As últimas previsões do Banco de Portugal confirmaram as indicações que se têm vindo a acumular nos últimos meses, e que vão ao encontro do que se escreveu nesta coluna há duas semanas: tendo em conta o que se sabe do primeiro trimestre, é praticamente certo que o PIB vai crescer bem acima dos 2% este ano. Nas contas do Banco de Portugal, divulgadas na semana passada, o valor mais provável são uns robustos 2,5%. Um número que iguala a marca mais alta dos últimos 17 anos (atingida em 2007) e parece abrir as portas a algo que, exceptuando ano isolado de 2010, já não acontecia desde o início do século passado: a convergência com a Zona Euro.
Vale a pena abrir parênteses para explicar por que é que esta questão é mais do que apenas uma nota de rodapé na leitura dos dados económicos nacionais. Portugal está desde 2001 a crescer menos do que o conjunto da União Monetária e a cavar um fosso cada vez maior face às economias mais desenvolvidas. Este não é só um facto a lamentar, é também um mistério a precisar de explicação, porque a teoria sugere (e a prática confirma) que os países menos avançados devem crescer mais do que os que já estão próximos dos limites da eficiência. Foi isso que Portugal fez nas décadas de 60, 70, 80 e 90, e que os países do alargamento do euro fizeram nos últimos 10 anos. O Portugal pós-euro é, deste ponto de vista, um curiosíssimo caso de esclerose económica ainda mal compreendida.
As previsões do Banco de Portugal inspiram algum optimismo, que deve ser temperado por algumas perguntas. A convergência é duradoura e sustentada, ou é um evento isolado, circunscrito ao ano de 2017? Vai manter-se depois de o mercado laboral ter reabsorvido o exército de desempregado que ainda existe em Portugal (e que constitui, por agora, uma forma ‘fácil’ de aumentar o PIB sem que haja aumento de produtividade)? Até que ponto é que os bloqueios estruturais que tolheram a economia durante mais de uma década foram efectivamente ultrapassados?
Mas quem não se importa de pensar fora da caixa poderá ainda fazer outra pergunta (não necessariamente ao Banco de Portugal): e se a convergência com a Europa, ao contrário do que pensamos, já estiver em marcha há vários anos?
Aí está uma possibilidade que devíamos levar a sério.
O poder da demografia
Habitualmente comparamos Portugal com os outros países através do crescimento do PIB. Mas esta escolha é ditada mais por conveniência e razões práticas (é tão fácil encontrar previsões para o PIB) do que por rigor conceptual. Porque se o propósito que nos orienta é perceber em que medida é que os níveis de vida se estão a aproximar uns dos outros, então o indicador correcto é o PIB per capita – o crescimento do volume de bens e serviços ajustado ao crescimento da população.
Tomemos como exemplo duas economias que em 2016 cresceram mais ou menos à mesma velocidade: Lituânia e Austrália. Apesar de terem crescido ambas em torno dos 2,4%, a população da primeira mingou 1,2% no ano passado, ao passo que a da segunda aumentou 1,4%. Na prática, o que isto significa é que nem todo o crescimento do PIB se traduziu numa melhoria das condições materiais de vida dos australianos, uma vez que o acréscimo da produção acabou por se ‘diluir’ numa população maior, encurtando a fatia do bolo devida a cada um. Feitas as contas, o PIB per capita australiano cresceu ‘apenas’ 1,1%, ao passo que o PIB per capita lituano avançou 3,5%. A demografia, por vezes, importa mesmo muito.
A razão por que poucos se preocupam com esta subtileza é simples. Por norma, nos países desenvolvidos as oscilações da população costumam ser pequenas e pouco relevantes. São tão curtas que nem compensam o esforço de fazer o ajustamento correspondente, porque para todos os efeitos o crescimento do PIB tout court e o crescimento do PIB per capita serão mais ou menos o mesmo. Mas Portugal é um caso especial. Não só a população tem vindo a diminuir nos últimos anos devido ao efeito combinado da emigração e da fraca natalidade como – facto menos conhecido – o diferencial face à Europa, neste particular, tem vindo a agravar-se desde o início do século. Neste contexto, a pergunta faz sentido: até que ponto é que a ideia de divergência é uma ilusão causada pela demografia?
Este factor não explica tudo, mas explica alguma coisa. Na verdade, usando o PIB per capita como critério, Portugal tem estado a crescer mais do que a Zona Euro desde 2014, acumulando diferenciais pequenos mas positivos face à performance europeia (ver gráficos da direita). Se se confirmarem as previsões do Banco de Portugal, então 2017 será mesmo o quarto ano consecutivo de convergência, depois de uma década a marcar passo.
A evolução do PIB per capita também é menos negativa no período anterior. O diferencial de crescimento durante a Crise da Dívida da Zona Euro (2011-2013) é menor, a altura da Grande Recessão (2008-2010) passa a ser de convergência, e não de divergência, e de 2003 a 2007 o gap também é encurtado. A nossa história recente não é famosa, mas possivelmente menos negra do que nos habituámos a pensar. Talvez seja altura de pormos os olhos no PIB per capita.
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