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A longa agonia do investimento em Portugal

O investimento pode estar a crescer, mas o ritmo não chega sequer para repor a desvalorização corrente do capital existente. E a situação pode manter-se assim (pelo menos) até 2018.
24 Março 2017, 07h55

O ano de 2014 marcou uma viragem na evolução do investimento em Portugal. Depois de quatro anos de queda ininterrupta, a Formação Bruta de Capital Fixo voltou finalmente a crescer. O movimento reforçou-se em 2015 e, apesar dos sobressaltos do ano passado – aparentemente resultado de alguma incerteza interna, associada a turbulência ‘importada’ de parceiros comerciais e atrasos na execução de fundos comunitários –, a tendência parece agora consolidada. Neste momento, quase todas as previsões económicas apontam para um crescimento sólido do investimento nos próximos anos.

Mas há poucas razões para lançar foguetes, pelo menos por agora. Isto porque, apesar de o investimento estar a crescer, o ritmo é ainda insuficiente para assegurar a reposição do stock de capital do país (o conjunto de máquinas, edifícios e infraestruturas à disposição das empresas). De facto, em 2017 a economia portuguesa terá menos capital para afetar a processos produtivos do que tinha em 2011. E não se espera que a situação mude muito em 2018.

Contradição? Não. A destruição líquida de capital resulta simplesmente do facto de o volume de investimento produzido em Portugal ao longo dos últimos anos ser insuficiente para compensar a degradação do capital já existente. Apesar de o investimento estar a crescer, os novos fluxos anuais continuam abaixo do que seria necessário para garantir que se mantém o nível de capacidade produtiva. Em linguagem técnica, a Formação Bruta de Capital Fixo de 2011-2018 deve ser inferior à depreciação do capital.

A dificuldade em estimar com rigor a dimensão da depreciação faz com que o conceito seja muitas vezes ignorado nas análises económicas. O facto de a maioria das crises económicas ter uma dimensão moderada também ajuda ao ‘esquecimento’ da depreciação: para todos os efeitos práticos, o investimento quase nunca fica abaixo desta ‘linha de água’. Mas convém mantê-lo debaixo do radar em situações de crise profunda, como aquela por que Portugal e a Zona Euro passaram (e cujas piores consequências, como o desemprego, estão ainda longe de se ter desvanecido).

Investimento congelado, produtividade estagnada
A diminuição do stock de capital é uma situação nova na economia portuguesa. Não há registo, nas bases de dados disponíveis, de um outro período em que o investimento líquido tenha caído de um ano para o outro, muito menos de perder peso absoluto ao longo de cinco anos consecutivos (ou sete, se incluírmos na lista os anos de 2017 e 2018, usando as previsões da Comissão Europeia).

Uma das principais implicações teóricas desta tendência é a estagnação da produtividade. Em teoria, a produtividade depende crucialmente da qualidade da mão-de-obra de um país – avaliada através das respectivas qualificações, ou outras soft skills mais difíceis de medir –, mas também da quantidade de capital que os trabalhadores têm à sua disposição. Quanto mais obsoletas estiverem as infraestruturas, quanto mais desactualizadas estiverem as máquinas e quanto mais degradadas estiverem os equipamentos, mais difícil será produzir bens e serviços com qualidade e eficiência. E, consequentemente, menor será o PIB por trabalhador.

Não é certamente por acaso que a produtividade tem vindo a estagnar nos últimos anos. Apesar de estas estatísticas estarem rodeadas de alguma incerteza (por exemplo, não levam em conta o número de horas trabalhadas por cada empregado, que acaba por afectar as medições do PIB por trabalhador), a verdade é que a produtividade praticamente não aumentou de 2011 para 2016, e mesmo em relação a 2010 o crescimento é tão escasso que mal se detecta a olho nu. Isto apesar de a percentagem de mão-de-obra qualificada ter subido a pique ao longo deste período, o que nos levaria a esperar, pelo menos por essa via, algum aumento da eficiência produtiva. Produtividade mais baixa implica lucros mais baixos para as empresas e salários mais modestos para os trabalhadores: se o bolo é menor, há menos para distribuir.

Não há muitos países na Europa em pior situação do que Portugal. Numa comparação simples entre o nível de capital líquido esperado para 2018 e o nível registado uma década antes (2008, portanto), aparecem apenas dois: a Grécia, que atravessa uma crise económica de proporções semelhantes às da Grande Depressão americana, e, de forma algo surpreendente, a Letónia. A infografia mostra estes dados para todos os países da Zona Euro.

A dificuldade em reanimar o investimento tem sido um dos problemas mais bicudos da Europa. Tanto que as próprias instituições europeias têm vindo,  pouco a pouco, a encarar com mais seriedade a possibilidade de ser o sector público a alavancar o investimento. Ainda há poucas semanas o BCE publicava um estudo (“The effect of public investment in Europe: a model based assessment”, em português “O efeito do investimento público na Europa: uma avaliação baseada em modelos”) em que concluía, de forma pouco surpreendente, que os argumentos a favor de um programa coordenado de investimento público são hoje mais sólidos do que eram há alguns anos, e que “não há evidência de efeitos negativos no investimento privado. Pelo contrário, a nossa análise sugere que [nas actuais condições] eles tenderão a ser complementares”.

[Notícia publicada na edição impressa de 17 de março]

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