A direção de Finanças do Porto (DFP) está no epicentro de nova polémica, após as operações STOP do Fisco que o Executivo mandou cancelar. Ao que o Jornal Económico (JE) apurou, esta direção criou, em 2017, uma equipa de investigação criminal que, sem ordens de serviço escritas, faz vigilâncias, seguimentos e recolha de material fotográfico de suspeitos de crimes fiscais. Sobre esta estrutura recaem suspeitas de atuar à margem da lei e, após uma denúncia, a Autoridade Tributária ordenou a realização de uma auditoria, disse ao JE fonte oficial do Ministério das Finanças.
O ministério liderado por Mário Centeno garante que esta equipa especial do Fisco tem enquadramento orgânico, tendo sido criada por proposta do anterior diretor de Finanças do Porto. Mas o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Paulo Ralha, afirma desconhecer a sua existência.
Questionada sobre denúncias de uma alegada atuação à margem da lei, fonte oficial das Finanças revelou que decorre uma auditoria, após chamada de atenção por parte de um sindicato. “Tendo a atuação desta equipa sido objeto de preocupação transmitida por uma organização sindical à AT, essas considerações justificaram que se determinasse uma averiguação, que se materializa numa auditoria que decorre”, disse fonte oficial das Finanças, acrescentando que a auditoria “encontra-se em curso, pelo que é prematuro falar sobre o objeto da mesma”.
As Finanças adiantam que a auditoria foi determinada em outubro de 2018. Oito meses depois, esta equipa, apontada como ‘secreta’ pelos funcionários do Fisco, continua a exercer atividade, apesar das dúvidas.
O JE sabe que, além da queixa de um sindicato, outras denúncias escritas chegaram à AT e às Finanças. Com o STI a assegurar que desconhece a existência desta equipa, o JE confrontou o presidente de outra entidade representativa dos funcionários do fisco, a Associação dos Profissionais da Inspecção Tributária, questionando se foi esta estrutura a alertar para a equipa ‘secreta’. Nuno Barroso assegura: “Desconhecemos em absoluto a existência de qualquer inquérito e apenas em função de alertas sobre a atuação de determinada equipa e preocupados com a defesa dos trabalhadores, questionámos a direcção da AT para compreender o enquadramento legal e orgânico desta equipa. Desde então não tivémos resposta sobre o assunto”.
Suspeitas de atuação fora da lei
O problema é que, segundo fonte da AT, “há suspeitas de estarem a ser feitas diligências de recolha de prova fora do âmbito de processos de inquérito abertos pelo Ministério Público e sem delegação de competências específicas para estes atos”. A fonte refere o “enorme desconforto” entre os trabalhadores dos impostos com a criação desta equipa rodeada de grande confidencialidade.
A estrutura de investigação é composta por um coordenador, ex-perito da Polícia Judiciária (PJ), e sete inspetores tributários (propostos por José Castro) que, diz a fonte da AT, levam a cabo vigilâncias, seguimentos e recolha de material fotográfico relativo a sinais exteriores de riqueza. A recolha de elementos de prova visa, segundo a mesma fonte, criar uma base de dados própria, de acesso reservado, sobre os contribuintes em investigação.
Fonte próxima ao diretor de Finanças demissionário, José Castro, garante, porém, que esta equipa foi criada “em consenso com os serviços centrais” e só atua a pedido do MP, no âmbito de competências delegadas. Realça que as diligências são levadas a cabo na qualidade de Orgão de Polícia Criminal (OPC). “A equipa faz o que o MP pede para fazer”, garante.
Fraude carrossel
Na mira dos inspetores estão suspeitas de crimes de fraude e evasão fiscais em sectores como o dos têxteis, calçado e informática. Os alvos são os sócios das empresas, muitas ligadas à emissão de faturas falsas e à “fraude carrossel” do IVA, que implica a existência de várias empresas, algumas das quais fantasma, que, supostamente, simulam transações de mercadorias sobre as quais incide o reembolso do IVA.
Os trabalhadores do Fisco questionam o enquadramento legal da atuação desta equipa, porque existem suspeitas de diligências efetuadas fora do âmbito de inquéritos do MP.
A atuação desta equipa do Fisco é questionada mesmo no âmbito das diligências que efectuam com competências delegadas pelo MP. Fonte da PJ assegurou que não só a lei não permite ao Fisco tais procedimentos de recolha de prova, como também a própria lei orgânica da AT o impede. Em causa está a Lei 5/2002 relativa ao combate à criminalidade organizada e económico-financeira. O legislador fixa regras do regime especial de recolha de prova – através de vigilâncias, seguimentos ou recolha de material fotográfico – mediante o tipo de crime. No catálogo de crimes, não constam crimes fiscais.
Também a Lei de Organização da Investigação Criminal fixa que é da competência da PJ a investigação dos crimes tributários acima dos 500 mil euros.
Destaca ainda que o regime geral das infrações tributárias prevê que em processos de inquérito abertos pelo MP, ao nível dos crimes fiscais, pode ser delegada competência na AT, atribuindo poderes e funções dos OPC. Porém, frisa que são vedadas aos inspetores do Fisco vigilâncias, seguimentos e recolha de material fotográfico, por não estar previsto na lei este tipo de prova para os crimes fiscais.
Artigo publicado na edição nº1992, de 7 de junho do Jornal Económico
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