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Os imigrantes cometem mais crimes, a “invasão” em curso e outros “factos alternativos” de Trump

Na antecâmara das eleições intercalares, o presidente Donald Trump intensificou o discurso anti-imigração, ao ponto de lançar um vídeo no qual se associa um homicida de polícias à caravana de migrantes da América Central. Contudo, vários estudos demonstram que a taxa de criminalidade dos imigrantes ilegais é menor do que a dos nativos norte-americanos.
11 Novembro 2018, 18h48

No dia 31 de outubro, a poucos dias das eleições intercalares nos EUA, o presidente Donald Trump publicou um vídeo na rede social Twitter. O vídeo começa por mostrar Luis Bracamontes, um imigrante ilegal (i.e., não documentado) que matou dois polícias na Califórnia em 2014, sorrindo e dizendo que não se arrepende do crime, no julgamento que o condenou à pena de morte em abril deste ano. Por cima das imagens de Bracamontes surgem três mensagens: “Matou a nossa gente!”; “Os democratas deixaram-no entrar no nosso país”; “Os democratas deixam-no ficar”. Seguem-se imagens da caravana de migrantes da América Central que se encontra no México, a caminho da fronteira dos EUA, e no final volta a aparecer o rosto de Bracamontes, culminando na seguinte mensagem: “O Presidente Donald Trump e os republicanos estão a tornar a América segura outra vez!”

Na publicação em causa, referindo-se ao vídeo, Trump escreveu: “É revoltante o que os democratas estão a fazer ao nosso país. Votem nos republicanos agora!” Pago pela campanha de Trump, o vídeo foi transmitido como anúncio em várias estações de televisão (não na CNN, que recusou fazê-lo). Suscitou críticas generalizadas e acusações de racismo e xenofobia, ao ponto de ser cancelado pela NBC e Fox News. A rede social Facebook também bloqueou a “promoção paga” do anúncio. A caravana de migrantes da América Central tem sido um tema recorrente do discurso político de Trump nas últimas semanas. O presidente norte-americano alertou sucessivamente para a “invasão” em curso (embora a caravana ainda estivesse a milhares de quilómetros de distância dos EUA) e, no dia 30 de outubro, destacou mais de cinco mil soldados para a fronteira com o México.

O discurso anti-imigração e a associação entre imigrantes ilegais e criminalidade são centrais na estratégia política de Trump, desde a campanha para as eleições presidenciais em 2016, quando prometeu insistentemente construir “um grande muro” na fronteira entre o México e os EUA. A novidade deste vídeo é que o racismo e a xenofobia surgem de forma tão explícita que até a insuspeita Fox News decidiu cancelar a sua transmissão. À medida que se aproximavam as eleições intercalares, Trump intensificou a exploração do medo relativamente à caravana de migrantes (chegou a ameaçar “responder com tiros” ao eventual lançamento de pedras) e não apenas ao nível retórico. No dia 29 de outubro, por exemplo, anunciou que pretende assinar um decreto para revogar o direito à cidadania norte-americana dos filhos de pais que não nasceram nos EUA. A par de outras iniciativas e declarações recentes, nomeadamente sobre as regras de asilo.

 

Estudos científicos, dados estatísticos e “factos alternativos”

Além do racismo e xenofobia patentes no vídeo, o facto é que as estatísticas desmentem a correlação entre imigração ilegal e aumento da criminalidade. Desde a campanha de 2016 que Trump insiste em dizer que os imigrantes ilegais são uma ameaça à segurança nacional dos EUA, mas acumulam-se os estudos científicos e os dados estatísticos que apontam no sentido contrário. Em fevereiro de 2018, por exemplo, o Cato Institute publicou um estudo sobre os dados de condenações criminais no Texas, durante o ano de 2015. Os nativos norte-americanos foram condenados por cerca de 410 mil crimes nesse ano, enquanto os imigrantes ilegais foram condenados por cerca de 16 mil crimes. Em proporção das respetivas populações, a taxa de condenações dos imigrantes ilegais foi cerca de metade em comparação com a dos nativos norte-americanos.

Outro estudo, publicado em março no jornal Criminology (e baseado em dados relativos ao período entre 1990 e 2014), indica que a taxa de crime violento é substancialmente menor nos estados com maiores percentagens de imigrantes ilegais. Os autores do estudo concluem que a imigração ilegal não gera um aumento na taxa de criminalidade e que, pelo contrário, até poderá contribuir para a sua redução, devido a múltiplos fatores.

“Os democratas deixaram-no entrar no nosso país”, acusa-se no vídeo, apontando para Bracamontes. “É revoltante o que os democratas estão a fazer ao nosso país”, reforça Trump. Ao nível da retórica, o Partido Democrata é mais pró-imigração do que o Partido Republicano, sobretudo desde o advento de Trump à cena política norte-americana. Mas na prática não será tanto assim. De acordo com dados compilados num estudo do Pew Research Center, cerca de três milhões de imigrantes foram deportados dos EUA durante a Administração de Barack Obama (2009-2016), enquanto na Administração de George W. Bush (2001-2008) foram deportados cerca de dois milhões.

Mais conclusões relevantes do estudo: a imigração da América Latina tem decrescido e prevê-se, aliás, que os asiáticos deverão tornar-se o maior grupo de imigrantes nos EUA até 2055, suplantando os hispânicos; segundo uma recente sondagem, cerca de 65% dos norte-americanos considera que os imigrantes reforçam o país, ao passo que apenas 26% diz que os imigrantes são um peso para o país ao nível do emprego, habitação e cuidados de saúde (tal como Trump costuma afirmar).

Em janeiro de 2017, o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, mentiu sobre o número de pessoas que estiveram presentes na cerimónia de tomada de posse do presidente Donald Trump, chegando a dizer que se tratou “da maior audiência de sempre”. No programa televisivo Meet the Press, a então conselheira de Trump, Kellyanne Conway, questionada sobre essa mentira e consequente perda de credibilidade do presidente, respondeu da seguinte forma: “O nosso porta-voz, Sean Spicer, apresentou factos alternativos, mas o ponto é que…” E foi interrompida pelo jornalista que, atónito, sublinhou: “Espere um minuto, factos alternativos? Factos alternativos não são factos, são falsidades!”

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