Se o final da assistência financeira da ‘troika’ foi o cimento da ‘geringonça’ – que estrategicamente assentou numa mais rápida devolução dos rendimentos perdidos durante a crise -, a segunda fase da vida do Pacto de Estabilidade e Crescimento não augura nada de bom para a continuidade de entendimentos à esquerda.

Passo a explicar o meu ponto de vista.

A batalha do défice, ponto central da política da União Europeia pós-crise, está quase a acabar. De uma maneira ou de outra, os diversos países, entre os quais Portugal, conseguiram domesticar o défice anual das contas públicas, que há alguns anos opôs o Norte ao Sul e colocou, uns mais outros menos, 24 países sob a supervisão de Bruxelas.

Agora vem aí a batalha da dívida, que promete ser tão ou mais sensível e demorada.

Enquanto o Portugal saloio se entretinha com as calças de ganga de António Costa à chegada a Luanda, o ‘El País’ publicou esta semana um artigo sobre este tema da dívida, baseado nas propostas dos conselhos financeiros de Merkel e Macron. O objetivo, que une Alemanha e França antes de qualquer orçamento europeu digno desse nome, é abater as dívidas acumuladas para baixo dos 60%, como em seu tempo foi assumido por todos os países. Este trabalho será árduo de novo a Sul, especialmente na Grécia (178%), em Itália (133%), em Portugal (cerca de 126%) e em Espanha (99%). E isso, segundo esses conselhos, terá de ser feito com regras de gastos restritivas para os países endividados acima do limite  acordado e de novo com sanções políticas para os incumpridores (como foi o caso dos procedimentos por défice excessivo).

Mal a atualidade europeia deixe de estar dominada pela crise migratória, o combate à dívida é o grande tema que se seguirá, porque com as regras atuais, não cumpridas, que mandam os países rebaixarem todos os anos 1/20 do diferencial entre a dívida existente e o objetivo fixado (60%), só a Itália demoraria 34 anos a fazê-lo e debaixo de um crescimento anual de 3%! E isto supondo condições externas previsíveis, como era o clima antes do aparecimento do aquecimento global. Por isso mesmo se começa a falar numa disciplina financeira e orçamental que passe por cima dos ciclos económicos.

É este furacão que ameaça uma qualquer ‘geringonca’ 2.0.

Jerónimo de Sousa já disse que o PCP está disponível para todos os desafios governativos, mas isso é apenas uma declaração táctica que não inclui os efeitos da convicção europeia que une o PS, o PSD e o CDS. O antigo arco da governação, felizmente, não trouxe apenas promiscuidade nos negócios e o consequente caudal de corrupção que desaguou nos processos conhecidos.

O novo caderno de encargos da União Europeia – que Rui Rio tem visto à distância com sagacidade -, colocará em dificuldades nacionais tanto o PCP como o BE, partidos para os quais qualquer avanço numa estratégia de consolidação orçamental comum é uma má notícia, algo natural para quem vive de prever catástrofes, sejam elas o desmoronamento do euro ou o fim do sonho político do pós-guerra que edificou este ‘puzzle’ de paz e progresso.

Portugal tem de se preparar para essa batalha da dívida com a mesma convicção com que enfrentou (com Passos Coelho e António Costa) a do défice. Será difícil. E, politicamente, terá consequências no mapa dos alinhamentos políticos nacionais.