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A inacreditável história de um relógio

Demorou 44 anos a completar, entre revoluções, prisões, fugas e mortes. Nem a pessoa a quem se destinava ou o seu criador sobreviveram para ver esse dia, corria o ano de 1823.
25 Setembro 2016, 14h30

Mas, quando ficou finalmente pronto, era uma peça maravilhosa, o relógio mais avançado de sempre. Ainda hoje… Só que a história da “Mona Lisa dos relógios”, como já lhe chamaram, estava apenas a começar.

Nunca se saberá ao certo quem o encomendou, embora as suspeitas recaiam sobre um conde sueco, Hans Axel von Fersen de seu nome. Já o destino era claro: seria uma oferta para a rainha Maria Antonieta de França, razão pela qual a peça 160 da Breguet acabou por ficar conhecida como “o relógio da rainha”. Diz-se que Von Fersen era um amante secreto da rainha e, sendo ou não, tinha pelo menos uma ligação tão forte que tentou por duas vezes organizar a sua fuga da Torre do Templo, onde foi detida após a revolução de 1789.

O relógio foi encomendado em 1783 e a nota determinava que deveria de ser o relógio mais extraordinário de sempre, incorporando todas as complicações (funções) conhecidas na época. Sempre que possível, deveria ser utilizado ouro em lugar de outros metais, e não ficavam estipulados nem prazo, nem sequer valor final. Custaria o que fosse necessário.

Hoje, está avaliado em 30 milhões de euros e é, ainda, o sexto relógio mais complicado de sempre. As pontes e platina são em ouro, tem 823 peças e 23 complicações, entre as quais um calendário perpétuo, fases da lua, repetição de minutos, ‘jumping hours’, corda automática, reserva de marcha e um termómetro.

A revolução obrigaria Abraham-Louis Breguet a fugir de França, para a Suíça natal primeiro, e Londres depois, o que também ajuda a explicar, junto com a enorme complexidade do movimento, o tempo que tardou a completar.

Breguet regressaria a Paris anos mais tarde, quando os ânimos serenaram finalmente e já não corria risco de vida. Recuperou a casa e a fama das suas criações mas nunca desistiu desta peça, mesmo sabendo que Maria Antonieta tinha sido guilhotinada em 1793 e o conde von Fersen espancado até à morte por uma multidão em fúria, em Estocolmo, em 1810. O próprio Breguet morreria quatro anos antes de o trabalho estar concluído.

Salto rápido para 1920 e o relógio encontra-se na posse de David Salomons, ávido colecionador de relógios, e Breguets em particular. Seria a sua filha Vera quem, acabaria por doar toda a coleção ao Museu de Arte islâmica em Jerusalém, do qual era a principal patrona. E foi dali que, na noite de 15 de abril de 1983, o relógio viveria mais uma saga, sendo roubado – juntamente com a melhor parte da coleção – naquele que ficou conhecido para a história como o maior assalto de sempre na relojoaria. Nem a polícia israelita, nem a Interpol, nem sequer a Mossad (entretanto chamada a dar uma ajuda) chegaram a qualquer pista sobre o criminoso. Tal como os os investigadores privados – especialistas em roubos de arte e joalharia – contratados pela família. Teria sido obra de um colecionador e desaparecido para sempre do olhar público?

Ainda não. Até porque, em meados da década de 2000, Nicolas G. Hayek, o CEO do grupo Swatch (que tinha adicionado a Breguet ao seu portefólio, em 1999), decidiu que a marca não podia ficar privada desta extraordinária peça. Encarregou então os relojoeiros de construírem uma réplica exata, com base nos desenhos técnicos originais, que se encontravam espalhados pelos arquivos da casa e no museu de Artes e Ofícios em Paris.

Não era uma tarefa fácil e, enquanto decorria, do outro lado do Atlântico, tinha início uma série de acontecimentos que viriam finalmente trazer alguma luz ao famoso roubo. Um advogado norte-americano recebeu uma carta anónima, de alguém que dizia estar na posse de bens roubados que pretendia devolver, por uma “justa compensação”. A investigação foi reaberta e eventualmente chegou-se à autora da carta: Nili Shamrat, viúva do israelita Na’aman Diller, um reconhecido ladrão de jóias internacional. Shamrat justificou-se, dizendo ter descoberto o roubo apenas quando o marido o confessou, no leito de morte. O espólio foi recuperado, escondido num armazém a meras centenas de metros do local de onde tinha sido roubadas. E, surpreendentemente, intocado. Os relógios estavam em perfeitas condições e parece que o criminoso se apaixonou pelo produto do roubo. Em lugar de tentar vender as peças aprendeu tudo o que pode – foram encontrados inúmeros apontamentos nesse sentido – e cuidou dellas zelosamente.

Em 2007, um quarto de século depois de ter desaparecido, o Breguet 160 “Maria Antonieta” regressava ao mundo dos vivos e, menos de um ano depois, era apresentado a sua “réplica perfeita”, daí em diante conhecida como Breguet 1160.

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