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Sauditas querem bater recordes de produção com mais de 12 milhões de barris de petróleo por dia em abril

Quando os EUA e a Rússia esperavam que a guerra de preços liderada pela Arábia Saudita abrandasse perante as baixas cotações internacionais a que chegou o petróleo, são confrontados com o contrário. Os sauditas abrem as torneiras dos poços ao máximo e querem bater recordes de produção em abril, fazendo descer ainda mais as cotações do Brent e do WTI.
  • Zbynek Burival on Unsplash
2 Abril 2020, 07h41

Mohammad bin Salman bin Abdulaziz Al Saud, príncipe herdeiro da Arábia Saudita – também conhecido por “MbS” – dispõe de uma infraestrutura de produção petrolífera ímpar no sector, “capaz de debitar o melhor petróleo do mundo, com custos de produção muito baixos e com capacidade para forçar a descida das cotações internacionais de petróleo até onde praticamente nenhum outro país produtor aguenta”, comentou ao Jornal Económico (JE) um académico português. Trata-se de um especialista em petróleos que formou, no Instituto Superior Técnico, muitas gerações de outros tantos especialistas, hoje espalhados pelo mundo a trabalharem em petrolíferas, e que foi igualmente um dos sócios fundadores do jornal Expresso. Reforçando a informação que quis transmitir ao JE, ainda foi mais explícito: “O príncipe herdeiro saudita não tem um exército, mas tem poder e está a exercê-lo. Já tinha anunciado que queria aumentar a produção saudita até bater um recorde superior a 12 milhões de barris de petróleo diários, e é isso que fará este mês de abril”.

Numa conjuntura em que a pandemia da Covid-19 induziu a redução drástica do consumo de produtos petrolíferos em quase todos os sectores de atividade económica a nível mundial, provocando uma quebra de consumo que vários bancos de investimento já quantificaram num intervalo entre 25 e 30 milhões de barris diários, a estratégia saudita conseguirá agora concretizar antigos objetivos: aumentar a quota de mercado do petróleo saudita junto dos principais compradores (que são os grandes grupos refinadores de petróleo), e secar os produtores que apenas sobreviviam com cotações internacionais superiores a 55 dólares por barril (um universo em que passou a estar a maioria dos produtores de shale oil dos EUA).

A orientação estratégica do príncipe herdeiro “MbS” mostrou-se inflexível perante propostas de negociação feitas pela Rússia e pelos EUA. Embora a diplomacia saudita continue a trabalhar, ouvindo o que a Rússia e os EUA têm a propor, a verdade é que as orientações executivas que a Arábia Saudita transmite às suas infraestruturas petrolíferas não sofrem alterações, mantendo o objetivo de bater o recorde de mais de 12 milhões de barris de petróleo produzidos por dia.

Ambições árabes vêm dos anos 70

Por isso, segundo o especialista português, académico e sócio fundador de um jornal de referência, “a Arábia Saudita tem todas as condições para concretizar agora, durante a crise da Covid-19, o que tentou fazer há muitos anos, durante o choque petrolífero dos anos 70, que eu vivi na altura, enquanto jovem profissional no sector”.

Todas as informações provenientes das estruturas de produção petrolíferas sauditas dão indicações que o alto débito na extração do petróleo árabe terá permitido canalizar para a exportação uma elevada quantidade equivalente de barris destinada às refinarias europeias.

Enquanto os europeus lidam bem com esta realidade, porque apenas compram petróleo de qualidade a baixos preços, sem consequências “laterais” na sua indústria, os norte-americanos já não conseguem fazer o mesmo, porque cada barril de petróleo saudita que é descarregado nos EUA representa uma agressão económica aos produtores de shale oil do interior dos EUA, mas também aos produtores tradicionais das pequenas unidades de extração petrolífera de vários Estados interiores, como os do Wyoming.

Sauditas intensificam guerra em abril

Ou seja: quando se julgava que os sauditas iam travar a guerra de preços que tinham iniciado contra a Rússia, em abril os árabes continua a dar mostras que querem é intensificar essa mesma guerra. Também é certo que o sector petrolífero é muito volátil, admitindo – mais que na banca, na indústria automóvel, ou na indústria da aviação –, alterações repentinas se as condições negociais forem favoráveis. O que hoje é verdade, amanhã deixa de fazer sentido.

