Entre os resultados prometidos pelo Governo no Orçamento do Estado para 2017 e da Comissão Europeia sobre as medidas para lá chegar, há neste momento um buraco de cerca de 945 milhões de euros. É esse ajustamento que Bruxelas quer ver melhor explicado, sabe o Jornal Económico.
Parece déjà vu, mas não é. No Orçamento de 2016, a Comissão e o Governo tiveram mesmo fortes diferenças em relação às medidas de ajustamento nele inscritas, com o executivo comunitário a rejeitar algumas das propostas de Lisboa, ou a duvidar do valor das mesmas. Agora, o cenário é diferente: não é que Bruxelas duvide das medidas, quer é ter mais informação sobre as mesmas, para perceber como se chega às metas prometidas.
O Governo comprometeu-se a atingir um défice de 1,6% do PIB no próximo ano, complementado com um ajustamento estrutural – o esforço de consolidação descontado do efeito do ciclo económico – de 0,6% do PIB. Para lá chegar, conta sobretudo com o efeito do crescimento económico e da inflação (903 milhões), com as garantias estatais do BPP (450 milhões) e dividendos do Banco de Portugal (303 milhões).
À Comissão, o que interessa mais é mesmo o ajustamento estrutural. Houve até uma recomendação específica a Portugal, para reduzir os 0,6 pontos percentuais no próximo ano. E o que é dito na carta enviada para Lisboa não é que não se acredite nas medidas para lá chegar, mas sim que falta informação para perceber se as contas batem certo.
Posto de outra forma: o Executivo prometeu um ajustamento estrutural na ordem dos 1.135 milhões de euros, mas a informação que chegou a Bruxelas só permite à Comissão ver um ajustamento de 190 milhões. Contas feitas, há uma “pequena” diferença de 945 milhões.
O Governo tem até amanhã ao fim do dia para enviar mais informação a Bruxelas, que permita fazer uma análise a fundo das medidas de consolidação e o seu impacto.
Orçamento não parece estar em risco
A relação entre Bruxelas e Lisboa foi melhorando ao longo do ano, depois do episódio do Orçamento de 2016. Houve uma construção de bases de confiança, que tem sido referida por ambos os lados e que permitiu discutir o OE/17 de outra forma.
Talvez por isso, o Governo esteja tão confiante de que o documento vai acabar por ter luz verde. O ministro das Finanças, Mário Centeno, o secretário de Estado do Tesouro, Ricardo Mourinho Félix, e o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, têm repetido a mensagem de que praticamente não há hipótese de o OE vir devolvido.
Ao Jornal Económico, fonte comunitária explica que, de facto, a situação é diferente este ano, algo que é visível na carta, onde desta vez é pedida mais informação, ao invés de mais medidas. A aprovação do Orçamento não parece, por isso, estar em causa, até porque Bruxelas acredita que a informação que vai receber do Executivo português irá permitir perceber os impactos das medidas de consolidação e o resultado do ajustamento estrutural.
No entanto, a mesma fonte lembra que o processo de avaliação e aprovação dos orçamentos mantém-se o mesmo, ou seja, a Comissão não aprovou nada previamente e precisa de ter toda a informação necessária, que mostre que as contas batem certo. Até porque a Comissão precisa ter bases sustentadas para recomendar ao Eurogrupo – que tem mostrado uma posição menos flexível em matéria orçamental – a aprovação do documento.
Queixas de falta de informação são tranversais
A Comissão Europeia é apenas a mais recente das queixosas sobre a falta de informação no OE/17.
Esta semana, o PSD – primeiro – e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) – depois) – também se queixaram que o documento tem falhas de informação, nomeadamente ao nível do valor das receitas por imposto e das contribuições sociais. Além disso, a UTAO critica o Governo por ter decidido comparar as previsões de receitas e despesas em 2017 com as previsões para 2016, ao invés de as comparar com a execução real.
É que a execução do ano está a ir totalmente ao lado do que foram as previsões do OE/16, com as receitas a crescer abaixo do esperado e a despesa ligeiramente acima – está a ser contida com um apertão no investimento que não tinha sido programado.
Bruxelas parece partilhar a mesma visão, já que, na carta enviada a Lisboa, pede detalhes sobre as premissas que sustentam a previsão de receitas para o próximo ano em termos dos vários impostos, das transferências e das contribuições sociais. Além disso, apela também a que Portugal envie “informação actualizada sobre a execução em 2016”, bem como mais detalhes sobre os pagamentos que deverão ser recebidos ao abrigo do perdão fiscal este ano.
No caso do perdão fiscal, aliás, não é ainda certo que a Comissão aceite a ideia de que as prestações do mesmo sejam consideradas como receita estrutural. Algo que, a acontecer, poderá não ser um grande problema, tendo em conta a dimensão das mesmas e a ideia de que Bruxelas pode deixar passar uma ou outra décima a menos. No entanto, antes sequer de avaliar isso, o executivo comunitário precisa de outras informações que lhe permitam perceber as contas de Lisboa.
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