Desde 2017 que a primeira-ministra britânica, Theresa May, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acenam aos respetivos agentes económicos com a iminência da assinatura de um megatratado comercial que transforme as relações bilaterais no maior e mais duradouro acordo alguma vez visto na história contemporânea do planeta.
No final de mais uma visita de Trump ao Reino Unido, a insistência da promessa ganhou contornos de “paranóia” – como lhe chamaram alguns membros do Partido Trabalhista – mas, no terreno, e apesar da enorme delegação de empresários que acompanhou Trump a terras de Sua Majestade, nada avançou.
Pior: segundo alguns comentadores, Trump entendeu ser acertado produzir uma espécie de “chantagem” que colocou a eventualidade de um acordo comercial de largo espectro suspenso no cumprimento de duas ‘clausulas’: a saída da União Europeia sem acordo e a manutenção do Partido Conservador no poder sob a alçada de Boris Johnson, amigo pessoal de Trump – que disse ser ele a melhor solução para o partido (e, por inerência, para a chefia do governo). E, já agora, que o país dê atenção a Nivel Farage, o líder do Partido Brexit, que Trump recebeu à margem da agenda oficial.
A primeira vez que o acordo potencial apareceu no radar comum foi no final de janeiro de 2017, quando Theresa May foi a primeira estadista da União Europeia a ser oficialmente recebida na Casa Branca – cerca de meio ano depois do referendo ao Brexit e poucos dias depois da tomada de posse de TRump. Mas, ao contrário do que era esperado, May regressou dos Estados Unidos sem nada de palpável nas mãos – o que acabou por condicionar fortemente as negociações entre Londres e Bruxelas: sem uma alternativa credível (que seria o acordo comercial com os Estados Unidos), o governo britânico colocou-se numa posição de inferioridade, de onde nunca mais conseguiu sair (e que em larga medida explica o inconcebível arrastar das negociações).
A pantomina repetiu-se quando, há cerca de um ano, Donald Trump visitou o Reino Unido (não oficialmente, mas em vista de trabalho). O acordo voltou a fazer parte daquilo que os analistas consideravam ser a agenda, mas o certo é que Trump saiu da ilha sem que houvesse qualquer decisão.
E à terceira, ao contrário do dito popular, não foi de vez. Trump até avançou com números: o futuro acordo “pode duplicar ou até triplicar as trocas comerciais entre os nossos países”, disse, mas manteve a caneta no bolso e os dois países não assinaram nada.
Entretanto, multiplicar por dois ou mesmo por três as trocas comerciais parece ser mais ou menos irrealista. Eis os números: o Reino Unido exporta cerca de 443 mil milhões de dólares, com os Estados Unidos a serem os seus maiores clientes, com uma quota de mais de 13%; e importa cerca de 620 mil milhões de dólares, com os Estados Unidos a responderem por 9,5%. Feitas as contas, a relação comercial entre os dois países é razoavelmenete paritária, orbitando em torno dos 60 mil milhões de dólares. As relações comerciais entre ambos valem por isso 120 mil milhões de dólares – passar este valor para 240 mil milhões ou para 360 mil milhões parece ser manifestamente difícil.
A única certeza em torno do tema é que, se um dia o acordo comercial avançar, Theresa May já não estará sentada do lado da comitiva do Reino Unido.
Artigo publicado na edição nº1992, de 7 de junho do Jornal Económico
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