Mas, como a fonte referiu ao JE, agora os sauditas “têm o poder e exercem-no”. Nesta questão, ainda há um pequeno detalhe de logística que faz toda a diferença. Mesmo que os sauditas não sejam os últimos detentores do capital dos armadores que disponibilizam grandes frotas de petroleiros para transportar o petróleo leve da arábia – “nos dias que correm, é complicado saber quem é o detentor do capital das empresas que operam as frotas de petroleiros que trabalham para os sauditas”, comentou, com ironia, a fonte –, “a verdade é que esta frota é fiel à Arábia Saudita e assegura que o seu petróleo exportado chega aos destinos, fornecendo as refinarias com petróleo saudita, num momento em que há grande excedente de outros tipos de petróleo em todo o mundo”.

“São conhecidos os exemplos das refinarias que funcionavam com o petróleo muito pesado da Venezuela, inclusive nos EUA, que sempre foi comprado a preços muito baixos em Caracas, e que, mesmo assim, não conseguiu viabilizar essas refinarias, que atualmente estão todas em más situações, para não dizer pior”, refere o académico especialista em petróleos.

Petróleo barato e mau sai caro

Não é por ser barato que o petróleo soluciona os problemas a um grupo refinador. Comprar mau petróleo, mesmo barato, pode ser sinónimo de ter de proceder a uma refinação mais onerosa. Mas comprar bom petróleo, de alta qualidade, a baixo preço, faz toda a diferença no sector. Porque uma refinaria com aparelho refinador que esteja afinado para trabalhar com petróleos pesados tem custos de refinação mais elevados que os das refinarias que conseguem trabalhar com o petróleo saudita. E os árabes são os primeiros a saber isso, que também é importante nesta guerra de preços em que os sauditas estão envolvidos.

É isso e o tipo de transporte marítimo que utilizam, porque os referidos petroleiros têm bases de armazenamento que tornam os fretes de transporte mais fáceis, como as unidades de tancagem egípcias (em Sidi Kerir, no Mediterrâneo, que não tem as limitações de fundos do canal do Suez, onde os maiores petroleiros já não conseguem navegar totalmente carregados com petróleo porque tocam nos fundos) e que utilizam para fornecer às refinarias europeias o petróleo leve da Arábia.

Azáfama nos terminais árabes

Além disso, a azáfama reportada por quem trabalha nos terminais petrolíferos de Yanbu e de Ras Tanura é enorme. Aí, os petroleiros não param de carregar petróleo leve árabe. Os mais referenciados são o Hong Kong Spirit (IMO, 9602289), com sete anos de idade e o Dalian (IMO, 9595228), também com sete anos de idade e pavilhão da Libéria.

A resposta saudita à “estratégia de desalinhamento” russa – note-se que Moscovo nunca reduziu a produção quando o grupo alargado da OPEP+ se propôs realizar cortes para tentar aumentar as cotações internacionais do Brent e do WTI –, foi continuar a dar indicações aos engenheiros de produção dos poços árabes que o débito seria mantido ao nível máximo.

Russos quiseram fazer o mesmo que os árabes

Aparentemente, os produtores russos queriam fazer o mesmo jogo que os árabes, com o objetivo de asseguraram elevadas quantidades de produção, só que não têm nem os baixos custos de produção árabes – porque os poços russos exigem maior investimento para manter altos níveis de débito –, nem o petróleo russo tem a elevada qualidade do petróleo árabe.

Sem haver informações rigorosas, é provável que a produção árabe tenha aumentado as exportações para níveis próximos dos nove milhões de barris diários no final de março. Agora, a 5 de abril, os EUA vão testar se houve alguma alteração na estratégia saudita, mas provavelmente vão ficar surpreendidos quando confirmarem que os preços de venda do petróleo saudita para as entregas de maio ainda vão ser mais baixos. “Os sauditas querem estoirar com a indústria petrolífera dos EUA”, remata o especialista português.

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