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AGEFE: Setor eletrodigital “é um dos grandes viabilizadores” da transição energética

Nuno Lameiras, presidente da AGEFE – Associação Empresarial dos Setores Elétrico, Eletrodoméstico, Eletrónico e das Tecnologias da Informação e Comunicação, que acaba de completar 50 anos, falou com o Jornal Económico (JE) sobre a urgência da implementação de um programa de apoio à substituição de eletrodomésticos ineficientes, que tem sido adiada pelos vários Governos, bem como sobre os desafios que a indústria enfrenta. 
15 Julho 2025, 21h40

O setor eletrodigital nacional, que ultrapassa os cinco mil milhões de euros de volume de negócios, é um dos “grandes viabilizadores” da transição energética, defende Nuno Lameiras, presidente da AGEFE – Associação Empresarial dos Setores Elétrico, Eletrodoméstico, Eletrónico e das Tecnologias da Informação e Comunicação.

O responsável da AGEFE, que acaba de completar meio século e integra cerca de 160 empresas, falou com o Jornal Económico (JE) sobre a urgência da implementação de um programa de apoio à substituição de eletrodomésticos ineficientes, que tem sido adiada pelos vários Governos, bem como sobre os desafios que a indústria enfrenta. 

 

O que é o programa de apoio à substituição de eletrodomésticos ineficientes?

Queremos que a eficiência energética chegue a todas as famílias, trocando equipamentos antigos por novos mais eficientes, com um apoio financeiro simples.

Por isso defendemos a urgência da implementação de um programa de apoio à substituição de eletrodomésticos ineficientes, projeto que tem sido sucessivamente adiado desde 2008 pelos sucessivos Governos.

O consumo anual de uma máquina de lavar roupa ou de um frigorífico das classes mais eficientes pode hoje ser 60% inferior ao de um equipamento adquirido há 10 ou 12 anos. Com um pequeno incentivo que facilite essa renovação, damos tradução prática à eficiência energética como autêntica fonte de energia — e tornamos possível uma redução significativa na fatura das famílias e do país.

Garantimos também que os equipamentos recolhidos sigam os canais adequados para a sua reciclagem, promovendo uma economia mais circular e sustentável.

 

O projeto tem sido adiado desde 2008 pelos sucessivos Governos. Algum Executivo se mostrou mais próximo da ideia? O que tem falhado?

Faltou o essencial: calendarização, dotação orçamental e execução. Ou seja, passar da intenção à prática. Ao longo dos anos, vários governos anunciaram ou previram programas de substituição de eletrodomésticos ineficientes – mas ficaram no papel.

Desde novembro, temos ouvido com frequência a Ministra do Ambiente referir um novo programa, o chamado E-Lar. Pode ser que finalmente se avance. Contudo, como ainda não conhecemos o modelo, os critérios ou os montantes envolvidos, há receio de que esta seja mais uma oportunidade adiada.

O país não precisa de mais anúncios: precisa de medidas concretas, justas e eficazes.

 

Como descreve o perfil da indústria eletrodigital em Portugal? E como tem evoluído nas últimas décadas? Quanto representa?

A indústria eletrodigital é hoje um setor maduro, aberto e fortemente europeu, integrado em cadeias globais de fornecimento e com elevada intensidade concorrencial. Está presente em todas as dimensões da vida moderna — desde as infraestruturas elétricas e digitais até ao conforto e à eficiência energética dos edifícios.

Em Portugal estão representados os principais fabricantes nacionais e mundiais de material elétrico, eletrodomésticos, eletrónica, TIC e soluções de mobilidade elétrica. A AGEFE integra também os distribuidores especializados destas tecnologias, que, com a crescente sofisticação das ofertas, assumem um papel decisivo na disseminação e implementação de soluções mais inteligentes, confortáveis, seguras, conectadas e sustentáveis em todo o território.

O setor representa atualmente mais de 5 mil milhões de euros de volume de negócios e cerca de 11 mil trabalhadores, com uma oferta qualificada, inovadora e ancorada em normas e regulamentos europeus.

Mais do que um percurso de cinco décadas, celebramos a centralidade crescente destas soluções na nossa vida como cidadãos e profissionais — e o compromisso da AGEFE em continuar a representar, estruturar e projetar o futuro deste setor vital para a economia portuguesa e para a vida das pessoas.

 

Que programas ou iniciativas destaca no percurso da associação?

Ao longo destas cinco décadas, a AGEFE teve intervenção relevante em diversas frentes estruturantes para o setor eletrodigital em Portugal. Destaco, desde logo, o papel pioneiro em matérias de eficiência energética, sustentabilidade e gestão de resíduos — áreas em que os nossos associados foram dos primeiros a criar entidades gestoras como a Ecopilhas, o ELETRÃO ou a ERP Portugal, assegurando uma abordagem responsável ao ciclo de vida dos produtos.

