim, a atual postura é menos restritiva do que há um ano, num movimento inverso ao que sucede no Japão.
No painel de política monetária do Fórum do BCE, realizado esta terça-feira em Sintra, os presidentes do BCE, da Reserva Federal norte-americana e do Banco de Inglaterra (BoE) consideraram todos que o atual nível de juros é restritivo, mas a perspetiva é que essa restritividade venha a diminuir gradualmente no futuro próximo. No entanto, não houve novidades quanto a mexidas nos juros, com os banqueiros a manterem tudo em aberto.
Christine Lagarde rejeitou a ideia de “missão cumprida”, afirmando que o objetivo é “alcançado” com a leitura de 2% para a inflação na zona euro em junho, número que havia sido conhecido na manhã do mesmo dia. Daqui para a frente, e como tem sido costume em quase todo o processo de aperto monetário, o BCE continuará “determinado a permanecer dependente dos dados, decidir reunião a reunião e não comprometer-se com quaisquer trajetórias pré-definidas”, garantiu.
Jerome Powell reconheceu que “uma maioria silenciosa dos membros do FOMC projeta que seja apropriado voltar a reduzir taxas este ano”, embora sem apontar qualquer data ou intervalo para estas possíveis mexidas.
“Vai depender dos dados que surgirem e também do mercado laboral”, explicou, projetando que a inflação suba ligeiramente durante o verão.
Andrew Bailey, do BoE, falou em “sinais de arrefecimento” da economia, incluindo no mercado laboral, e confirmou que “a tendência [para os juros] continua a ser decrescente”. Contudo, é mais prudente olhar apenas para a direção da política monetária, deixando em aberto os timings e magnitudes das decisões.
“Acho que o importante é olhar para quão restritiva é a política. […] Neste momento, a nossa avaliação é que a política continua a ser restritiva e continuará a sê-lo, embora com um grau de restritividade decrescente”, completou.
Esta visão contrastou com o cenário vivido no Japão, onde o episódio inflacionista chegou com um intervalo considerável em relação aos EUA e Europa e sem a mesma intensidade, levando a um pico no indicador de preços de 4,3% em janeiro de 2023. Para o governador Kazuo Ueda, a tendência subjacente à inflação nipónica é de queda, mas a postura monetária é distinta dos seus homólogos ocidentais.
“A taxa atual é abaixo da neutra”, considerou – ou seja, ao contrário dos bancos centrais europeus, os juros no Japão estão a estimular a economia. Ainda assim, a taxa de referência no país é a mais alta desde 2008, com 0,5%, refletindo também a prudência japonesa com a questão tarifária.
Por sua vez, Chang Yong Rhee, do Banco da Coreia, admitiu que o país, sendo pequeno e altamente exportador, está “bastante vulnerável à fragmentação”, mas lembrou que “as empresas coreanas andam há muito a preparar-se para a diversificação no abastecimento”.
“Em termos relativos, estamos bem preparados”, projetou, embora reconhecendo que os impactos de uma tarifa de 25%, como sinalizou Trump no anúncio do ‘Dia da Libertação’, têm potencial para tirar mais de 1% do PIB sul-coreano.
Sintonia entre governadores atuais e passados (e, quiçá, futuros)
Antes, nas discussões da manhã, o atual governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, deixou reparos a um estudo apresentado a propósito do mercado laboral europeu – reparos esses ecoados por Vítor Constâncio, um dos antecessores de Centeno na liderança do banco central, e por Ricardo Reis, economista que tem sido apontado ao lugar após o fim do atual mandato.
O estudo de Benjamin Schoefer, da Universidade de Berkeley, na Califórnia, defende a ideia de que muitos dos sinais da ‘eurosclerose’ no mercado de trabalho europeu nos anos 80 se mantêm, sobretudo a rigidez institucional. Apesar de já não se verificar um elevado desemprego, continua a existir pouca mobilidade laboral, barreiras à inovação e rigidez na definição salarial, o que cria desvantagens em relação aos EUA.
No entanto, esta visão foi prontamente rebatida por Centeno, que pediu que se vá “um pouco mais além nos números”, olhando, por exemplo, para os salários.
“Dos dez milhões de empregos criados nos últimos cinco anos, seis milhões são ocupados num país diferente do de origem do trabalhador”, apontou, como forma de defender que “há uma elevada mobilidade” no mercado de trabalho europeu.
Visitando o caso português, onde os dados sobre o mercado laboral são robustos, o governador relembrou que, “por cada emprego criado, foram celebrados dez novos contratos”, pelo que “os indicadores de proteção laboral apresentados não mostram a realidade do emprego”.
Assim, na linha de outros estudos já apresentados pelo BdP, os trabalhadores que mudaram de emprego tiveram ganhos salariais na ordem do dobro do resto do mercado, destacou.
Além de Centeno, também um dos seus antecessores, Vítor Constâncio, apontou o dedo ao estudo. A questão do financiamento e da disponibilidade de capital de risco faltou à análise, argumentou, o que cria uma diferença de fundo no paradigma empresarial em ambas as economias e torna o estudo “demasiado ambicioso”.
Pelo meio, Ricardo Reis, economista e professor universitário apontado como um dos mais fortes candidatos a suceder a Mário Centeno à frente do banco central, também relembrou os atrasos na União de Mercados e Capitais e a forma como tal influencia a capacidade de as empresas europeias concorrerem com as suas homólogas norte-americanas.
“Quando as empresas europeias crescem e se tornam unicórnios, vão para os EUA buscar capital, mas não dispensam os seus trabalhadores, o que sugere que o problema poderá ser sobretudo o financiamento”, ilustrou.
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