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Museus e Turismo na Madeira: entre o decadentismo identitário e a cativação de novos públicos

A inércia das tutelas e a falta de compromisso da decisão política expõe a ausência de uma visão estratégica integrada para os museus e põe em causa a formação cultural das próximas gerações e o nosso futuro coletivo.
7 Dezembro 2021, 07h15

A Região Autónoma da Madeira, desde 2001, tendo por base os dados disponibilizados pelas fontes de informação, alcançou no ano de 2011 o seu melhor resultado no número de visitantes em museus, registando mais de 759 mil visitantes (DREM, 2021; INE, 2021). Passada uma década importa aferir impactos e resultados e definir uma estratégia para o futuro, de forma a garantir o cumprimento da missão e função dos museus, inscritas na Lei Quadro dos Museus Portugueses – Lei n.º 47/2004 de 19 de Agosto (Diário da República nº 195/2004; Gonçalves, 2014) nomeadamente, “a promoção da cidadania” – alínea b) do Artigo 2º – e a “democratização da cultura” – alínea b) do Artigo 3º – conforme o conceito definido na Lei Quadro e de acordo com definição do ICOM (2019).

Em 2012, registou-se uma quebra acentuada (-80,1% em relação a 2011), verificando-se apenas 151 mil visitantes, o pior resultado até 2020. As razões possíveis para esta quebra poderão ter sido: a crise económica que assolou o país e a região; o fecho ou a diminuição de três museus considerados nas estatísticas (DREM, 2021; INE, 2021); a forte diminuição dos fluxos turísticos para a Madeira, quando associada às outras razões, permite demonstrar a forte exposição da realidade museológica ao setor do Turismo (Goes & Sardinha, 2021). Contudo, tais razões não isentam o decisor público da falta de dinamismo na programação e da falta de atualização dos discursos museográficos. Tais faltas poderão ter colocado em causa a atratividade das instituições, a efetivação de direitos constitucionais (Miranda, 2006) e o cumprimento da missão dos museus (ICOM, 2019). Esta substancial diminuição de públicos em 2012, no número de visitantes estrangeiros nos museus na RAM (-20,6%) em relação a 2011 (DREM, 2021; INE, 2021), estará, provavelmente, associada à diminuição do Turismo na Região, contrariando o crescimento mundial nesse período (IPDT, 2013).

De acordo com a Organização Mundial do Turismo, apesar dos aspetos negativos da economia mundial desde 2008, o Turismo registou um progressivo crescimento, alcançando em 2011 e em 2012, um crescimento mundial de 5% e 4%, respetivamente (IPDT, 2013). Tais números contrastam com a realidade regional, que registou em 2012 um significativo decréscimo acumulado face a 2008: no número de turistas (- 17%), nas taxas de ocupação (- 6%), nas dormidas (- 11,2%), assim como, uma diminuição de mais de dezasseis pontos percentuais nos proveitos (IPDT, 2013), face a 2008.

De acordo com relatório do IPDT (2013), intitulado “Turismo na RAM – Contributos para uma Estratégia de Desenvolvimento e Crescimento”, desenvolvido para a Ordem dos Economistas, considerando o período em estudo, afirma-se que “a atividade turística na RAM continua a revelar problemas estruturais que se prendem, sobretudo, com a falta de procura face à capacidade instalada” (IPDT, 2013).

Depois dos decréscimos registados até 2010, quer no número de turistas que visitavam a Região (IPDT, 2017), quer no número de visitantes dos museus (DREM, 2021; INE, 2021), podemos relacionar, a partir de 2013, um progressivo aumento de visitantes nos museus, embora residual, com o crescimento sustentado do turismo até 2019, mensurável a partir dos principais indicadores. É possível aferir um crescimento semelhante, no número de estrangeiros registados nos museus madeirenses (além dos turistas nacionais) no período posterior.

Verificou-se, infelizmente, que em quase uma década, os museus da RAM perderam mais de meio milhão de visitantes (546 mil), de 2011 a 2019, sobre os quais se soma o impacto da pandemia, verificando-se que, em 2020 foi registada uma quebra acentuada de 141 mil visitantes (-66%) em relação a 2019 (DREM, 2021; INE, 2020).

Quando é feita uma análise entre o melhor resultado das últimas duas décadas (759 mil visitantes em 2011), em comparação com o pior resultado (72 mil em 2020) verificamos a forte dependência da oferta museológica dos públicos estrangeiros, em detrimento dos públicos escolares e locais. Assim, podemos concluir que, a perda de mais de 687 mil visitantes nos museus regionais, poderá ser demonstrativa de um estado de decadência cultural e de um agravamento do déficit democrático no acesso à Cultura, que poderão colocar em causa a coesão social e a unidade territorial (Miranda, 2006).

As razões apontadas em vários inquéritos, teses e relatórios para o desinteresse dos locais são diversas (Antunes, 2013; Araújo, 2013; Goes & Sardinha, 2021; Gouveia, 2009; Silva, 2003), acentuando o distanciamento com a realidade europeia “relação entre os museus e os residentes locais não se compara ao que acontece nas grandes cidades (Araújo, 2013). Enumeram-se alguns das razões: os horários de abertura (Araújo, 2013); a falta de capacidade de atratividade (Araújo, 2013; Gonçalves, 2014), nomeadamente, pela falta de programação regular e diversificada; a falta de dinamismo, demonstrado pela “pouca rotatividade de exposições” (Araújo, 2013) – manutenção de exposições permanentes ou de longa duração (Silva, 2003) – é  uma das razões para o afastamento do público dos museus; a falta de atualização dos discursos museográficos; o incipiente uso das novas tecnologias, quer nas práticas curatoriais, quer na gestão museológica e das coleções (Antunes, 2013; Gouveia, 2009), como também na divulgação de atividades. A não gratuidade de alguns museus é apontada também como uma razão para desencorajar o acesso dos residentes locais. A ausência de vontade política e a alocação de recursos financeiros, dificulta a implementação de novos projetos e a deterioração das coleções (Antunes, 2013; Gouveia, 2009).

