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“Maior conciliação” entre direitos: Governo dá tiro de partida na revisão da lei da greve

Luís Montenegro avisou que queria “pôr cobro” a greves “injustas”, como aquela que afetou a mobilidade de muitos durante a campanha eleitoral, e lançou o tema na primeira reunião de concertação social da nova legislatura. O objetivo, disse, sem levantar o véu sobre a proposta concreta do Governo, é “ter uma solução legislativa que garanta maior proporcionalidade entre o exercício de direitos e que assegure que, naquelas circunstâncias em que os serviços mínimos, por vicissitudes legais, não são possíveis, possam passar a ser garantidos para assegurar essa proporção”. A próxima reunião de concertação social ficou agendada para o dia 24 deste mês.
Luís Montenegro
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, discursa durante a apresentação do programa da participação de Portugal na Expo 2025 Osaka, em Lisboa, 16 de janeiro de 2025. RODRIGO ANTUNES/LUSA
3 Julho 2025, 07h00

O assunto ganhou gás em plena campanha para as legislativas de maio, devido a uma greve da CP (“um dia vamos ter de pôr cobro a isto”, avisou na altura Luís Montenegro). Foi incluído no programa do Governo e chega agora à mesa das negociações com os parceiros sociais, pela mão do primeiro-ministro: o executivo quer “revisitar a legislação laboral”, incluindo a lei da greve, de modo a que “em todas as ocasiões” haja serviços mínimos que garantam “uma maior proporcionalidade” entre direitos.

“Somos um país que tem uma legislação laboral que importa revisitar para poder dar às empresas maior capacidade de serem competitivas e aos trabalhadores a possibilidade de terem melhores perspectivas de segurança e de progressão nas respetivas carreiras”, começou por dizer o chefe do Governo na declaração aos jornalistas, no final da primeira reunião da Comissão Permanente da Concertação Social desta legislatura.

A esse propósito, revelou: “partilhei com os parceiros sociais a nossa pretensão de, em diálogo social, fazermos a avaliação das alterações à lei laboral, incluindo à lei da greve, permitindo uma conciliação maior entre a garantia inabalável do exercício do direito à greve, com respaldo constitucional, e outros direitos — o direito a trabalhar, o direito à mobilidade, para aceder a cuidados de saúde e para aceder a serviços públicos que são fundamentais à qualidade de vida das pessoas”, afirmou Luís Montenegro, acrescentando ainda que o Governo pretende que essa alteração “possa consagrar que, em todas as ocasiões, há serviços mínimos que não ponham em causa a proporção entre o exercício do direito à greve e o exercício dos restantes direitos dos demais trabalhadores”.

O primeiro-ministro não quis antecipar em concreto a proposta, justificando que será “objeto ainda de negociação e diálogo com os parceiros”, dando apenas nota do objetivo que pretende alcançar.

“O objetivo que pretendemos alcançar é ter uma solução legislativa que garanta maior proporcionalidade entre o exercício de direitos e que garanta que, naquelas circunstâncias onde os serviços mínimos, por vicissitudes legais, não são possíveis, possam passar a ser garantidos para assegurar essa proporção”, disse.

A prioridade dos patrões (e o lamento de João Vieira Lopes)

À saída da reunião, onde estiveram também o ministro das Finanças, Miranda Sarmento, e a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, as confederações patronais pediram que fosse dada prioridade à lei laboral e sublinharam não haver “tabus” sobre a lei da greve. Do lado das centrais sindicais, a UGT salientou estar disposta a “ouvir”. Já a CGTP acusou o Governo de querer “limitar o impacto” das greves.

Mas vamos por partes. O dia da reunião começou com um lamento do presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). João Vieira Lopes não conseguiu estar presente no arranque da concertação social por estar, àquela hora, numa conferência da CCP, ‘O Futuro da Europa: Modelo económico europeu e o esgotamento do milagre alemão’, em Lisboa.

“O primeiro-ministro convocou a concertação social para hoje às 10h00. Os governos anteriores, normalmente, acertavam com os parceiros sociais os dias da concertação social. Este Governo resolveu não fazê-lo”, lamentou, antevendo que possivelmente iria perder a intervenção de Luís Montenegro. E assim foi.

Ao Jornal Económico (JE), João Vieira Lopes disse não ter chegado a tempo de ouvir o primeiro-ministro na reunião que foi marcada “de forma repentina”, talvez por ser a primeira da legislatura. Sobre os temas que Luís Montenegro levou para a primeira reunião, o presidente da CCP lembrou que tem uma “lista de questões” para discutir naquela sede e nela não está a lei da greve, mas se o assunto for suscitado, garante que “não é tabu” para a CCP.

Seja como for, um dos pontos que João Vieira Lopes transmitiu ser necessário discutir é a legislação laboral, a questão do teletrabalho e do banco de horas. Outro dos temas que a CCP defende que deve ser discutido em sede de concertação social são as regras que o Governo quer implementar e que podem atrasar ainda mais a emissão de vistos a cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), uma imigração que trabalha essencialmente em pequenos estabelecimentos do comércio e restauração.

Também Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), considera ser altura de “revisitar de uma forma profunda a legislação laboral”, frisando que esta tem de ser “muito mais do que a definição do salário mínimo”.

No entender da CTP, a lei laboral “tem de ser mais moderna”, “atualizada”, bem como “ter uma carga ideológica menor”, defendeu, nomeando outros temas que devem ser revisitados, como o “contrato de curta duração, o contrato intermitente” e o banco de horas individual.

Quanto à lei da greve, Francisco Calheiros disse que o primeiro-ministro foi claro na intervenção que fez e sublinhou que o Governo não pretende “contestar esse direito”, mas apenas fazer ajustes. “Esse direito à greve tem de ser visto na forma como poderá, em determinadas situações, prejudicar milhares e milhares de pessoas”, referiu o presidente da CTP, quando afeta, por exemplo, setores da saúde e dos transportes.

Em sintonia, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) assinalou que a lei da greve deve manter-se “no sentido de garantir os direitos dos trabalhadores”, mas lembrou que esse direito não pode colidir e impedir “o direito ao trabalho”. “Há direitos que não podem ser levados ao excesso”, posicionou-se Armindo Monteiro.

Do lado das centrais sindicais, há quem esteja disposto a ouvir e quem dispare já contra a intenção do Governo. Para o secretário-geral da UGT, Mário Mourão, “não há necessidade de mexer na lei da greve para resolver problemas que têm acontecido”, mas não é por isso que não está disposto a ouvir e a dialogar com o Governo. O que não significa que haja “acordo a qualquer custo”, também alertou.

“Estamos dispostos, sim, a dialogar, a negociar e a encontrar aquilo que são os pontos para acordos na concertação social, porque é para isso que existe o diálogo na concertação social. Há várias matérias que vão estar em cima da mesa, como a alteração à legislação laboral e, portanto, vamos ver que propostas vão existir relativamente a essa questão, sendo certo que nós discutiremos tudo, mas não acordamos tudo”, declarou Mário Mourão.

Já Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, apontou baterias ao executivo, acusando-o de querer “limitar o impacto” das greves e disse haver “já setores em que os serviços mínimos que são estipulados são superiores ao dia normal de funcionamento que existe nos serviços”.

Segundo os parceiros sociais, a próxima reunião de concertação social foi marcada para o dia 24 de julho, altura em que serão definidos os calendários das matérias a abordar. Montenegro, que presidiu à reunião desta quarta-feira, delegou na ministra do Trabalho essas funções doravante, como habitual.

Com Lusa

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