Depois de falhar um pagamento de 1,9 milhões de dólares (1,77 milhões de euros) em juros de uma obrigação esta semana, a Rússia encontra-se a braços com um processo para avaliar se este não-cumprimento de compromissos financeiros constitui efetivamente um default, algo que já aconteceu na história do país que em fevereiro decidiu invadir a vizinha Ucrânia.
O possível default de 2022 seria o quarto em pouco mais de 100 anos, um período marcado por alterações significativas ao modelo político russo. Desde o fim dos czares em 1918 ao desmembramento da União Soviética, em 1991, o Kremlin esteve já numa situação idêntica (ainda que por motivos diversos) no seu passado recente.
A Revolução Vermelha de 1918 marcou o fim do período czarista na Rússia, que era, à altura, detentora do maior stock líquido de dívida do mundo, depois de ter recorrido a empréstimos para financiar grande parte do seu processo de industrialização. Com a ascensão dos bolcheviques ao poder, esta dívida foi rejeitada sob o pretexto de não ter servido o povo, gerando um default quase voluntário do novo regime.
Esta rejeição da dívida causou perdas avultadas em vários bancos europeus, sobretudo em França, atingindo também as famílias que detinham os títulos em causa. Estima-se que o montante recusado pelos bolcheviques ascendesse, em preços correntes de 2020, a 500 mil milhões de dólares (466,2 mil milhões de euros).
Mais de 70 anos depois, o regime iniciado pela Revolução de 1918 acabaria por colapsar, com a URSS a dar origem a várias novas repúblicas no leste europeu e no centro da Ásia, bem como à Federação Russa. No entanto, esta última recusou-se inicialmente a honrar alguns dos compromissos financeiros soviéticos, incluindo alguns títulos detidos fora do país.
Após negociações com o Clube de Paris, foi acordado um diferimento de uma parte substancial do stock da URSS (cerca de 26 mil milhões de euros em mais de 100 mil milhões originais) para a década seguinte, ao mesmo tempo que a Federação Russa foi reconhecida como um país credor, recuperando a sua credibilidade financeira.
Apenas alguns anos depois, em 1997, a Federação Russa viu as suas receitas externas caírem abruptamente com o crash dos preços do petróleo, expondo vulnerabilidades quanto às suas finanças públicas. Com uma dívida externa a crescer rapidamente e uma receita fiscal muito aquém do necessário, o país tentou sem sucesso angariar fundos através de títulos do Tesouro de curto-prazo que chegaram a ter taxas de juro de 150%.
Ao mesmo tempo, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial propuseram um pacote de ajuda que incluiria a passagem destes títulos de curto-prazo para Eurobonds de maturidade mais longa. No entanto, o mercado esperava um pacote mais musculado e abrangente e, perante o aumento do incumprimento, os investidores decidiram vender massivamente os ativos e títulos associados à economia russa, obrigando o Banco Central de Moscovo a gastar uma boa parte das suas reservas de divisas estrangeiras para manter o rublo.
Dada a pressão a que estava sujeita a divisa russa e a falta de confiança do mercado, o governo decretou a 17 de agosto de 1998 uma desvalorização do rublo, um default doméstico e uma moratória de 90 dias para o pagamento de dívida externa. Nesse ano, a inflação no maior país do mundo chegou a 84% e muitos bancos fecharam portas, dada a sua exposição aos títulos do Tesouro de curto-prazo.
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