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Cabo Verde: De destino turístico a plataforma atlântica

Cabo Verde procura a transição de uma economia assente no turismo para ser um polo entre África, Europa e as Américas, tendo por base a inovação e focado na sustentabilidade. Ambiente e pobreza permanecem ameaças.
19 Março 2022, 18h00

Considerada uma das economias mais desenvolvidas na democracia mais saudável de África, Cabo Verde sofreu um forte impacto com a crise pandémica e o rombo que esta deu no turismo internacional, a principal fonte de receitas da pequena nação-arquipélago. O Governo lançou, no início deste ano, um programa de desenvolvimento sustentável que visa recuperar deste grande choque negativo a um país que quer agora retomar a rota do crescimento, ao mesmo tempo que aborda questões como a transição verde ou a erradicação da pobreza.

Em 2020, a pandemia de Covid-19 trouxe uma quebra numa série de quatro anos consecutivos com crescimento acima dos 3,5%, com o turismo internacional a quase desaparecer completamente, levando a uma retração de 14,8% do produto interno bruto (PIB) do país, segundo os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Esta performance da economia relaciona-se com a subida expressiva da dívida pública, que se situava já nos 124,7% do PIB, em 2019, e disparou para os 158,1%, em 2020, estimando-se que tenha subido novamente, até aos 160,7% da riqueza criada, em 2021.

Este é um aspeto preocupante da economia cabo-verdiana, mas que é limitado pelo acesso do país aos mercados internacionais, pela longa maturidade média dos seus títulos de dívida e pelo acordo de cooperação ao nível do câmbio que mantém com Portugal, que protege o país de flutuações internacionais nas cotações do escudo local, referem a Fitch e a Coface.

Para este ano, a expectativa do FMI é de um crescimento económico de 6,4%, depois de uma recuperação de 4% no ano passado, com a Fitch a apontar para uma expansão 6,5% este ano, acelerando face aos 4,5% de 2021. A Standard & Poor’s estima um crescimento de 5,5% em 2021 e de 4,1% este ano e no próximo.

Para este resultado muito terá de contribuir a recuperação do turismo, perante a estabilização da situação pandémica na Europa, o principal mercado emissor de turistas para Cabo Verde. Ao mesmo tempo, o país tem das mais elevadas taxas de vacinação de África – em entrevista ao Jornal Económico, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, diz que 85% da população tem pelo menos uma dose da vacina – o que deverá contribuir para aumentar a dinâmica deste sector nos próximos meses.

Para não depender só do turismo, Cabo Verde tem procurado afirmar-se como um ponto relevante no trânsito entre Europa, África e as Américas, dado o seu posicionamento estratégico. Juntamente com o turismo, o transporte aéreo representa cerca de 30% da economia cabo-verdiana, estima a S&P, sublinhando a importância destes sectores para o país. Importa, portanto, relevar que as perspetivas das agências de rating e do FMI passam por uma retoma dos níveis de passageiros registados em 2019 apenas em 2024, o que irá ter um impacto negativo nas perspetivas de médio-prazo.

PEDS II construído a olhar para o futuro
Para fazer face às dificuldades já existentes e às criadas pela pandemia, bem como planeando já a transição para uma economia assente em novas bases, o Governo de Cabo Verde apresentou o seu segundo Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável 2022-2026 (PEDS II), que traça as linhas orientadoras da transformação esperada na economia cabo-verdiana nos próximos anos.

No documento, identificam-se como prioridades o aumento das exportações, o reforço das preocupações ambientais e da resistência às alterações climáticas, a segurança e a diminuição da dependência energética, tudo áreas que atualmente contribuem para uma maior vulnerabilidade económica de Cabo Verde e dependência externa que os governantes do país querem diminuir.

Um dos objetivos declarados é a fixação do arquipélago como uma plataforma do Médio Atlântico, visando captar, em dez anos, um mercado internacional de 2.400 passageiros diários em voos intercontinentais, aos quais se somam cerca de 100 voos por dia destinados à entrada ou saída de turistas do país. Este estatuto de plataforma seria também extensível ao comércio, inovação e economia digital, com o Governo a sublinhar a importância da captação de investimento direto estrangeiro (IDE) para a obtenção destes objetivos.

Assim, o PEDS II prevê o aprofundamento das relações comerciais com várias geografias e economias mundiais, como Brasil, China, África Austral ou as outras nações-arquipélago da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Internamente, além da modernização e maturação do turismo, o Governo pretende desenvolver áreas chave como a pesca, agricultura, silvicultura e pecuária, além da indústria transformadora de agropecuária, de forma a reduzir a dependência alimentar do país, que contribui significativamente para o défice da balança comercial que o país regista sistematicamente.

Por outro lado, a exposição do país às alterações climáticas e a sua geografia e pluviosidade irregulares tornam imperativo uma valorização do ambiente, sobretudo dos recursos hídricos, que cria também oportunidades de desenvolvimento e inovação nesta área.

A nível governativo, o PEDS II prevê reformas ao nível da regionalização, de instituições públicas como o Tribunal de Contas, a Procuradoria da República ou o Parlamento, dimensões críticas para o país manter o estatuto de democracia mais saudável de África, enquanto estimula o ambiente económico e de negócios, de forma a melhorar ao nível da liberdade económica.

Outros aspetos como o ordenamento do território, a educação ou a habitação relacionam-se fortemente com o combate à pobreza no país, seja através do acesso à rede de água potável, saneamento básico e iluminação pública, pelo elevador social que constitui a educação ou pela segurança e proteção que confere o acesso a uma habitação digna. Em súmula, estes investimentos e reformas visam elevar o índice de desenvolvimento humano (IDH) do arquipélago de 0,648 em 2015 para 0,690 em 2021, o que veria Cabo Verde afirmar-se como o décimo país mais desenvolvido, segundo este indicador, do continente africano.

“Com o PEDS II mobilizaremos recursos e parcerias, cumpriremos o primeiro ciclo da Ambição 2030 e assim contribuiremos de forma definitiva para que Cabo Verde não falhe, mas antes cumpra com os objetivos de desenvolvimento sustentável”, acrescentou o vice-primeiro-ministro, além de ministro das Finanças e do Fomento Empresarial e ministro da Economia Digital, Olavo Correia.

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