Para que de um qualquer regime se possa dizer que é democrático é necessário (embora não suficiente) que exista uma forte proporcionalidade entre as diferentes preferências da população e a sua respectiva representatividade nos órgãos de decisão política.

Os sistemas políticos em que se operam distorções a essa lógica de proporcionalidade, em nome da facilidade governativa, são claros afastamentos da democracia.

Em democracia, antes da eficiência está o direito e a possibilidade real de todos terem uma voz e de sentirem que as suas preferências são tidas em conta no processo político e legislativo.

Apesar de o nosso sistema político parlamentar não ser verdadeiramente proporcional (os deputados são eleitos pelo método de Hondt) é um sistema suficientemente proporcional para que diversas correntes ideológicas tenham voz na Assembleia da República e possam, de alguma forma, influenciar o processo decisório.

A situação nova que se verificou, aquando da formação do actual governo, com a segunda força política mais votada a ter sido a única capaz de obter apoio parlamentar maioritário, é um bom exemplo dos benefícios da proporcionalidade (que só nunca tinha antes acontecido por, historicamente, os partidos do centro terem altas percentagens de votação que lhes permitiam governar, alternadamente, quase sozinhos).

Se o nosso sistema não fosse proporcional (à la inglesa), hoje estaríamos a ser governados por uma minoria parlamentar, representante de uma minoria do povo português, e não por uma maioria, como acontece: há mais portugueses que votaram na CDU, no BE e no PS do que no PSD e no CDS-PP. Faz todo o sentido que seja a primeira junção de votos a governar, não a segunda.

Aliás, estivesse a nossa democracia mais madura (como acontece nos países Nórdicos, na Bélgica ou na Holanda) e o nosso actual governo teria elementos do PCP e do BE, que teriam que, finalmente, provar que são capazes de efectivar soluções governativas com as restrições da realidade europeia e mundial.

A democracia implica a negociação e a cedência das partes conflituantes, de forma a se encontrar um ponto de equilíbrio que permita o governo da nação.

Os deputados dos diferentes partidos têm que ser capazes de abdicar daquilo que são os seus projectos “puros” e aceitarem projectos “impuros” ideologicamente, mas que sejam viáveis num determinado contexto parlamentar. É esse diálogo que caracteriza a democracia.

As soluções não proporcionais, em que o vencedor tem bónus e governa sozinho (nem que tivesse apenas 25% dos votos, mas mais do que qualquer outro partido), afastam-nos desse diálogo e levam-nos para um paradigma ditatorial: uma minoria governa, sem ter que acomodar os interesses dos demais.

Portugal não precisa de menos proporcionalidade, nem de menos deputados. Antes, precisa de mais cultura de diálogo e concertação, mais transparência e responsabilização, maior alternância no poder (com diferentes tipos de coligações partidárias) e até de mais partidos que possam trazer para o debate, e para as soluções políticas, as vontades dos inúmeros portugueses que se refugiam na abstenção.