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O Museu do Tesouro Real é inagurado esta quarta-feira, 1 de junho. O espólio da riqueza e luxo do passado monárquico português pode ser visitado todos os dias, das 10h00 às 19h00, na ala poente do Palácio Nacional da Ajuda.
A abertura da nova instituição assinala também a conclusão das obras do palácio, que começaram há mais de 220 anos. O legado de D. José I fica cumprido e aquela que foi a última casa da monarquia portuguesa guarda agora a grande maioria do espólio real, das joias aos mantos, sem esquecer os galheteiros de prata. Mas estes objetos nunca tiveram morada permanente, tendo estado espalhados entre palácios e museus.
Pode-se até deduzir que da tragédia veio a vontade de o proteger. No Ajuda sente-se a falta das joias da coroa que foram roubadas em 2002, em Haia, e cuja apólice de seguro de cerca de 4 milhões de euros serviu para ajudar a suportar a fatura do novo museu.
A totalidade do projeto, que incluiu a obra de remate da ala poente e a requalificação do espaço público na Calçada da Ajuda, custou cerca de 31 milhões de euros. A maior fatia deste valor foi garantida pelo Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa (18 milhões de euros). O Ministério da Cultura e a Direção-Geral do Património Cultural investiram quatro milhões e 800 mil euros e a Associação Turismo de Lisboa investiu nove milhões de euros. A exploração (e responsabilidade) será gerida a várias mãos.
Por detrás da moderna e minimalista fachada – que não foi isenta de críticas – está uma das maiores caixas-fortes do mundo, com 40 metros de comprimento, dez metros de altura e outros dez de largura. É um cofre de três andares, onde só cabem 100 visitantes de cada vez, e as portas blindadas de cinco toneladas passam bem a mensagem dissuadora: as mais de mil peças que aqui entraram para ficar dificilmente sairão.
Os diamantes brilham no escuro
O acervo é, segundo a instituição, de um “valor patrimonial inestimável”. Nos onze núcleos de exposição encontramos algumas das mais raras e valiosas joias, insígnias e condecorações, moedas e peças de ouriversaria. Estas peças não são apenas um testemunho da riqueza e do poder da monarquia portuguesa. Acabam por pintar um retrato das suas épocas, das pessoas que as encomendavam e utilizavam. Há aqui tanta história quanto arte, numa exposição quase toda ela às escuras. O objetivo é que a iluminação evidencie e potencie o brilho, cor e eminência de cada peça.
Aqui, não foi só a luz a ser pensada ao detalhe. O Museu do Tesouro Real será dos museus portugueses com um dos maiores aparatos de segurança, que se revela logo ao início apertado, mas também sofisticado. A tecnologia está ao serviço dos reis. Quem diria?
Pode-se até estranhar, ao entrar no lobby situado nas arcadas da ala poente, a simplicidade e quase irónica modéstia das instalações. Chão e paredes brancas, sem qualquer elemento decorativo à exceção de uma frase de Saramago vinilada e um diagrama do museu. Afinal de contas, o que interessa ver está dentro da caixa-forte, que surge no centro do edifício quase isolada da estrutura, toda ela dourada, a flutuar. Já se percebeu que é ali que está o precioso. Para lá chegar, há que passar um detetor de metais, uma máquina de raio-x e uma porta giratória de identificação corporal e outros tantos sofisticados equipamentos de segurança e videovigilância. As peças, essas, estão protegidas por uma vitrine com controlo de temperatura e humidade e os vidros, claro, são à prova de bala.
O projeto museológico do espaço ficou a cargo do arquiteto João Carlos Santos, da DGPC. O layout da exposição foi desenhado pela Providência Design e a execução das obras coube à Associação Turismo de Lisboa (ATL), por incumbência da Câmara Municipal de Lisboa. O Palácio Nacional da Ajuda, que agora recebe o Museu, vai-se encarregar da gestão científica e histórica. A gestão operacional fica a cargo da ATL.
Numa exposição que vai do ouro do Brasil aos serviços de mesa, retrata-se uma era de poder e de objetos pessoais de luxo, que o Museu do Tesouro Real considera ser “uma das mais importantes coleções mundiais”, tanto pela sua dimensão, raridade e qualidade.
Onze núcleos, três andares, mil peças
A exposição permanente do Museu do Tesouro Real foi desenhada em onze núcleos, numa abordagem que se pretende aprofundada sobre a origem, mas também o percurso das peças que os compõem. Algumas foram ao Brasil e voltaram, outras perderam-se e foram encontradas, outras roubadas e recuperadas e outras mais estão por aí, à espera de regressar à nova casa.
O primeiro núcleo desta exposição foca-se no ouro e nos diamantes do Brasil, com amostras de exemplares em bruto dos metais e gemas que evidenciam um período de importante monopólio da coroa na extração dos mesmos, que explica a mudança de paradigma na joalharia, que passa a ser definida não pelos metais preciosos, mas sim pelas pedrarias, conferindo aos cravadores um protagonismo singular.
Desse, passamos ao espólio numismático, que o Museu admite ter sido em tempos “mais vasto”, composto por dotes régios, dádivas, heranças e gestos diplomáticos consagrados em moedas e medalhas, que eram frequentemente usadas como instrumentos de propaganda, prestígio mas também poder. Um pouco como as joias, que merecem o seu próprio núcleo. Há também um destaque para as ordens honoríficas, testemunho secular das intensas e complexas relações internacionais da corte portuguesa, tal como as insígnias régias e outros objetos de ritual monárquico, que merecem o seu canto neste museu. Sim, há coroas, ceptros e tronos, e outras coisas menos óbvias mas que fazem parte do aparato que se exigia. Ninguém queria um rei de mãos a abanar.
A prata de aparato da coroa tem também o seu próprio núcleo. Falamos de objetos aparentemente quotidianos, apesar de ricamente trabalhados. Quase no fim, encontramos as coleções particulares do rei D. Fernando II e do seu filho, D. Luís I, ávidos colecionadores, bem como uma secção dedicada às ofertas diplomáticas ou às cerimónias religiosas.
A história de Portugal, da família real e, por arrasto, do tesouro real, encontra um grande soluço e ponto de viragem em 1755. O terramoto, que recentemente também motivou um centro de interpretação, levou a que se perdesse uma parte considerável do tesouro. Por isso, o Museu do Tesouro Real dedica um núcleo à baixela Germain, assim designada por ter sido encomendada ao ourives François-Thomas Germain, que se dedicou a desenhar e executar conjuntos de mesa concebidos para servir à francesa.
Por fim, a epopeia. O tesouro real só agora encontra uma morada permanente. Pelos séculos, acompanhou a família real onde quer que ela se deslocasse. Joias, têxteis, ostensivos serviços de mesa, peças de arte, eram um colateral antigo, uma poupança inestimável. Queria-se perto. Os cofres do tesouro atravessaram o Atlântico em 1807, aquando das invasões francesas. A paz com Napoleão foi inclusive negociada a diamantes, e não foram poucos.
Uma parte regressou com o rei em 1821, outra embarcou para Londres. Como revela o Museu do Tesouro Real, algumas peças nunca regressaram a Lisboa, as restantes estão aqui e não se prevê que vão a algum lado. Outras ainda, quiçá apareçam.
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