O não envolvimento da comunidade local (Araújo, 2013; Gonçalves, 2014) onde o museu se insere, acentua o processo de não identificação dos públicos regionais com as instituições culturais, consideradas elitistas (Goes & Sardinha, 2021). Porque as práticas de gestão museológica deverão estar “em constante mudança”, os museus deverão saber “cativar e seduzir o seu público para ir de encontro às suas expectativas e interesses” (Araújo, 2013).

Urge um estudo aprofundado que tenha em conta as especificidades e a diferenciação dos públicos (Araújo, 2013), além da adoção de novas políticas que assegurem a efetivação dos direitos culturais consagrados constitucionalmente (Miranda, 2006). A captação e formação de novos públicos para os museus, deverá estar assente no desenvolvimento de projetos de comunidade (Goes & Sardinha, 2021) na diversificação da oferta museológica e da programação e no recurso às novas tecnologias (Gonçalves, 2014), fazendo corresponder a respetiva afetação de meios e recursos para implementá-las.

Parafraseando Herreman (2000), citado por Araújo (2003), o turismo é um dos movimentos subjacentes à “mundialização”, que “sacudiu os fundamentos do museu” e que poderá colocar em causa a missão da instituição no seio da comunidade local (Goes & Sardinha, 2021; Gonçalves, 2014). A inércia das tutelas e a falta de compromisso da decisão política expõe a ausência de uma visão estratégica integrada para os museus e põe em causa a formação cultural das próximas gerações e o nosso futuro coletivo. No mundo pós-pandemia, os museus terão de se emancipar do Turismo e serem capazes de antever o futuro ou mitigar um confronto entre o decadentismo identitário e a cativação de novos públicos.

Referências:

Antunes, L. P. (2013). Henrique Coutinho Gouveia – Museu Etnográfico da Madeira: estudo de um modelo de avaliação. MIDAS [Online]. 166. https://doi.org/10.4000/midas.166

Araújo, M. L. (2013). Centro das Artes – Casa das Mudas e Museu Henrique e Francisco Franco – um ponto de partida para um inquérito sobre a museologia na região autónoma da Madeira. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. http://hdl.handle.net/10451/8467

Diário da República nº 195/2004 – Série I-A de 2004-08-19. (n.d.). Lei Quadro dos Museus Portugueses. Lisboa. https://dre.pt/pesquisa/-/search/480516/details/maximized

DREM. (2021). Série Retrospetiva da Cultura, Desporto e Lazer 2001-2020.  https://estatistica.madeira.gov.pt/download-now/social/cultura-desporto-lazer-pt/cultura-serie-pt/category/123-cultura-serie.html

Goes, D. J., & Sardinha, L. F. (2021). Turismo y museos: una reflexión empírica sobre la Región Autónoma de Madeira. PASOS – Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 19(4), 655-673. https://doi.org/10.25145/j.pasos.2021.19.043

Gonçalves, J. C. (2014). Museus de Arte Contemporânea: noção, desenvolvimento, abordagens e perspetivas. Uma leitura sobre o Museu de Arte Contemporânea do Funchal. Dissertação de Mestrado. Funchal: Universidade da Madeira.

https://digituma.uma.pt/bitstream/10400.13/725/1/MestradoJuanGon%C3%A7alves.pdf

Gouveia, Henrique Coutinho. (2009). Museu Etnográfico da Madeira: estudo de um modelo de avaliação. Praia e Tomar: Universidade de Cabo-Verde e Instituto Politécnico de Tomar. ISBN-978-972-9473-38-8.

ICOM Portugal. (2019). Nova definição de Museu.

http://icom-portugal.org/2019/08/16/nova-definicao-de-museu/

INE. (2021). Inquérito aos Museus. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística.  https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&userLoadSave=Load&userTableOrder=10756&tipoSeleccao=1&contexto=pq&selTab=tab1&submitLoad=true

INE. (2020). Estatísticas da Cultura: 2019. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística.  https://www.ine.pt/xurl/pub/71882171>. ISSN 1647-4066. ISBN 978-989-25-053

IPDT. (2013). O Turismo na Região Autónoma da Madeira – Contributos para uma Estratégia de Desenvolvimento e Crescimento. Funchal: Ordem dos Economistas – DRAM https://cld.pt/dl/download/e9d881e9-4b98-402b-8b7d-741ee4f8bb68/Tur_RAM_Relatorio%20-%20Economistas.pdf?download=true

IPDT. (2017). Estratégia para o Turismo da Madeira 2017-2021. Funchal: SRTC

https://www.apmadeira.pt/media/1731/estrategia-para-o-turismo-da-madeira.pdf

Miranda, J. (2006). Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. In O Direito 138º

(2006), IV.

Silva, S. D. (2003). Realidade Museológica no Arquipélago da Madeira – da génese à actualidade. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Lusófona de Humanidades e Tecnologias

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