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A desmaterialização da moeda em debate nos 25 anos da Unicâmbio

O mercado cambial sofrerá num futuro próximo uma revolução. Esta foi uma das conclusões do colóquio Moeda Nacional e Moeda Virtual, que decorreu ontem no Mosteiro dos Jerónimos, no âmbito das comemorações dos 25 anos da Unicâmbio, e que juntou Maria João Carioca (CGD), João Duque (ISEG) e Rocha Andrade (deputado e ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais).
  • Cristina Bernardo
15 Novembro 2017, 12h44

No âmbito das comemorações dos seus 25 anos a Unicâmbio organizou um colóquio subordinado ao tema “Moeda Nacional e Moeda Virtual”, em participaram Maria João Carioca (CGD), João Duque (ISEG) e Fernando Rocha Andrade (deputado e ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais), como oradores, e com Carlos Vargas como moderador, no Mosteiro de Jerónimos, nesta terça-feira, dia 14.

O tema da desmaterialização dominou o colóquio. Uma das conclusões comum aos três participantes no debate é que o futuro passa claramente pelo dinheiro digital.  A Unicâmbio, a mais antiga agência de câmbios, líder de mercado no setor das transferências de dinheiro e de câmbios, está na linha frente para o impacto da crescente desmaterialização do dinheiro.

No entanto é fundamental a concertação dos vários actores do sistema económico para colmatar o principal problema das moedas virtuais: a falta de sistemas de regulação e o não reconhecimento oficial por parte dos mercados, disseram.

A empresa liderada por Carlos Lalaia e Paulo Jerónimo, quis ouvir as respostas às questões: O dinheiro físico vai desaparecer ou coexistirá de forma física e digital? Como vão reagir os reguladores, BdP, BCE, Bancos Centrais Nacionais, perante os novos desafios das moedas virtuais? Como mitigar os riscos sem anular o impacto da inovação disruptiva? Fará sentido a criação dum banco central para moedas digitais ou desaparecerá o tradicional controlo estatal da moeda? Num quadro de globalização como irão atuar os Estados e as economias dos países cuja arma que lhes resta para acertos estruturais é a desvalorização da moeda?
É previsível uma guerra cambial com o objetivo de controlar o comércio mundial ou como mero instrumento de pressão política?

“Os bancos centrais deviam definir os referenciais para o funcionamento destas moedas”, defendeu Maria João Carioca, especialista em meios de pagamento e hoje administradora da CGD.  O papel do emissor e agente do banco central está a ser desafiado pelos novos emitentes de moedas digitais, e Maria João Carioca defende um “level playing field para todas as moedas”.

Para Rocha Andrade, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a tecnologia das moedas virtuais pode ser fundamental no rastreio das transações, mas a falta de controlo de quem as emite e de quem as detém torna-as atrativas para atividades ilegais. Actualmente “é possível, unidade a unidade, saber todas as transações que cada unidade monetária teve, isto é o sonho do cobrador impostos ou da PJ, a rastreabilidade total”.

Fernando da Rocha Andrade lembrou assim os riscos ao nível do branqueamento de capitais e outros movimentos financeiros ilícitos. O que remete para as preocupações da Comissão Europeia relacionadas com a possibilidade de as moedas virtuais poderem facilitar movimentos financeiros ilícitos. Uma vez que se trata de moedas que não se vêem, não se tocam, mas movem milhões. Não têm valor intrínseco, não estão reguladas, mas nada impede o comum cidadão de as transacionar.

Recorde-se que Comissão Europeia quer incluir as plataformas de câmbios de moeda virtual na diretiva relativa à luta contra o branqueamento de capitais, de forma a pôr fim ao anonimato associado a estas plataformas.

O caminho até à regulação poderá passar pela alteração da Diretiva (UE) 2015/849, que visa o combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. O Banco Central Europeu e a Autoridade Bancária Europeia consideram que é urgente criar mecanismos para impedir grupos criminosos de transferirem dinheiro de forma anónima, através destas moedas. O que está em discussão é a possibilidade de alargar aos fornecedores de serviços de alojamento de carteiras de criptomoedas obrigações que já recaem sobre as instituições financeiras tradicionais, como identificar clientes e reportar transações suspeitas.

A ainda falta de reconhecimento legal e de supervisão praticamente em todo o mundo são fatores que não ajudam à sua legitimação. Rocha Andrade, considerou que a parte regulatória “está muito atrasada” e recordou que mesmo as diretivas europeias sobre pagamentos têm dificuldades em lidar com sistemas de pagamentos não corpóreos.  “A legislação europeia contra o branqueamento de capitais ainda não considera a moeda digital como uma moeda sequer”, disse Fernando da Rocha Andrade que concordou que ainda é muito cedo para os bancos centrais introduzirem as moedas digitais nos meios de pagamento regulares.

Por sua vez, a administradora da Caixa Geral de Depósitos (CGD) Maria João Carioca afirmou que o importante é que a introdução destas moedas “não perturbe a realidade de funcionamento” do sistema monetário e afirmou esperar que, em vez de estas criarem obstáculos, possam facilitar a transação de dinheiro, seja com “menos custos de armazenagem e de transação” ou de combate à fraude.

Também Maria João Carioca disse que  “ainda é muito cedo” para que os bancos centrais tenham uma posição fechada, sobre referenciais para o papel destas moedas.

Actualmente milhões de pessoas investem numa moeda criada de forma anónima, por isso João Duque adverte, “desde que não sejam depositadas num sistema que permita ampliar a capacidade reprodutora de depósitos e produção de crédito, então temos o efeito da nova moeda confiada a um ativo, mas não tem o poder replicativo e aumentativo que têm tipicamente as moedas tradicionais”, disse.

João Duque lembrou ainda o caso dos bancos globais, como o HSBC e o Barclays, que criaram já criptomoedas para as transações monetárias interbancárias, para realçar a imparável tendência, apesar da aversão ao tema dos bancos centrais.

A UBS no ano passado avançou para a criação de uma nova moeda digital e que atraiu recentemente mais seis grandes grupos bancários globais, destacando-se o Barclays, o Crédit Suisse ou o HSBC entre os novos participantes. Já antes também o Santander ou o Deutsche Bank tinham aderido ao projeto.

A ideia do UBS passa pelo lançamento, tudo indica no final do próximo ano, de uma nova forma de liquidação de transações financeiras por via digital, através da tecnologia blockchain, originalmente desenvolvida para sustentar a bitcoin, a primeira moeda digital descentralizada e que não exige intermediários financeiros como bancos, por exemplo.

O UBS pretende seguir as pisadas desta moeda digital criando uma criptomoeda comum a vários bancos, devidamente coordenada com os supervisores bancários, que permitirá acelerar ainda mais a velocidade das transações entre os diversos agentes do setor financeiro. Os reembolsos ou investimentos em obrigações ou ações por parte destas entidades deixarão de precisar de ficar a aguardar pelas tradicionais autorizações ou transferências de verbas de um banco para o outro e serão concluídas quase no imediato.

Não está ainda estabelecida uma definição universal, mas as moedas virtuais são por vezes designadas por dinheiro digital, e a Autoridade Bancária Europeia (EBA) considera-as uma representação digital de valor que não é nem emitida por um banco central ou por uma autoridade pública nem está necessariamente associada a uma moeda fiduciária, mas é aceite pelas pessoas singulares ou coletivas como meio de pagamento, podendo ser transferida, armazenada ou comercializada por via eletrónica.

O valor de mercado das Bitcoins em circulação ainda não atingiu dimensões sistémicas, portanto as moedas digitais estão ainda a dar os primeiros passos.

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