Catarina Martins disse que este Orçamento não é de esquerda: concorda?
Claro que não é, porque ainda estamos a tentar tirar umas migalhinhas ao capital para distribuir pela força de trabalho. E isso é o que distingue esquerda e direita. No fundo, trata-se de um orçamento que tenta ser e caminha para ser de esquerda.
Como tem seguido os ajustamentos económicos feitos em Portugal?
Portugal tem grandes potencialidades e tem sofrido com uma espécie de oscilação, um movimento pendular que, quando começou, era um bocado consensual, mas agora o país ficou de tal maneira com descontrolo do centrão que é impossível de parar, não há um ponto de equilíbrio. Isso leva a medidas de maior susto. Nunca percebi muito bem a vantagem dos anos da troika, houve uma série de pessoas que tocaram umas campainhas e pareciam umas galinhas tontas a tomar medidas. Mas o modelo é que tem de evoluir para outro lado, porque como estamos o modelo de crescimento não consegue sustentar isto.
Compreende o que tem feito o atual Governo?
Sim, há uma alteração evidente e existe um estado de graça como sucede também com Marcelo que fazem contraste com o que se viveu antes, uma situação que parecia de funil onde já ninguém queria dizer alguma coisa, não valia a pena. Agora parece que as pessoas querem fazer coisas, investir, o turismo está em alta, estamos sempre a tempo de recorrer ao potencial, mas tenho pena que muita gente saísse do país e agora não se possa recorrer a eles. Quando houver melhor distribuição do rendimento, quando o trabalho e os produtos forem mais valorizados, as pessoas podem voltar para cá.
Gostou do desempenho de Cavaco Silva como Presidente da República?
Não.
Porquê? Já não gostara do papel como primeiro-ministro?
Não me agradou. É uma figura, é uma atitude, é uma maneira de estar, uma filosofia, mas não é a minha e não gostava daquilo.
E como encara o desempenho de Marcelo Rebelo de Sousa?
É exatamente o contrário, mas também não é a minha filosofia e não votei nele, mas pelo menos mostra capacidade de manter as pessoas focadas nos problemas que mais ou menos interessam.
Qual é o lugar de Portugal na União Europeia?
Sempre fui muito crítico da União, já escrevi canções sobre isso e tudo, porque sempre pensei que havia diferenças culturais que estariam em choque com o modelo da Europa que estávamos a tentar enfiar aqui. Acabámos por ser olhados, durante muito tempo, como mais 10 milhões a quem se podia vender produtos.
António Guterres como secretário-geral da ONU parece-lhe certo?
É positivo, especializou-se naquelas tarefas sem que muitos se apercebessem, fez carreira nas relações internacionais e penso que é pessoa para dar murros na mesa quando é preciso. Aquela imagem que ficou dele como primeiro-ministro apareceu no fim e ficou, mas não era essa que devia ter ficado.
Como analisa a situação dos refugiados na Europa?
Mais um paradoxo. Numa dada altura, os países do norte olharam para as pirâmides etárias e do rendimento, duvidando da sustentabilidade da economia. Abriram as portas a uma imigração selecionada, como sucedera com turcos e portugueses, que forneceu mão-de-obra e força contributiva. E assim se viveu mais uns anitos antes das fraudes alemãs. Esse caminho ficou aberto e, quando foi possível entrar na Turquia, deu para chegar à Alemanha. Este problema tem mais de 10 anos, sendo consequência de uma série de problemas das guerras e conflitos no Médio Oriente ou, mais recentemente, de uma primavera árabe descontrolada.
Faz sentido que se construam muros e outras barreiras para limitar entradas?
Não pode ser! É uma tristeza e as pessoas não têm outra hipótese. Os ingleses, para continuarem em casa a gozar as pensões, a tratar da gataria e das flores, precisam de uma força de trabalho contributiva. Alguém vai ter de trabalhar por eles…
Nasceu em Ferreira do Alentejo: o que significa hoje para si?
É um belo exemplo. Embora fosse uma vila sempre com alguma genica, parecia condenada ao abandono e vítima da imigração – o meu caso é um exemplo, os meus pais vieram para Almada em 1963 e eu vim um ano depois –, mas, de repente, com o plano de rega do Alentejo, com o investimento espanhol, com o azeite, a terra respira uma energia difícil de encontrar noutras.
Quando lá vai tratam-no por Tim?
Sim, toda a gente, a alcunha vem de lá e nasceu porque a minha irmã mais velha não conseguia dizer Toninho [risos]. E lá em casa havia a mania das alcunhas…
Onde foi parar o engenheiro agrónomo que é a sua formação?
Ainda cá está, mas nunca foi grande coisa, nunca teve oportunidade de desenvolver o seu potencial, só até acabar o estágio.
Há trabalhos seus nessa área?
O único que fiz foi um estudo comparativo de métodos de rega de superfície, parte de investigação grande do Instituto do Arizona. Conforme os dados do clima e das quantidades de água, havia três métodos de rega em estudo. O meu papel era preparar o estudo, andar lá o verão todo com umas maquinetas, uns tubos e galochas a medir a água entregue aos campos de milho de Coruche [risos].
Alqueva deixa-o satisfeito?
Alqueva é bom…
Revitalizou o Alentejo?
Essa é outra conversa… Essa e outras. Isso é uma discussão que não faz muito sentido. O melhor que lá havia era o “construam-me, porra!” Não faz sentido que coisas estejam paradas à espera de uma decisão que se sabe qual é e quanto mais se adia mais caro fica, pior é.
Como foi crescer em Almada naquela altura?
Foi porreiro, Almada era uma cidade em desenvolvimento, brinquei o tempo todo nos buracos dos prédios em construção, não havia muito que fazer, mas não faltavam meios, nem gente jovem.
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