Nas últimas duas eleições legislativas, em 2024, e já este ano, quase três quartos da população residente terá exercido o seu direito de voto, 75% e 73%, respetivamente, um valor substancialmente mais elevado do que os 66% e 64% oficiais.
A revisão desta estimativa é uma das conclusões do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos “Abstenção Eleitoral em Portugal: Mecanismos, Impactos e Soluções”, divulgado esta sexta-feira. A investigação, considerada a mais extensa sobre causas e consequências da abstenção em Portugal, faz, aliás, uma revisão de todas as taxas de participação eleitoral no país nos quatro tipos de eleição.
O padrão encontrado, embora não seja surpreendente, é “relevante”: “Verifica-se em Portugal um fenómeno de abstenção técnica de dimensão não negligenciável”, assinala ao Jornal Económico (JE) José Santana Pereira, professor de Ciência Política do Iscte, que coordenou o estudo juntamente com João Cancela, investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
A análise feita pelos dois politólogos revela que, ainda que o fenómeno da abstenção técnica não seja novo, as suas caraterísticas mudaram. “Há algumas décadas, este problema resultava sobretudo dos chamados ‘eleitores-fantasma’ – cidadãos que permaneciam inscritos nos cadernos eleitorais mesmo após o seu falecimento, devido à ineficiência na atualização desses registos”, refere Santana Pereira.
Mas hoje em dia, sublinha, a abstenção técnica resulta da existência de uma “proporção significativa de cidadãos portugueses recenseados em território nacional que residem no estrangeiro e optaram por não alterar a sua morada oficial, por motivos diversos, que vão de razões práticas a razões sentimentais”, explica o professor do Iscte, assinalando que o fenómeno tem expressões distintas de região para região, sendo mais intenso no interior norte.
A investigação conclui também que em eleições legislativas, presidenciais e europeias, a participação é mais elevada nas zonas urbanas, enquanto nas autárquicas os eleitores das zonas rurais e híbridas tendem a votar mais.
Outro dos padrões aferidos no trabalho, que envolveu um inquérito a 2.405 eleitores, prende-se com a importância do dever cívico como fator de participação eleitoral. “Este sentimento corresponde à ideia de que votar não é apenas um direito, mas um dever, e faz com que a abstenção gere sentimentos de culpa. O nosso estudo indica que esta perceção é mais forte entre eleitores mais velhos, mais instruídos, com práticas religiosas mais frequentes e pertencentes a classes sociais mais altas”, destaca o professor de Ciência Política do Iscte.
O estudo indica ainda que, ao contrário do que se verifica em muitos países, os votantes intermitentes e os abstencionistas em Portugal “posicionam-se ligeiramente mais à direita”. Além disso, preferem ser representados por políticos não profissionais.
Entre as narrativas e os argumentos dos abstencionistas sobre as razões que levam os cidadãos a não votar destacam-se a desconfiança na política e nos políticos, a perceção de ineficácia do seu voto para efetivar mudanças, o desinteresse pela política e a insatisfação face à oferta partidária existente, associada à perceção de que os partidos não se distinguem entre si.
Os representantes políticos corroboram estas ideias e reconhecem a contribuição dos partido no afastamento dos cidadãos. Uma parte justifica que alguns cidadãos tomam a democracia e o bem-estar social como garantidos.
Voto aos 16 deve ser testado
Para combater a abstenção em Portugal, os politólogos fazem um conjunto de recomendações: “Estimular o dever cívico através de intervenções escolares, logo no 1º ciclo; integrar conteúdos de cidadania ativa em programas para cidadãos recém-naturalizados; expandir o voto antecipado em mobilidade; realizar um teste-piloto de redução da idade de voto para os 16 anos; e relançar o debate sobre a introdução de um círculo nacional de compensação”.
E desaconselham o voto online, pelos riscos de segurança inerentes, e o voto obrigatório, devido à “baixa aceitação social e aos riscos de comprometer a liberdade individual e de gerar votos pouco informados”.
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