Há quem diga que a História não se repete, contrariando assim o famoso dito de Hegel, que Marx completaria. Não obstante, dá-nos importantes lições, que o imediatismo dos tempos atuais por vezes faz esquecer.
Em 1839, quando o marquês de Custine viajou durante três meses pela Rússia, era imperador Nicolau I, que não ficou para a História propriamente como um governante visionário e capaz mas, pelo contrário, como um conservador que reprimiu fortemente os dissidentes e que arrastou o país para uma guerra na Crimeia, que viria a redundar numa derrota clamorosa, ensombrecendo os créditos conseguidos a nível internacional pelo seu irmão, Alexandre I, a quem viria a suceder, e que tomara triunfantemente a capital francesa, em 1812. Nenhum vestígio, portanto, do irmão; nem da avó, Catarina, a Grande.
Astolphe Louis Léonor, marquês de Custine (1790-1857), foi um aristocrata francês. Órfão de pai desde cedo, viria a crescer mais ou menos sob a tutela de Chateaubriand, ilustre e infiel amante da sua mãe. Para além de poemas, romances e peças de teatro, escreveu relatos de viagem, em formato de cartas ou memórias. Para além da Rússia, viajou também por Itália, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Escócia e Espanha. Foi precisamente a publicação, em 1838, do relato de uma das suas viagens pelo país ibérico que o tornou popular quer junto da crítica quer do público.
“Já se repetiu várias vezes que a loucura é hereditária na família imperial da Rússia: é uma lisonja. Creio que o mal se deve à própria natureza do governo e não à organização viciosa dos indivíduos. O poder absoluto, quando é uma verdade, perturbará, a longo prazo, a razão mais firme. O despotismo cega os homens; povo e soberano, todos se inebriam em conjunto da taça da tirania. Esta verdade parece-me provada até à evidência pela História da Rússia.”
Quando a obra foi publicada, quatro anos depois, em 1843, Alexander Herzen, chamado o pai do socialismo russo, considerou este o “livro mais inteligente escrito sobre a Rússia por um estrangeiro”. Aliás, muitos tinham-no como a mais penetrante e incisiva análise da sociedade russa e dos seus invariantes históricos, chegando a ser comparado, pela sua finura analítica, a “Da Democracia na América”, de Alexis de Tocqueville. Foi imediatamente banida na Rússia, só voltando a ser editada a partir de 1910, para voltar a não passar no crivo da censura durante o tempo de Estaline.
Sem qualquer traço do lápis vermelho, as cartas são agora editadas pela Imprensa da Universidade de Lisboa.
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