Os dados são inequívocos.

No ano de 2020, 85% dos pagamentos cashless efetuados em Portugal foram efetuados com recurso a cartões de pagamento (físico, contactess e online). Já em janeiro de 2021, em plena terceira vaga da pandemia e no segundo confinamento, o valor das compras efetuadas com cartão foi de 3.416 M€, que compara com 4.050 M€ em janeiro de 2020.

Ainda que não comparável, tendo em conta a circunstância da altura, de total desconhecimento da situação e de paragem abrupta de praticamente toda a atividade económica, valor dos pagamentos em abril de 2020, durante o primeiro confinamento, foi 2.400 M€.

Ainda que o 2º confinamento tenha sido muito diferente do primeiro em termos de mobilidade dos cidadãos, estes dados mostram-nos que no que respeita a gastos a quebra não foi tão profunda como a verificada no primeiro confinamento.

A adoção de novos hábitos de compra, com um claro e profundo movimento do mundo físico (praticamente parado, com exceção do retalho alimentar, postos de abastecimento de combustíveis, farmácias e poucos outros negócios) para o digital, explicam em larga escala esta diferença significativa. Mas também a questão da conveniência e da comodidade, agora que os prazos de entrega, bastante impactados no primeiro confinamento, normalizaram.

Basta estar atento e analisar o ritmo alucinante das empresas de distribuição e logística, que agora mais ajustadas à procura, se tornaram uma peça chave neste nosso novo mundo. Um mundo em que a convergência entre setores de negócio é cada vez mais clara, alavancada pelas necessidades dos consumidores, mas também em novos modelos de negócio.

Quem pensaria que em Portugal as lojas dos postos de abastecimento de combustível se transformariam em verdadeiras lojas de conveniência, aproveitando a oportunidade para ajustar e alargar a sua oferta de produtos (fraldas descartáveis e leite para bebé, por exemplo), e promover as entregas ao domicílio através das grandes plataformas de distribuição e entregas?

Ou que na Alemanha, uma das maiores cadeias de retalho alimentar do país e da Europa começaria a comercializar um produto novo, os automóveis, já com financiamento incluído?

Este caminho não é novo, mas está seguramente a ser reinventado.

Empresas de telecomunicações a comercializar energia elétrica e a fornecer serviços de pagamentos. Bancos a incluir na sua oferta não financeira vinhos, eletrodomésticos, relógios e joias, como alavanca para a promoção do crédito ao consumo ou da utilização de cartões de crédito.

Seguradoras a oferecer programas de saúde e de estilo de vida mais saudável com oferta de aquisição de wearables que monitorizam o desempenho, a preços mais vantajosos e com cashback em função dos objetivos, ou que integram na sua oferta de seguros de saúde clínicas próprias onde podem controlar todo o ciclo da relação com o cliente.

Esta convergência cross-industry vai ser liderada por quem tem o conhecimento do cliente, quem conhece o seu perfil de consumo, ou seja, por quem domina os dados. Mas para além dos dados, esta convergência terá que ser suportada num conjunto de outras de capacidades chave.

A complementaridade, ou a forma lógica (ou não) como os produtos e serviços da outra ou de várias empresas se complementam, quase como uma extensão da experiência e comportamento do cliente. A ligação aos clientes como fator chave para o sucesso baseado na confiança mútua.

A capacidade e as competências para vender produtos e serviços que não são o core e como transformar a organização para esta visão integrada, sem perder o foco. O retorno do investimento e como o garantir e distribuir os resultados. Possuir os clientes e o seu conhecimento não é condição suficiente. É necessário garantir as parcerias adequadas e alinhadas.

O compromisso estratégico para uma mudança com impactos significativos no futuro da empresa, dos parceiros de negócio e dos clientes, tendo em vista uma maior captura de diferentes segmentos de clientes, mas também reter e fidelizar os atuais.

Quem poderá liderar esta convergência? Quem terá a capacidade para se reinventar?

Talvez seja um banco, uma seguradora, uma grande tecnológica, uma telecom ou um grande retalhista, ou, até, quem sabe, uma empresa que possa ser tudo isto ao mesmo tempo, um hub de serviços e produtos integrados numa experiência de consumo ajustada dinamicamente às necessidades dos clientes.