A Defesa vai dispor de mais de 4,74 mil milhões de euros até 2030 para reequipar as Forças Armadas – num valor global, acrescido das verbas comunitárias da Cooperação Estruturada Permanente (PESCO), que deverá rondar os 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Durante uma apresentação-debate efetuada esta semana na sede da SEDES, em Lisboa, em entrevista ao Jornal Económico, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), almirante António Silva Ribeiro, defendeu que estas verbas devem servir para promover a indústria e as universidades portuguesas e para repor efetivos e compensar a falta de militares sentida nos três ramos das Forças Armadas.
A Lei de Programação Militar (LPM), agora aprovada no Parlamento, será um primeiro passo no sentido das Forças Armadas conseguirem ultrapassar problemas orçamentais? Partindo do princípio que depois não terão cativações…
A LPM é uma excelente lei e prevê mecanismos que não têm cativações. As cativações não são aplicáveis à LPM e isso dá-nos de facto garantias que estes programas de reequipamento tão importantes para a Força Aérea – veja os programas dos novos KC-390, que deverão substuir os nossos C-130, que são aviões que vieram para Portugal quando eu acabei a Escola Naval, em 1978, e que estão em fim de vida, já com uma manutenção muito difícil. Mas também são importantes para o Exército, com os programas do equipamento do soldado do futuro, além de outros programas para quadriénios subsequentes, e igualmente para a Marinha, permitindo a construção de seis navios-patrulha…
Terão um total de dez…
Sim, para ficarmos com um total de dez navios-patrulha. Bem como a modernização das fragatas Vasco da Gama e a nova capacidade de ciberdefesa, ao nível do EMGFA. Esta LPM representa um grande esforço que o país está a fazer no sentido de manter as capacidades militares adequadas ao que nós necessitamos para cumprirmos as nossas missões.
Também pressupõe apoios comunitários. As verbas da LPM serão complementadas com fundos da União Europeia?
Poderão ser complementadas pelos fundos comunitários. A União Europeia tem previstos mais de 20 mil milhões de euros para uma primeira fase dos projetos PESCO [acrónimo inglês para Cooperação Estruturada Permanente]. Mas a atribuição ainda não está feita…
São verbas que terão de ser distribuídas por vários países, dinheiro que não vem todo para Portugal…
Não. Aliás, seria desproporcionado às nossas capacidades. Mas Portugal está envolvido em sete projetos da PESCO e evidentemente candidatar-se-á a alguns desses fundos. Isso será uma possibilidade de ainda aumentarmos um pouco mais o nosso investimento na Defesa, aproximando-nos dos 2% do PIB, de acordo com os compromissos de Gales.
Os 2% do PIB só serão atingidos se adicionarmos os apoios comunitários?
Sim, com os apoios da União Europeia.
A capacitação que resultar desses novos investimentos permitirá garantir o cumprimento das responsabilidades na extensão da área marítima que Portugal vai receber?
É um passo nesse sentido. Como se entenderá, a extensão da plataforma continental marítima cria responsabilidades ao Estado numa área que é 42 vezes superior ao território emerso. É um passo no sentido de desenvolvermos os meios sobretudo aéreos e navais para exercermos a autoridade do Estado nesse espaço. Também não seria de esperar que nenhum país com o espaço marítimo gigantesco que Portugal vai ter para exercer novos direitos, ao abrigo da Convenção das Nações Unidas e do Direito do Mar, conseguisse identificar todas essas capacidades de um momento para o outro.
Esse trabalho de longo prazo terá reavaliações intercalares?
Temos de manter um projeto de investimento determinado e bem focado nas próximas décadas – a LPM é para os próximos 12 anos -, mas será revista de quatro em quatro anos, pelo que daqui a quatro anos teremos de fazer uma revisão dos valores consagrados. No entanto é absolutamente indispensável que se vão criando condições para que os meios que vão atingindo a obsolescência logística ou até a obsolescência tecnológica possam ser renovados e nós consigamos manter as capacidades.
As fragatas portuguesas serão um dos principais meios operacionais nesta grande área marítima. Quando terão de ser substituídas?
Há desafios determinantes para o nosso país neste quadro aeronaval, desde logo para as nossas fragatas, que vão ser objeto de um programa de modernização e elas poderão durar mais dez anos, mas daqui a dez anos temos de pensar em comprar novos navios.
E as próximas fragatas serão construídas em estaleiros estrangeiros?
Eu, como cidadão português, gostava muito que os nossos estaleiros de Viana do Castelo fossem adquirindo as competências tecnológicas nessa área de especialização para depois poderem construir navios à nossa dimensão. Também gostaria que as nossas universidades e a nossa indústria pudessem participar nesse esforço, porque uma fragata custa entre 700 a 800 milhões de euros. Se esse dinheiro pudesse ser investido na nossa indústria, alimentando-a e dinamizando-a, isso traria riqueza ao país. Se esse dinheiro for empregue a comprar estes meios a outros países não concede grandes benefícios aos nossos estaleiros ou às nossas empresas, nem às nossas universidades.
