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80ª Assembleia Geral da ONU tem início com foco no Estado da Palestina

Dez países – entre eles o Reino Unido, especialmente simbólico – entraram na muito extensa lista dos que reconhecem o Estado da Palestina. O assunto promete ser preponderante na Semana de Alto Nível, que decorre nos próximos dois dias. Mas os assuntos em análise vão mais longe que o Médio Oriente.
22 Setembro 2025, 07h00

Apesar de todas as pressões da Casa Branca – nomeadamente na inenarrável utilização das tarifas como método de persuasão – Reino Unido, Canadá, Austrália, Andorra, Bélgica, Luxemburgo, Malta, São Marino e Portugal, que o fez este domingo (como outros), vão aproveitar o início da 80ª Assembleia-Geral da ONU, que começa esta terça-feira em Nova Iorque, para reconhecer o Estado da Palestina. Juntam-se assim aos 146 dos 193 Estados soberanos membros da ONU que já o fazem – agregando assim um total de mais de 80% do globo, que Israel considera ser anti-semita, promotor do terrorismo e defensor da barbárie perpetrada pelo Hamas em 7 de outubro de 2023.

A decisão – para além de alinhar os países com as decisões soberanas da ONU em termos de Direito Internacional – resulta do horror que a guerra em Gaza tem motivado um pouco por todo o globo, com Israel a manter uma inexplicável atitude de recusa em reconhecer os erros que ali tem cometido. E que, convém recordar, foram apelidados de genocídio pela própria ONU.

Donald Trump, o presidente do país que se posiciona como o mais consolidado apoiante do Estado hebraico – apesar de no início, em 1948, não ser assim: nessa altura Israel estava mais próximo da União Soviética – tentou, explicitamente no caso do Canadá, demover estes dez países de seguirem a posição dos restantes 146. Recentemente, na sua visita ao Reino Unido, Trump voltou ao assunto, mas mais uma vez foi mal recebido: o primeiro-ministro, Keir Starmer, não se deixou intimidar.

Por razões históricas – mas também pela posição do país no cômputo global – a decisão do Reino Unido é especialmente simbólica, dado seu importante papel na criação do Estado de Israel como uma nação moderna após a Segunda Guerra Mundial. Convém contudo não esquecer que os devaneios diplomáticos dos britânicos – no que foram auxiliados pelos franceses (os dois Estados que assumiram em determinada altura o protetorado de parte do Médio Oriente) – foram uma das causas do problema atual. De facto, os britânicos trataram de prometer tudo a toda a gente, judeus e árabes, entre a I e a II guerras mundiais (de 1918 a 1939), criando uma situação que só os mais distraídos podiam supor que iria resultar. Não resultou – como ficou mais ou menos claro a partir da Declaração Balfour (1917). Por tudo isto, a posição do Reino Unido é especialmente importante.

“Hoje, para reavivar a esperança de paz para os palestinianos e israelitas, e uma solução de dois Estados, o Reino Unido reconhece formalmente o Estado da Palestina”, disse o primeiro-ministro Keir Starmer nas redes coais este domingo.

“O Canadá reconhece o Estado da Palestina e oferece a nossa parceria na construção da promessa de um futuro pacífico tanto para o Estado da Palestina como para o Estado de Israel”, disse por seu lado o primeiro-ministro canadiano, Mark Carney, este domingo.

O ministro da Segurança de Israel, Itamar Ben-Gvir – um dos visados pela proposta de sanções da Comissão Europeia – disse que as decisões do Reino Unido, Canadá e Austrália este domingo (ter-se-á esquecido de Portugal!) foram uma recompensa aos “assassinos” do Hamas. Ben-Gvir disse ainda que vai propor, na próxima reunião de gabinete, a aplicação da soberania na Cisjordânia — a anexação de facto das terras que Israel tomou na Guerra dos Seis Dias (1967). E aconselhou a que a Autoridade Palestiniana, que exerce uma autonomia muito limitada na Cisjordânia, seja desmantelada.

Alemanha no comando

A 80ª Assembleia-Geral da ONU começa com a chamada ‘Semana de Alto Nível’ (que tem lugar esta segunda-feira e encerrará dois dias depois), onde os chefes de Estado e de governo se reúnem para o Debate Geral. Outro evento muito aguardados será a Conferência para a Solução de Dois Estados, organizada pela França e pela Arábia Saudita e na qual vários países irão oficializar o reconhecimento do Estado palestiniano. É impossível que o tema de Israel e da Palestina não venha a ser preponderante ao longo das imensas e curtas declarações dos chefes de Estado e de governo, mas o certo é que a AG tem mais temas. Com a designação oficial ‘Melhores Juntos: 80 anos e além pela paz, desenvolvimento e direitos humanos’, a AG celebra os 80 anos de uma organização que começou mal: foi criada para ultrapassar a ineficácia da Liga das Nações (suprimida em 1946, um ano depois da criação da ONU), que não conseguiu impedir a II Guerra.  Este carácter de ‘substituição’ foi o ponto de partida das críticas que acompanharam a sua criação – segundo as quais mais um organismo nunca seria capaz de parar com as guerras. Nesse contexto, os críticos acertaram: a guerra de França na Indochina começou logo em 1946, o confronto entre a China e os Estados Unidos deu-se a partir de 1951 na Península da Coreia, e assim por diante, até hoje: nunca o mundo teve capacidade para estar todo ele, ao mesmo tempo, em paz.

Mas, mais recentemente – e desde logo a partir do momento em que a ONU e o seu secretário-geral, o português António Guterres demoraram a reagir à invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022 – a organização é acusada de ser crescentemente inoperante. A sua alta direção defende-se, dizendo que a capacidade de veto dos cinco membros do Conselho de Segurança (Rússia, EUA, Reino Unido, França e China) é na prática uma força de bloqueio. Mas também se avolumam as críticas de que esse conselho de segurança (criado em 1946, numa altura em que só os Estados Unidos tinham acesso a armamento nuclear, e que tem mais dez membros não-permanentes e sem direito de veto) não só não representa as forças mundiais entretanto desenvolvidas, como deixa de lado uma parte substancial das lideranças entretanto estabelecidas. Em alguma altura, dizem os críticos, e quanto mais cedo melhor, a organização terá de lidar com a sua própria refundação, sob pena de perder relevância e de ser tão ineficaz como a defunta Liga das Nações.

Estas críticas com certeza que estarão no espírito da alemã Annalena Baerbock, que assumiu este mês a presidência da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Ex-ministra das Relações Exteriores da Alemanha é a quinta mulher em 80 anos a ocupar o cargo. No seu discurso após a votação, Baerbock falou num movo ciclo, que será um momento crucial para a organização. E citou os campos político e financeiro, além dos mais de 120 conflitos armados que lembram que a missão primordial das Nações Unidas, de “salvar as gerações futuras do flagelo da guerra”, continua inacabada.

De qualquer modo, o Médio Oriente não é o único tema que estará em destaque. Segundo a própria organização, o multilateralismo e a cooperação global – torpedeados pela administração Trump; os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS); a ação climática, a Inteligência Artificial (IA); a igualdade de género e a juventude; e o financiamento ao desenvolvimento serão temas que se juntam à questão da Palestina e à reforma da ONU no topo da agenda da Assembleia-Geral.

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