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Governança e Regulação no contexto de pós-fragilidade económica

Apostar na integridade do sistema é um dos grandes desafios da atualidade, na medida em que se entrelaça o público com o privado, através de modelos económicos de desenvolvimento assentes nas múltiplas possibilidades de cooperação da tripla hélice – governo, empresas e academia, por forma a restituir a confiança ao mercado.
10 Setembro 2019, 07h15

Espera-se, em 2019 e pelo terceiro ano consecutivo, um acréscimo de 6% no número de falências a nível mundial[1], segundo o Global Insolvency Index/índice Global de Falências. A amostra em análise é formada por 43 países, dos quais 2/3 apresentarão uma deterioração[2]  (ligeira mais forte) e 1/3 uma estabilidade ou melhoria (ligeira ou forte). Portugal, com -5%, integra o grupo de países (9, apenas) cuja expectativa aponta para uma ligeira melhoria.

É curioso constatar que o valor do Índice em 2019 é superior ao registado em 2008 (portanto pior), mas inferior ao de 2009 (melhor). Convém relembrar que, nestes dois anos, registaram-se 9 das 20 maiores falências nos Estados Unidos, em relação ao total de ativos envolvidos, 1.853,6 biliões de US dólares, representando perto de ¾ dos valores totais. Lehman Brothers, General Motors e Chrysler foram três das empresas mais conhecidas internacionalmente, que se apresentaram à falência naquele período.

A crise financeira de 2008, à escala mundial, desencadeou uma contração do comércio internacional, rarefação dos movimentos financeiros, designadamente nos empréstimos, seguros e bolsas, e uma retração dos investimentos das empresas, acompanhada de um aumento generalizado do desemprego.

Este período pôs a nu as fragilidades, tanto da governança privada, como da regulação e supervisão pública. Na governança privada, as más práticas de gestão nas empresas, encobertas durante anos pelo marketing e pela especulação criaram as condições de insustentabilidade do sistema. Na regulação e supervisão pública, os erros e omissões ocultaram e adiaram o problema até ao limite das implosões.

Ainda recentemente a edição on-line do Financial Times[3] alertava para a possibilidade de nova fraude financeira “maior que a WorldCom (3ª maior falência nos EUA) e Enron (6ª) combinadas”, alegadamente escondida na empresa General Electric. O relatório do investigador financeiro Harry Markopolos (conhecido por emitir os primeiros alarmes sobre o esquema de Bernard Madoff) refere que “as contas do conglomerado industrial ocultam uma fraude de US $38 biliões nos seus negócios de seguros e serviços petrolíferos” e conclui “eles estão à beira da falência”.

Os analistas têm classificado estes fenómenos de diferentes maneiras, mas, se refletirmos bem, o que está a acontecer, na realidade, é o aparecimento de grupos económicos gigantescos, diversificados em termos de setores de atividade – indústria, serviços financeiros e saúde, entre outras áreas tão dispares – e estendidos geograficamente à escala do planeta, que parecem encontrar-se para além do horizonte da fiscalização nacional (ou supra). Assim, se pode concluir que a regulação e a auditoria estão vários passos atrás da dinâmica empresarial, tendendo a agravar-se com a digitalização.

Incrível se tivermos presente que o Banco Barings, fundado em 1762, o banco mercantil mais antigo da Grã-Bretanha, colapsou há 25 anos atrás (mais precisamente em 1995), pela ação de um único empregado (Nicholas William Leeson), um operador do mercado de derivados com atividade em Singapura. Exemplos nacionais no sistema financeiro, além de mais recentes, são múltiplos – BES, BPN, BPP e BANIF –, casos onde a intervenção pública, em processos de falência ou de reestruturação financeira, implicaram posteriormente o dispêndio de biliões de euros do erário público, em impostos dos contribuintes.

Por outras palavras, o sistema está em fase de transição. A sua estrutura terá de evoluir da entropia reinante, onde as moléculas (empresas e atores económicos) se movimentam de uma forma caótica, para uma nova ordem, cuja transparência e monitorização preventiva constituam forças de ligação das organizações e dos indivíduos, em termos mercantis, a uma nova ordem socialmente responsável.

Apostar na integridade do sistema é um dos grandes desafios da atualidade, na medida em que se entrelaça o público com o privado, através de modelos económicos de desenvolvimento assentes nas múltiplas possibilidades de cooperação da tripla hélice – governo, empresas e academia, por forma a restituir a confiança ao mercado.

[1] Insolvency Outlook, Allianz e Heuler Hermes, Janeiro 2019. https://www.eulerhermes.com/content/dam/onemarketing/euh/eulerhermes_com/erd/publications/pdf/Global-Insolvencies-Jan19.pdf

[2] Deterioração: forte (mais de 5%); ligeira (entre +1% e 5%) / Melhoria: estabilidade ou ligeira (entre 0% e -5%); forte (inferior a -5%, por estarmos a falar de valores negativos).

[3] Gregory Meyer and Mamta Badkar, 15 agosto 2019,

https://www.ft.com/content/20c2e468-bf57-11e9-89e2-41e555e96722

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