Dias antes do congresso da CGTP em que deixou o cargo de secretário-geral, por ter atingido o limite de idade, Arménio Carlos acusou o Governo, em entrevista ao Jornal Económico, de contribuir para a ascensão da extrema-direita ao não resolver os problemas laborais e sociais. Algo que o sindicalista substituído neste domingo por Isabel Camarinha não considera desligado do aparecimento de movimentos inorgânicos alheios às centrais sindicais.
Vê no protagonismo dado nos últimos anos a movimentos alheios às centrais sindicais, assentes nas redes sociais e no crowdfunding, como no caso dos enfermeiros e dos motoristas de matérias perigosas, alguma estratégia de menorizar a CGTP?
Temos um movimento sindical distinto em Portugal. Independentemente de gostarem mais ou de gostarem menos, todos conhecem que a CGTP não só é a maior organização social em Portugal como não se limita a fazer crítica, protesto e luta. Apresenta sistematicamente propostas e alternativas.
Mas admite que exista algum lugar para esses movimentos na luta sindical?
O reconhecimento da nossa relação com os trabalhadores e com a sociedade leva a que se tente pôr em causa esta capacidade de intervenção e de mobilização. Num contexto em que a falta de resposta aos problemas dos trabalhadores gera um descontentamento que tem de ser potenciado e rentabilizado no sentido certo, em algumas situações houve um desenvolvimento baseado numa conceção corporativista, isolacionista e elitista.
Populista também?
Já lá vamos… Verificámos que a falta de resposta do Governo aos enfermeiros levou a que surgissem movimentações através das redes sociais que criaram expectativas que se vieram a revelar frustrantes. Encaminharam os trabalhadores para uma luta que não souberam conduzir, não tiveram resultados, e acabaram por deixar parte significativa desses profissionais numa situação de desmobilização. E é agora o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, da CGTP, que está a reconstruir todo o processo para não só responder às reivindicações legítimas dos enfermeiros mas simultaneamente encaminhá-los para um processo de luta que, ao contrário do que alguns pensam, não é algo que possa ter, na atual correlação de forças, resultado imediato. Se forem por aí podem ter surpresas desagradáveis, como tiveram. Um processo de luta decorre no quadro de uma correlação de forças. O que importa é ter a inteligência suficiente para encaminhar uma luta que desgaste ao máximo o nosso adversário e ao mínimo os trabalhadores.
Não foi isso o que aconteceu no caso dos enfermeiros…
Foi a tese da bomba atómica: parava-se as cirurgias e ficava o problema resolvido. Viraram a população contra a sua luta, deram pretexto ao Governo para aprofundar os serviços mínimos, pondo em causa o direito de greve, e abriram um pasto à iniciativa privada para tentar rentabilizar a contestação relativamente ao futuro do Serviço Nacional de Saúde, e acabaram por resultar numa desmobilização para lutas futuras. O resultado final foi inferior àquele que o Governo tinha apresentado inicialmente e agora estamos a recuperar isso tudo. Depois há outro dado, que é o fundo que foi criado. Não temos nada contra soluções que os sindicatos encontram para resolver os problemas das greves, mas temos um princípio: um trabalhador só vai para a greve quando é obrigado, e quando o faz é com sentido de responsabilidade: do ponto de vista profissional, ético e cívico. No final do mês não recebemos a parte correspondente aos dias de greve que fizemos. É um sinal. O que foi feito ali não foi isso. Foi encontrar financiamento, ainda não totalmente esclarecido, para suportar os dias de greve de umas centenas de enfermeiros nas áreas cirúrgicas. Foram feitas duas coletas: uma de 400 mil euros e outra de 350 mil, mas é preciso que se saiba que a entidade privada que geria esse fundo cobrou 7,5%. Foram 60 mil euros. Isto é fazer negócio à custa dos sindicatos e a CGTP e os seus sindicatos não existem para isso.
Considera que os movimentos orgânicos sejam populistas?
A subida da extrema-direita e destes movimentos inorgânicos não está desligada da falta de resposta do Governo aos problemas e reivindicações dos trabalhadores e a uma secundarização do papel dos sindicatos representativos. Não basta dizer que temos de combater a extrema-direita. Combate-se a extrema-direita respondendo aos problemas laborais e sociais. Ninguém cai no desespero se tiver estabilidade, a vida organizada, um salário digno, se vir reconhecidas as suas competências. E é uma pessoa muito mais interventiva na sociedade, porque a sua auto-estima também está mais elevada. O Governo apresentou aquela proposta aos trabalhadores da Administração Pública. Está à espera de quê? De que os trabalhadores vão dizer que estão felizes, nomeadamente aqueles que ganham 635 euros, por um aumento de sete euros por mês?
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