No campo da segurança elétrica, o contributo da AGEFE foi determinante através da sua participação na CERTIEL, promovendo a qualidade das instalações e a proteção dos utilizadores.

Em matéria laboral, a AGEFE esteve na origem da estruturação da contratação coletiva no setor, com um papel ativo na concertação social e na defesa de uma regulação ajustada às especificidades das empresas e do novo mundo do trabalho.

No plano regulatório e institucional, a AGEFE tem sido uma voz qualificada e exigente junto dos poderes públicos. Participámos ativamente em temas como: a cópia privada, o regime das garantias dos bens de consumo, a conceção ecológica, a mobilidade elétrica, a produção descentralizada, a economia circular e a nova agenda para o consumidor.

Em todos estes dossiês, a AGEFE tem contribuído com conhecimento técnico, visão estratégica e sentido de equilíbrio — reforçando o seu papel como ponte entre empresas, consumidores e decisores públicos, e como um ator central no desenvolvimento sustentável e competitivo do setor eletrodigital.

 

Quais os principais desafios que o setor enfrenta? E comparando a nível europeu?

O principal desafio do setor eletrodigital em Portugal é este: como criar e reter valor no país, num mundo cada vez mais exigente, globalizado e em transformação acelerada.

Trata-se de uma questão estrutural e estratégica — e ninguém está melhor posicionado do que a AGEFE para ajudar a construir essa resposta. Por isso, lançámos o Desafio 2050, um projeto que tem como objetivo identificar as condições essenciais para: (1) aumentar o valor acrescentado nacional, (2) atrair mais investimento tecnológico, (3) afirmar Portugal como hub europeu de inovação e distribuição nestes setores.

As conclusões preliminares deste estudo serão apresentadas no dia 18 de novembro, no evento comemorativo dos 50 anos da AGEFE.

A nível europeu, este desafio liga-se a um movimento mais vasto: o da procura de autonomia estratégica da Europa — que, face a parceiros cada vez menos fiáveis, pretende reindustrializar e ganhar nova centralidade produtiva.

Também Portugal precisa dessa ambição. Temos talento, localização e capacidade técnica. O que precisamos agora é de um quadro de políticas públicas que permita transformar esse potencial em valor real — económico, social e tecnológico.

 

Como é que o tema ambiental tem marcado o setor?

A sustentabilidade está no ADN do setor eletrodigital — não apenas como exigência legal, mas como compromisso de inovação responsável com a sociedade e com o planeta.

Os nossos associados têm tido um papel pioneiro na descarbonização da economia, seja através de soluções para a mobilidade elétrica, para a produção e distribuição inteligente de energia, para a eficiência no consumo, ou para a gestão circular dos produtos em fim de vida.

Este setor não é apenas parte da transição energética — é um dos seus grandes viabilizadores. E é por isso que temos de continuar a investir, regular com equilíbrio e garantir que as políticas públicas reconhecem o nosso papel como aliados centrais da neutralidade carbónica.

 

Quantos associados fazem parte da AGEFE? Quais as principais preocupações relatadas?

Atualmente a associação integra cerca de 160 empresas, com um volume de negócios global de mais de cinco mil milhões de euros e cerca de 11 mil trabalhadores.

As principais preocupações dos nossos associados prendem-se com a imprevisibilidade e a complexidade crescente do quadro legal e regulatório, que geram custos significativos de cumprimento (compliance) e incerteza na tomada de decisão.

Ao mesmo tempo, há a perceção clara de que o Estado nem sempre assegura o cumprimento efetivo das normas — o que coloca as empresas cumpridoras em desvantagem e afeta negativamente a concorrência leal.

 

E como é que tem evoluído em termos de regulação?

Em termos de evolução regulatória, assistimos a uma proliferação de normas, obrigações e exigências, muitas vezes desenhadas sem contacto real com o terreno. Isso prejudica a competitividade das empresas, sobretudo das PMEs, que representam 99% do tecido empresarial nacional.

O setor precisa de uma regulação mais previsível, equilibrada e tecnicamente fundamentada, que reconheça que o objetivo último da atividade económica é criar valor, emprego e inovação — e não apenas gerar regras.

Libertar as empresas de custos burocráticos improdutivos é o primeiro passo para desbloquear o verdadeiro potencial económico do país. É por isso que recebemos com sentido positivo as intenções manifestadas pelo Governo neste domínio — e estamos disponíveis para colaborar ativamente nesse caminho de simplificação e competitividade.

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