A Comissão Europeia apresentou esta quarta-feira uma proposta de simplificação das regras aplicáveis no mundo digital, incluindo o adiamento da entrada em vigor do pacote legislativo sobre inteligência artificial (IA) e o relaxamento da proteção de dados dos consumidores. As medidas visam, segundo Bruxelas, facilitar a inovação empresarial no bloco europeu e reduzir custos, mas as críticas têm surgido de vários quadrantes, alertando para um ataque às liberdades dos cidadãos numa estratégia política que parece desenhada para agradar à administração norte-americana e às grandes tecnológicas daquele país.
A proposta do ‘Omnibus Digital’, mais uma na linha dos pacotes legislativos de simplificação que a Comissão Europeia tem vindo a apresentar, inclui alterações significativas ao Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) e ao tipo de informação que as empresas podem utilizar para treinar modelos linguísticos de larga escala, entre outros aspetos. Segundo o texto que acompanhou a apresentação da proposta, as empresas europeias “passarão agora menos tempo em trabalho administrativo e de compliance e mais tempo a inovar”, o objetivo explícito das alterações.
Na prática, os dados pessoais considerados sensíveis, como sexualidade ou religião, continuariam protegidos, mas esta classificação tornar-se-ia menos abrangente. Tal permitirá às empresas explorarem dados recolhidos de forma indireta, como os hábitos de navegação na internet, para treinarem modelos de IA. Também na senda da IA, as regras que deveriam entrar em vigor nos próximos meses foram adiadas, passando a estar dependentes da “disponibilidade das ferramentas de apoio” até um máximo de 16 meses, segundo o comunicado da Comissão.
Por outro lado, o consentimento explícito dos utilizadores quanto à recolha de cookies (o pop-up que desde 2018 aparece aos navegadores europeus quando abrem uma nova página) deixaria de ser pedido, reduzindo os custos associados para as empresas. Caso não queiram a recolha destes dados, os consumidores passarão a ter de ativamente pedir tal às empresas.
Estas medidas estão a ser vistas como um ataque à proteção dos cidadãos europeus no espaço digital, por um lado, e como uma cedência a Trump e às ‘big tech’ norte-americanas, que há muito se opõem a esta legislação. Com base num rascunho divulgado na passada semana, um grupo de 127 organizações da sociedade civil encabeçado pela Amnistia Internacional classificou a proposta como “o maior retrocesso nos direitos digitais fundamentais da história da UE”.
As alterações propostas ficam em linha com as críticas repetidas de gigantes como a Google ou Meta, que foram recentemente multadas em milhares de milhões de euros por Bruxelas pela quebra das leis associadas à proteção de dados dos consumidores.
Em sentido inverso, algumas medidas têm sido bem acolhidas pelo sector e sociedade civil. A simplificação do reporte em casos de falhas de segurança, que passa a ser centralizado numa só plataforma, é vista como positiva, dado que diminui a complexidade para as empresas sem colocar em causa a proteção dos consumidores.
“Enquanto não tem praticamente benefícios reais para a maioria das pequenas e médias empresas europeias, as alterações propostas são um presente para as grandes tecnológicas norte-americanas, ao abrirem muitas lacunas legais novas para serem exploradas”, acrescenta o comunicado da Noyb, uma organização não-governamental (ONG) austríaca focada na privacidade. A nota de imprensa relembra ainda que a maioria dos Estados-membros pediu explicitamente que o RGPD não fosse revisitado, pelo que a proposta conhecida esta quarta-feira parece não ter correspondência política.
Segundo documentos vistos e citados pelo ‘Politico’, Áustria, França, Eslovénia e Estónia posicionam-se firmemente contra as mudanças ao RGPD, enquanto a Alemanha defende a iniciativa. Já a Polónia, Chéquia e Finlândia abrem a porta a mexidas pontuais.
O pacote será agora debatido no Parlamento, onde deverá originar discussões acesas dada a divisão entre as várias famílias políticas europeias, e depois no Conselho, sendo expectável que o processo demore ainda alguns meses.
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