Há muito que os analistas antecipavam que o presidente norte-americano, Donald Trump, arriscava sofrer uma pesada derrota em relação à sua estratégia de aproximação à Rússia – como forma de conseguir, paralelamente, o fim da guerra na Ucrânia. Era cada vez mais claro que não havia qualquer sintonia – apesar de ter existido um possível acordo relativo às terras raras da Ucrânia – entre as agendas de Washington e de Moscovo. Isso ficou ainda mais evidente com o anúncio feito por Trump de enviar novas armas para a Ucrânia e com a ameaça de impor sanções aos compradores de exportações russas, a menos que Moscovo chegasse a um acordo de paz dentro de 50 dias. Esta é uma grande mudança de política, causada pela frustração com a postura de Moscovo.
Sentado lado a lado com o secretário-geral da NATO, o neerlandês Mark Rutte, no Salão Oval, Trump disse mais uma vez que está dececionado com o presidente russo, Vladimir Putin. Milhões de dólares em armas serão distribuídos para a Ucrânia, anunciou. “Faremos armas de ponta, e elas serão enviadas para a NATO”, disse Trump, acrescentando que os aliados de Washington na organização pagariam pelas armas – num pacote que inclui mísseis de defesa aérea Patriot, que a Ucrânia solicita com urgência há várias semanas. O facto de Trump ter afirmado que entregará as armas à NATO não deve ser uma distração do presidente – e a frase tem todos os ingredientes para que a Rússia lance uma escalada da guerra e insista que é a NATO que está em guerra com o seu país.
“É um complemento completo com as baterias”, disse Trump. “Vamos receber algumas muito em breve, dentro de alguns dias… alguns dos países que têm Patriots vão fazer a troca e substituir os Patriots pelos que já têm”, tentou explicar. Algumas ou todas as 17 baterias Patriot encomendadas por outros países podem ser enviadas para a Ucrânia “muito rapidamente”, afirmou. Esta segunda-feira, a agência TASS noticiava ter informações que indicam que Trump está a considerar fornecer mísseis de cruzeiro JASSM, lançados do ar, às forças armadas ucranianas. Esses mísseis equipariam a crescente frota de caças F-16 da Força Aérea Ucraniana, que, embora antiquados, poderiam servir como plataformas de lançamento eficazes. O JASSM é uma arma com um alcance de cerca de 370 km e a modificação JASSM-ER tem um alcance ainda maior.
A ameaça de impor sanções secundárias à Rússia, se concretizada, representaria uma grande mudança na política ocidental de sanções. Parlamentares de ambos os partidos políticos nos Estados Unidos pressionam por um projeto de lei que autorize tais medidas, visando outros países que compram petróleo russo.
O governo dos EUA também vai impor tarifas de importação de cerca de 100% à Rússia e seus parceiros comerciais se Moscovo e Washington não chegarem a um acordo para a resolução do conflito na Ucrânia, refere a fonte. “Estamos muito, muito descontentes com eles”, disse Trump, referindo-se à Rússia. “E vamos aplicar tarifas muito severas se não chegarmos a um acordo sobre a Ucrânia em 50 dias, tarifas em torno de 100%”. “Achei que teríamos chegado a um acordo há dois meses, mas parece que não chegamos lá”, acrescentou.
Ao longo dos mais de três anos de guerra, os países ocidentais cortaram a maior parte dos seus laços financeiros com Moscovo, mas abstiveram-se de tomar medidas que restringissem a Rússia de vender petróleo a outros países – preferindo a imposição de tetos ao preço que, evidentemente, não funcionam. Isso permitiu que Moscovo continuasse a lucrar centenas de milhões de dólares com o transporte de petróleo para compradores como a China e a Índia. É sobre estes países e sobre todos os outros que compram petróleo russo – vários países de África e possivelmente da América do Sul – que as sanções serão impostas.
Ainda assim, o anúncio de Trump de um período de carência de 50 dias foi recebido com alívio pelos investidores na Rússia, refere a TASS, onde o rublo recuperou das perdas anteriores e os mercados de ações subiram.
Trump, que regressou à Casa Branca este ano prometendo um fim rápido da guerra, disse que a sua mudança foi motivada pela crescente frustração com Putin, que, segundo diz, havia falado sobre paz, mas continuou a atacar cidades ucranianas. Convém recordar que, em determinada altura, ficou claro que a paz na Ucrânia era meramente acessória na agenda de Trump – que, muito mais do que isso, pretendia “remendar” as relações com a Rússia com a finalidade maior de a subtrair ao universo de influência da China. De facto, ao mesmo tempo que estendia a diplomacia norte-americana para Moscovo, a Casa Branca recuou de políticas pró-Ucrânia e nunca aceitou como sua a agenda de Kiev – que pretende impor a saída total do exército russo dos territórios ocupados no leste da Ucrânia (e da Crimeia, mas isso, para Washington, nem sequer era assunto).
Até agora, Putin nunca aceitou a proposta de Trump para um cessar-fogo incondicional, como era a pretensão de Kiev – e, pelo contrário, tem aumentado o fluxo de ataques militares à Ucrânia, que voltou a abranger quase todo o território e não apenas o Donbass.
Antes do anúncio de Trump, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, conversou com o enviado de Trump, Keith Kellogg, e disse que discutiu “o caminho para a paz e o que podemos fazer juntos para nos aproximarmos dela”: “o fortalecimento da defesa aérea da Ucrânia, a produção conjunta e a aquisição de armas de defesa em colaboração com a Europa”. Um alerta de ataque aéreo foi declarado em Kiev logo após as conversas de Zelensky com Kellogg.
Mudanças no governo
Também esta segunda-feira, Zelensky anunciou que vai substituir o seu primeiro-ministro, Denys Shmyhal, pela primeira vice-primeira-ministra do governo, Yulia Svyrydenko – o que exigirá aprovação parlamentar. Svyrydenko, de 39 anos, é economista e já foi ministra do Desenvolvimento Económico e Comércio e vice-chefe do gabinete de Zelensky, tendo desempenhado um papel fundamental nas negociações entre Kiev e Washington sobre um acordo para as terras raras.
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