Se Portugal não conseguir ter os meios necessários ao cumprimento das suas responsabilidades nesta zona marítima alargada, o país pode perder o direito à gestão desta vasta zona marítima?
O direito internacional atribui-nos esses espaços quer tenhamos, ou quer não tenhamos, capacidades. É um direito que está consagrado na Convenção das Nações Unidas. Agora, todos sabemos como é que funciona o sistema político internacional. Tendo recursos no fundo do mar que são essenciais ao desenvolvimento dos países, se não tivermos capacidades para identificar os recursos – capacidades científicas e tecnológicas –, se não tivermos capacidades para os explorar, é evidente que o nosso país vai sofrer pressões extraordinárias e, portanto, haverá outras potências com essas capacidades que virão cá para explorar esses recursos.
Nesse caso, o que sobraria para Portugal?
Certamente uma percentagem de benefício para os nossos cidadãos menor do que aquela que decorrerá se nós tivermos esses meios. Agora, as questões da extensão da plataforma continental não podem ser só vistas de uma perspetiva securitária. Muito antes disso, temos de pensar em desenvolver capacidades científicas e tecnológicas para identificar os nossos recursos e para depois os explorar. Aqui podemos fazer parcerias estratégicas com outros países que têm essas tecnologias – por exemplo, o Brasil, que é um país irmão e que tem tecnologia para explorar os grandes fundos, sobretudo no sector da indústria petrolífera e dos minerais que existem nos fundos marinhos – sendo as parcerias instrumentos adequados para garantir a vigilância de que os recursos serão explorados de acordo com aquilo que forem as normas que o Estado português venha a definir. Mas depois também há tranquilidade, paz e segurança onde essas atividades se realizem para que possam ser concretizadas com a perspetiva económica de criar benefícios para a sociedade portuguesa.
Relaticamente à necessidade de captação de mais jovens para os três ramos das Forças Armadas, o atual nível de baixos salários dificilmente conseguirá atrair novos efetivos para as carreiras militares. Qual é a solução?
É verdade. Em 2004, um soldado ganhava mais 118 euros que o ordenado mínimo nacional. Hoje só ganha mais 2,90 euros. Basta pensarmos neste exercício simples: qual é o jovem que vem, por exemplo, do Algarve para Lisboa ou para outra cidade, para o serviço militar, quando sabe que se ficar na sua cidade, na sua terra, perto da família e dos seus amigos, se trabalhar sem grandes despesas de transporte, nem horários de trabalho sem compensações de horas extra, ganha mais e tem uma vida mais confortável? Muitas vezes há relutância em falar das questões financeiras em âmbito militar, mas elas têm a sua importância. É claro que não é só isso que faz com que haja pouca atratividade das Forças Armadas.
Como poderão tornar as carreiras militares mais atrativas para os jovens?
O Exército e a Força Aérea estão a pensar em fazer o mesmo que a Marinha fez: uma carreira para os quadros permanentes de praças. Além disso, também há – e ainda bem – uma maior atratividade por parte dos agentes económicos que oferecem condições aos nossos jovens. Trata-se de um conjunto de problemas perfeitamente identificados e que têm vindo a ser resolvidos: por exemplo, um dos que foi resolvido foi o alargamento do regime de contrato para 18 anos. Mas há outras medidas relativamente às quais temos de refletir e sobre as quais temos vindo a trabalhar com o Ministério da Defesa no sentido de identificarmos os problemas para depois criarmos condições para que haja possibilidade das Forças Armadas terem os recursos humanos necessários – que eu situo na ordem dos 30 mil a 32 mil militares. A falta de militares faz com que os que estão ao serviço tenham regimes de utilização muito mais intensa. Por exemplo, o Exército, que vive muito das suas missões do emprego de praças, tem uma carência de cerca de 4000 praças neste momento e era muito importante que isso se conseguisse resolver.
Relativamente a tudo o que se passou no paiol de Tancos, será que vai ser finalmente esclarecido?
Tancos foi um problema muito grave que não devia ter acontecido. Mas a situação de Tancos, uma vez ocorrida, teve logo um conjunto de ações que levaram a que se resolvesse o problema de segurança das munições, e elas foram transferidas para outros paióis do Exército, da Força Aérea e da Marinha…
Desse ponto de vistapode dizer-se que o problema serviu de exemplo?
Sim. E o problema não se vai repetir, evidentemente. Agora a questão de Tancos é uma questão do foro judicial. As Forças Armadas não devem, não podem e sobretudo o Exército não pode ser confundido com Tancos, como muito bem têm demonstrado os nossos soldados na República Centro-Africana. O Exército que temos é o Exército que está a combater na República Centro-Africana e é disso que os portugueses devem ter orgulho, do alto desempenho dos nossos militares. Podem os portugueses estar cientes que as nossas Forças Armadas, apesar de terem os seus problemas, como todas as grandes organizações, sabem que Tancos não é sinónimo de qualquer degradação do Exército ou das Forças Armadas. As Forças Armadas estão prontas, capazes e são competentes, como têm demonstrado todos os dias no cumprimento das suas missões ao serviço dos portugueses, porque é esse o nosso papel.
Artigo publicado na edição nº1989, de 17 de maio do Jornal Económico
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