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Empresas vão ser obrigadas por lei a revelar “beneficiários efetivos” mas poderão requerer isenção

Novas regras de prevenção do branqueamento de capitais e combate ao financiamento de terrorismo estão plasmadas em nova lei que aprova o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo, transpondo uma diretiva comunitária para o quadro jurídico português. “O presidente do IRN pode isentar por despacho algumas empresas,” alerta a TIAC.
22 Agosto 2017, 09h30

A partir de meados de novembro, as empresas portuguesas vão ser obrigadas por lei a identificar os “beneficiários efetivos”, isto é, os sócios e “quem, por qualquer forma, detenha o respetivo controlo efetivo.” Trata-se de uma das novas regras de prevenção do branqueamento de capitais e combate ao financiamento de terrorismo que estão plasmadas na Lei nº 89/2017, publicada ontem em “Diário da República”, aprovando o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo que transpõe para o quadro jurídico português a Diretiva nº 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia.

A identificação dos “beneficiários efetivos” será divulgada através de uma base de dados, parcialmente de acesso público, na qual vão constar os elementos de identificação da pessoa ou pessoas singulares que, direta ou indiretamente, detenham a propriedade ou o controlo efetivo de sociedades comerciais portuguesas e de outras entidades sujeitas a este registo. Os documentos de constituição de novas empresas vão ter que indicar as pessoas singulares que detêm – direta ou indiretamente – participações sociais. E quaisquer alterações terão que ser reportadas ao Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), com um prazo máximo de 15 dias.

“A prova dos nove está na implementação”

“A transposição da diretiva comunitária que obriga à criação de registos centralizados de beneficiários efetivos nos Estados-membros é um avanço bem-vindo no combate ao branqueamento de capitais. Esse registo central permitirá saber quem são as pessoas que verdadeiramente beneficiam das empresas e outras entidades jurídicas estabelecidas em Portugal, o que é fundamental para que o dinheiro deixe de circular anonimamente e se consigam sinalizar pessoas que movimentam enormes quantias de dinheiro, muitas vezes incompatíveis com os seus rendimentos declarados. A grande questão está agora em ver como será implementado este registo e com que exigência será fiscalizado o cumprimentos das obrigações por parte das empresas,” considera João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC).

“A legislação agora adotada em Portugal tem o mérito de criar desde já um registo público, acessível ‘online’, que antecipa o que se prevê que venha a ser consagrado na próxima revisão da diretiva, que está já a ser preparada em Bruxelas. Também positivo é o facto de a legislação final ter fechado lacunas sérias que existiam na proposta inicial enviada pelo Governo à Assembleia da República. A versão inicial do regime jurídico proposta pelo Governo permitia que os ministros das Finanças e da Justiça isentassem, por despacho e a pedido, uma empresa de fornecer os seus dados ao registo. Criava-se uma enorme margem de discricionariedade que podia gerar um verdadeiro mercado de isenções à transparência que, no limite, tornava inútil toda a legislação. A TIAC alertou o Parlamento para esta enorme lacuna e felizmente o nosso alerta foi tido em conta,” salienta Batalha.

“Mantém-se, no entanto, a possibilidade de o presidente do IRN isentar por despacho algumas empresas, de novo a pedido, de figurarem no registo público, caso a publicação da informação possa criar um risco para as pessoas em causa,” ressalva o presidente da TIAC. “Mantém-se aqui uma margem de discricionariedade problemática, até porque nada se avança sobre os critérios que devem ser usados para medir o risco que pode justificar apagar a informação do registo público. Ainda que, mesmo nestes casos, as entidades continuem obrigadas a prestar a informação e essa informação se mantenha acessível às instituições financeiras, aos reguladores e às autoridades fiscais e judiciais.”

“Do ponto de vista do acesso prático à informação por parte do público, cria-se um único modelo de acesso, através de uma assinatura mensal de 50 euros, o que não acautela o acesso de quem queira simplesmente fazer uma consulta única, pontual. É uma solução demasiado restritiva e injustificada,” critica Batalha.

“A solução jurídica não é perfeita, mas é sem dúvida um avanço em relação ao que existia,” reconhece. “A prova dos nove está na implementação. O IRN tem de levar a sério a criação deste registo e implementá-lo de forma eficaz. E as autoridades competentes têm de ser exigentes na fiscalização dos deveres de registo das empresas e outras entidades. É no terreno que estas guerras se ganham e se perdem, não é na lei. Se houver vontade de fazer deste um instrumento robusto, ele será sem dúvida útil. Como diz o provérbio, uma árvore conhece-se pelos frutos que dá.”

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